A informação que desinforma os mal-informados

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Notícias falsas são o que causam a desinformação de fato. A desinformação não se restringe a uma notícia ou outra, mas sim a um encadeamento de pensamentos e vieses que afunilam para o real objetivo do agente da desinformação, que é tanto causar o pânico nas pessoas como vender a si, ou a causa defendida, como o único possuidor da verdade e da decência moral (mesmo que não possua nenhum caráter e, consequentemente, a moral esperada). O melhor exemplo da desinformação é o jogo do telefone sem fio: a notícia primária começa com “Deus é bom” e, após retirar e acrescentar palavras ou termos intencionalmente, no final, ela se transforma em “O diabo é um bom amigo”.

A desinformação ganha terreno em uma sociedade cada vez mais influenciada apenas pelo que ouve ou assiste, enquanto rechaça qualquer forma de análise crítica, pesquisa “imparcial” (no sentido de se conhecer os lados antagônicos, e não apenas defender cegamente o que lhe mais interessa) e conhecimento derivado dos livros (o que não se restringe só ao meio acadêmico, mas que perpassa um autointeresse pelos mais diversos assuntos da vida, para não se fechar numa bolha científica ou intelectual).

Seja no campo político, acadêmico, jurídico etc., a desinformação é utilizada como objeto de alienação para com aqueles que são os telespectadores de tais setores. Os atores responsáveis por tal campanha não estão interessados em transmitir a notícia ou o fato na forma como eles são por si só, mas sim em que os destinatários compreendam o que eles, os agentes, querem que seja entendido. É assim que se formam as massas para serem manobradas.

A maioria das pessoas não é só desinformada, mas gosta de sê-lo. Por exemplo, no seu grupo de família ou de igreja do Whatsapp pode haver uma ou outra pessoa que gosta de compartilhar correntes infundadas ou notícias falsas camufladas como autênticas (conquanto ela mesma não saiba que é falso o que compartilha). A partir do momento que você contrapõe essas “mentiras brancas”, a tendência é que a pessoa se indigne mais por que você desconstruiu o castelo de fraudes dela do que por ela ter compartilhado uma inverdade.

Ou seja, a desinformação dá certo porque as pessoas expectam ser desinformadas e, inevitavelmente, querem ser parte dessa campanha, e repassar a inverdade traz a elas uma identidade com a ignorância massificada.

Se o país passa por dificuldades fiscais e orçamentárias, e é preciso reduzir gastos para que o navio não afunde, ao se anunciar o contingenciamento das despesas em determinadas áreas, como saúde ou educação, o que o desinformante faz é anunciar que esses setores vão morrer. Ele, o desinformante, não está interessado em repassar a informação da necessidade de ajuste fiscal e contingenciamento (contingenciar é diferente de cortar; o primeiro diz respeito a interromper por um período de tempo, mas que será retomado quando as coisas melhorarem; o segundo diz respeito a extinguir de fato), mas se preocupa unicamente em causar impacto, e para isso, nada melhor que propagar que “pobres não terão onde estudar ou onde receber atendimentos de saúde”. A notícia que vende não é aquela que as pessoas precisam ouvir. A notícia que vende é aquela que as pessoas querem ouvir para darem vazão aos seus sentimentalismos e emoções revolucionárias, e, muitas vezes, essa notícia é uma mentira e desinformação engendrada para o caos.

Um livro que chama bastante a atenção para a campanha de desinformação é o Fahrenheit 451, do autor Ray Bradbury. O livro é uma ficção distópica focada no personagem Montag, um bombeiro. Só que os bombeiros no livro são diferentes dos bombeiros do mundo real. Em vez de apagar fogo, eles incendeiam. Mas é aí onde fica interessante a história. Os bombeiros eram chamados para queimar livros. E por que livros? Bom, para responder essa dúvida, deixo a palavra com o chefe de Montag, Capitão Beatty:

“Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso.”

E nada melhor que manter um homem nessa condição do que tolhendo-lhe as informações necessárias para compreensão do mundo ao redor (nesse caso, os livros tinham esse papel). Algo parecido é visto também em outra ficção distópica, 1984, de George Orwell, onde Winston (personagem coadjuvante da trama) se vê confuso entre manter a lealdade ao Partido e se voltar contra ele. O Partido possuía três lemas, fundamentais para sua manutenção no poder. Eram eles: “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.” Para o presente texto interessa o terceiro lema – Ignorância é Força.

Como o Partido mantinha as pessoas na ignorância? Ele possuía um Ministério responsável pelo fluxo de informações e notícias, chamado Ministério da Verdade (ou Miniver). Uma das atribuições desse Ministério era apagar o passado, mudar o presente para construir um novo futuro. Nas palavras do próprio Miniver: “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente controla o futuro.” A campanha de desinformação era um método de controle e dissuasão fraudulenta do Partido para dominar a população.

Infelizmente, temos visto uma tendência cíclica em que livros como esses refletem o mundo real, e o mundo real reflete esses livros.

À medida que deixamos de acreditar em qualquer vento de notícia que assistimos na TV, escutamos no rádio, lemos no blog de notícias sensacionalistas ou que nos foi compartilhado pelo Whatsapp, e passamos a possuir um filtro mais requintado para os nossos olhos e ouvidos, enfim, poderemos esperar que a desinformação - apesar de continuar a existir - não será perpetuada pelo que clicamos ou digitamos. Antes de compartilhar tudo que lhe aparece, só porque é condizente com que você talvez pense ou acredite, procure refletir mais, pesquisar mais, e amadurecer mais. Isso serve para tudo, inclusive para esse texto.