A chatice do Politicamente Correto

E todo indivíduo que se porta assim é alguém que se alimenta do vitimismo e coitadismo.

*INALDO BRITO | O mundo tem se tornado cada vez mais chato. Boa parte disso se deve à adesão cada vez maior do Politicamente Correto. Ser Politicamente Correto é abdicar de seus próprios pensamentos e conceitos para se adequar ao padrão estabelecido por um determinado grupo a fim de que não haja constrangimentos ou "micro-agressões" aos que não suportam ouvir o que não acham certo. Ou seja, se você quiser ser aceito pelo grupo, tem que falar aquilo que o grupo quer ouvir. 

Esse tipo de comportamento tem se alastrado como gafanhotos em plantação, a ponto de em universidades americanas já haver locais denominados de safe space ("espaço seguro"), onde alunos podem se refugiar quando se sentem vítimas de atitudes consideradas inapropriadas por parte de seus colegas. Por exemplo, um aluno que se denomina gay pode se sentir vitimizado por escutar outro colega comentar que se orgulha de ser hétero. Perceba que a frase do colega não expressa preconceito - da mesma forma quando se vê pessoas homossexuais vestirem camisas com os dizeres "Orgulho em ser gay". Pois bem, pessoas que se sintam vitimizadas por conta de ver ou ouvir comportamentos ditos inconvenientes ou inapropriados podem se refugiar nesses locais. O problema é que o que começou como nichos tem tentado tomar conta de todo o campus, a fim de transformá-lo numa grande zona de espaço protegido - um "big safe space" -, a ponto de haver uma patrulha sobre o que se fala nas salas de aula, refeitórios, estacionamentos e áreas de lazer. O totalitarismo das minorias passa a ditar o que é correto ou não dizer. Isso é que o acontece quando o Politicamente Correto entra em cena.  

No Brasil, muitos programas da TV aberta foram aos poucos sendo retirados do ar. É só lembrar de programas como Casseta&Planeta em que o próprio Hélio de La Peña, que é negro, fazia piadas com negros, índios, brancos e homossexuais. Da mesma forma se deu com o programa Os Trapalhões, em que Mussum, que era negro, além de ser o alvo das piadas, ele próprio fazia piadas com negros, homossexuais e mulheres. O Casseta minguou. Trapalhões, hoje, só passa no canal de TV a cabo. O Politicamente Correto não se contenta em patrulhar e policiar aquilo que pode ser incômodo às minorias. Ele só se satisfaz quando cala as vozes que considera inadequadas ao momento atual. 

Dizem que defender o Politicamente Correto é se colocar contra possíveis preconceitos, entretanto pensar assim é utilizar um método denominado, por George Orwell em seu livro 1984, Newspeak ("Novilíngua"), em que se procura dar novos sentidos e significados às palavras, de forma a dificultar ou confundir o seu uso pelas pessoas. Quando se procura atrelar o Politicamente Correto ao preconceito, o que na verdade se está fazendo é apelar para as emoções das pessoas, já que grande parte delas escolhem agir mais por emoção do que razão. Então se, por exemplo, numa conversa de trabalho alguém disser que não gosta do Nordeste (tendo ele tem todo direito de expressar sua opinião e seus gostos), algum colega pode interpretar isso como um possível preconceito a nordestinos - fruto de um equívoco em atrelar uma frase que se limita ao local geográfico aos residentes daquele local -, e informar ao RH da empresa, podendo a pessoa receber uma advertência ou ser demitida. Tudo por que ela falou aquilo que as pessoas não gostam de ouvir.

Recentemente, no desenho Os Simpsons, houve também uma vitória do Politicamente Correto sobre a não continuação de um personagem indiano no desenho. Grupos alegaram que o personagem ridicularizava a comunidade indiana, por fazer parte de um desenho escrachado. A sentença do personagem é que, depois de anos de sucesso, ele será retirado do desenho a fim de atender as demandas dos "defensores da sociedade". É sempre a mesma ladainha: se fala o que eu não gosto de ouvir, então tem que ser silenciado. E assim, a vitimização segue sendo a desculpa perfeita para calar o outro.

D. A. Carson em seu livro A intolerância da tolerância demonstra como o Politicamente Correto pode chegar a níveis absurdos. Basicamente ele contrapõe dois tipos de tolerância. Uma é a antiga tolerância - que é aquela que tem perdido espaço para o Politicamente Correto -, em que as pessoas podiam ter pensamentos contrários, expressá-los e, ainda assim, saberem conviver com a diferença. A outra é denominada como nova tolerância, que é a que tem tentado se sobrepor de forma hegemônica, em que não se permite mais posicionamentos contrários. Nessa nova tolerância não há espaço para conversas ou debates. Se alguém possui um pensamento diverso ao meu, é meu direito calar aquela pessoa a fim de só as minhas convicções se sobressaírem. Agora eu te pergunto, qual dessas duas tolerâncias têm sido a tônica da atualidade? Não basta ser um sábio para perceber que a nova tolerância tem esmagado a antiga. E isso na TV, nas escolas e faculdades, no trabalho e em qualquer lugar onde o Politicamente Correto tem alcançado com seus tentáculos.

Carson dá um exemplo bastante conhecido dessa nova tolerância que é o caso de um confeiteiro nos Estados Unidos que havia se recusado a fazer um bolo para um casamento homossexual, alegando conflito com a religião e os princípios que ele segue (cristianismo). Mesmo se dispondo a indicar outro profissional que poderia fazer o bolo, os noivos não deram ouvidos e alegaram que o confeiteiro estava sendo preconceituoso por não querer aceitar o pedido. Mesmo que o dano maior estivesse sendo para o confeiteiro, já que ele estaria deixando de lucrar, os nubentes entraram com processo contra ele na corte americana. O último resultado da corte foi favorável ao confeiteiro, aduzindo que o mesmo não era obrigado a aceitar o pedido com base na cláusula da Constituição que garante a liberdade de expressão. 

Até paquerar ou elogiar alguém pode ser tachado como comportamento inapropriado, sendo a pessoa passível de processos ou prisão. O Politicamente Correto trouxe consigo um novo modelo de sociedade, composta por seres mais parecidos com autômatos pré-programados do que autônomos responsáveis. Hoje parece que virou crime ser heterossexual, carnívoro, branco e/ou homem. As minorias têm agido com um barulho ensurdecedor, ainda mais se o mundo e a sociedade não estiverem convenientes com as suas reivindicações. 

É importante frisar que o racismo deve ser punido com o rigor que o dano exige. Entretanto, achar racismo em qualquer expressão usual como "A coisa vai ficar preta" ou "Ele é a ovelha negra da família" é agir como um patrulheiro do Politicamente Correto, como um possível censurador, como um agente contra a verdadeira liberdade de expressão. E todo indivíduo que se porta assim é alguém que se alimenta do vitimismo e coitadismo. Uma sociedade não sobrevive por muito tempo quando o Politicamente Correto se entranha em suas variadas esferas.

Querer que todos passem pela vida sem ouvir o que não gostam é ser utópico. É compactuar com a nova tolerância. É agir como um tirano. É ser narcisista. É ser um imaturo emocional. Melhor parar por aqui, antes que algum defensor do Politicamente Correto ache que eu esteja o constrangendo com tais verdades.