A intolerância da nova “tolerância”

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Houve um tempo em que expor o que se pensa ou se acredita era tolerável, mas esse tempo parece aos poucos estar se acabando. Se, antigamente, o peso de expor ideias que confrontassem outros modos de pensar era visto como valentia e bravura, infelizmente, hoje, isso tende a ser tratado como preconceito e violência. A tolerância de antigamente não é a mesma tolerância dos dias atuais. Enquanto para aquela, emitir posicionamentos e se expressar era algo natural a ser utilizado por quem que fosse, esta nova tolerância se propõe a tolerar qualquer discurso, desde que seja a favor do pensamento moderno. Caso não se enquadre com a cultura do momento, essa nova “tolerância” utilizar-se-á de vários meios para não tolerar o que foi falado, desde tachar o emissor de intolerante, preconceituoso ou propagador de discursos de ódio, até mesmo a apelar para que ele seja silenciado ou cancelado da vida social e pública.

Essa nova “tolerância” se mostra intolerante a qualquer coisa que não se dobre ao que ela diz ser correto. Essa nova “tolerância” é repressiva a qualquer um que divirja de seus ideais e objetivos sociais, não importando se os argumentos sejam plausíveis ou válidos para contrapor essas mesmas ideias. Essa nova “tolerância”, por fim, se revela como intelectualmente debilitante ao não tolerar a livre expressão de pensamentos e conceitos, incapacitando qualquer linha de diálogo entre noções antagônicas de um determinado tema.

Uma das coisas que se tornou difícil em mensurar é o limite entre uma mera expressão e sua extrapolação, passível de ser considerado um discurso agressivo, intolerante, preconceituoso ou (o mais atual) de ódio. Mesmo as decisões judiciais oriundas da Suprema Corte, por exemplo, que tratam sobre os casos que devem ser considerados como homofobia e criminalizados, acabam tendo falhas nos critérios para análise de expressões, posicionamentos ou falas sobre comportamentos e tendências sexuais e de gênero. Uma pessoa que se posicione contrária, por exemplo, ao casamento homossexual e venha a público se expressar sobre isso, por mais que vincule esse posicionamento à sua crença religiosa, pode ter seu discurso censurado, ser acusada de homofóbica e, “se tudo der certo”, até mesmo ser processada.

Creio que a maioria de nós pelo menos consegue identificar quando alguém está sendo agressivo em sua fala ou quando se expressa. A nova “tolerância”, em contrapartida, acaba colocando qualquer discurso politicamente incorreto como um discurso afrontoso aos padrões adotados atualmente. Qualquer pessoa, por exemplo, que venha a público criticar o fato de uma empresa de quadrinhos “modificar” a sexualidade de um dos seus super-heróis mais conhecidos visando mais se enquadrar com o pensamento contemporâneo, tentando assim apagar toda uma construção histórica daquele personagem ao longo das décadas, também é passível de ser considerada preconceituosa.

Perceba que a nova “tolerância” não tolera dissidentes, divergentes, discordantes e diferentes. Os mais variados setores estão impregnados dessa nova forma de tolerância. É bem que se diga que essa nova “tolerância” teve como cenário primordial justamente as universidades, o lugar onde, pasmem, deveria ser um ambiente livre para expressão de ideias acabou se tornando um local de pensamento único, onde aquele que não estiver na bolha automaticamente será tratado como um pária. Thomas Sowell diz o seguinte sobre isso: “Os alunos que atravessam a faculdade sem nunca ter confrontado uma visão de mundo muito diferente daquela do conjunto restrito de seus professores têm pouca oportunidade de desenvolver a própria capacidade de analisar argumentos conflitantes – como terão de fazer quando deixarem o mundo enclausurado do campus.

Ao sair das faculdades, muitos desses alunos da nova “tolerância” têm buscado transformar a sociedade na base da coerção, e não dos argumentos e debates. Sua ideia de “tolerar só quem concorda comigo, e calar ou perseguir quem não concorda” alcançou as empresas, os programas de TV, os jornais e veículos de comunicação, a própria ciência (pasmem, também), e até mesmo os esportes. Atletas transgêneros, por exemplo, são blindados de quaisquer críticas acerca de sua entrada em esportes de cisgêneros (curiosamente, há um índice muito maior de homens biológicos que passam por cirurgia de mudança de sexo para disputarem competições com mulheres biológicas do que o contrário), mesmo que cientificamente seja provado que ainda assim eles possuem vantagem biológica em relação aos demais.

O simples fato de eu citar esses assuntos nessa coluna pode ser interpretado como preconceituoso por algum leitor. E nada impede que esse leitor pressione os editores do jornal para impedir futuras publicações minhas. Caso os editores se mantenham firmes e não acatem tal pressão, o leitor poderá pressionar talvez os anunciantes. E é aí onde a coisa fica interessante, pois a depender do anunciante, ele pode não querer que sua marca esteja associada a um jornal que publica falas “preconceituosas” ou que acolha um colunista “intolerante”. A partir disso, ou os editores aceitam a pressão e cancelam o colunista ou não se deixam dobrar mesmo correndo o risco de futuras manifestações ou processos contra o jornal. Acredite, esse tipo de técnica de persuasão da nova “tolerância” está sendo mais comum do que se imagina.

Não somos todos blocos de um mesmo muro. Se, de fato, estamos num ambiente plural, é imperativo que esse ambiente abarque uma pluralidade de pensamentos e expressões, quer gostemos ou não de ver e ouvi-las. A nova “tolerância” é quem tem se mostrado intolerante e, ao mesmo tempo, tentado tornar as relações sociais monolíticas com base em buscar uma suposta paz e condescendência absoluta. Onde isso foi tentado, o resultado gerado foi justamente o contrário do que se queria.  

Como disse certa vez Winston Churchill: “A noção de liberdade de expressão para algumas pessoas é que elas são livres para dizer o que quiserem, mas, se alguém diz algo de volta, elas ficam indignadas.