A mão do racismo

A mão do racismo.

GUILHERME LAPA | Alguns dias atrás foi instalada em Salvador uma peça publicitária contendo uma mão humana segurando um limpador multiuso em uma rua de um bairro de alto padrão. Era uma peça publicitária de uma das maiores empresas fabricantes de produtos de limpeza no Brasil, a Ypê.

O objeto poderia ter passado despercebido se não fosse um detalhe: a mão que segurava o produto de limpeza representava a de uma pessoa negra. Para muitos aquilo não representou nada, mas para olhares mais atentos, mostrou a marca escravagista e racista que insiste em normalizar a ideia de que espaços serviçais são reservados com exclusividade a pessoas negras.

Esse tipo de pensamento tem ficado cada vez mais distante, mesmo que muitas vezes o estereótipo racista pareça acontecer de forma acidental, como tentou fazer a empresa Ypê, dizendo que tal peça publicitária foi a reprodução da personagem “Mãozinha” numa cena em que limpava a residência da Família Addams, um desenho animado originário dos Estados Unidos.

Foi uma desculpa esfarrapada, bem melhor se tivesse ficado calada, pois a personagem a que se refere a empresa não era de cor negra. Ela foi enegrecida especificamente para ilustrar esse peça publicitária, instalada em uma rica avenida de Salvador, curiosamente a cidade mais negra fora da África. Um verdadeiro acinte à nossa população baiana.

Óbvio que jamais poderíamos esperar da empresa que no lugar da mão negra fosse colocada a de uma “patricinha” para segurar o produto. A verdade é que a peça publicitária reproduz uma postura racista de quem acredita que os negros somente podem ocupar espaços de menor ou quase nenhuma projeção social.

Os tempos são outros, mas muito ainda precisa ser feito para mudar a realidade que vivemos. A todo instante surgem novos casos de prática de racismo, a exemplo do que aconteceu ainda mais recente com a cantora Luciane Dom, que teve os cabelos black power revistados em um aeroporto carioca, sob o argumento de que poderia estar escondendo algo nele. Puro racismo.

Mas a igualdade racial será um ponto ainda muito difícil a atingir, mesmo com todos os avanços legislativos, e governamentais, no sentido de promover políticas públicas de proteção e reparação social a todas as parcelas da sociedade em situação de risco, devido ao pensamento de uma significativa parcela da população, que ainda pratica atos racistas muitas vezes sem a exata noção do que estão fazendo, que de tão comuns, já se encontram enraizados no cotidiano. Racismo estrutural.

No caso da peça publicitária da empresa Ypê não podemos dizer que foi um erro, pois em 2022 ela foi boicotada pelos consumidores após realizar doações com valores que somaram R$1 milhão de reais para a campanha de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, que era assumidamente racista. Talvez resida aí a explicação da peça publicitária.

Guilherme Lapa, é advogado.