A tragédia rousseauniana na política brasileira

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Jean Jacques Rousseau foi quem disse que "o homem nasce bom, a sociedade é quem o corrompe', abrindo caminho, então, para o mito do "bom selvagem", e toda uma história de vitimismo civil e veneração a criminosos. Mas a grande pergunta que fica é: Quem compõe a sociedade, senão primordialmente o próprio homem? O raciocínio de Rousseau é, portanto, falacioso.

De toda forma, há um paralelo desse pensamento de Rousseau com a política, mais especificamente no que diz respeito ao fanatismo político. Muitas pessoas acabam transformando o detentor do seu voto em um político de estimação superprotegido após ele ser eleito. A partir desse momento, para o eleitor, é Deus no céu e o político na terra.

O mito do "bom selvagem" faz parte do vocabulário do fanático político. Não importa se as suspeitas de crimes cometidos pelo político ficam maiores e mais claras a cada dia, o fanático continuará crendo piamente que o seu candidato é a genuína representação divina na terra, com aura angelical e pureza absoluta.

Caso ele seja sentenciado e condenado à prisão, ainda assim o fanático seguirá com sua fé cega no político, dessa vez culpando o sistema, os amigos, os delatores, os que abandonaram o barco, os que julgaram, enfim, a culpa sobra pra toda a sociedade, enquanto que para o seu totem político cabe apenas a constatação de que "ele só fez aquilo porque a pressão foi muito grande, mas ele é um bom homem, já ajudou muita gente, e quando ele sair da prisão e se candidatar novamente, votarei nele mais uma vez".

E assim, o mito do "bom selvagem" vai se propagando mais e mais na política. 

É impressionante como existem pessoas que acreditam piamente que o presidente do Brasil não mente, não erra, não possui defeitos e é irrepreensível, e que toda suspeita de corrupção, prevaricação e irregularidade levantada contra ele seja sempre (e apenas) um complô de um séquito dos bastidores do poder. 

É também impressionante como existem pessoas que ainda acreditam piamente que um ex-presidente do Brasil (que chefiou com testas de ferro o maior esquema de corrupção da história, segundo o Departamento de Justiça americano) foi injustiçado ao ter sido condenado e preso, e que na verdade ele "foi traído por pessoas que não toleravam as inúmeras bondades e benfeitorias que ele propiciou aos pobres e trabalhadores quando governava este país".

Não, meus caros, o homem não nasce bom, e, na verdade, é a maldade dele quem corrompe a sociedade. Esse é o verdadeiro retrato de como funciona a política. Líderes corruptos se elegem e são reeleitos regularmente, com o abono e aprovação de outros indivíduos poderosos encarregados de analisar suas fichas eleitorais.

O mito do "bom selvagem" atinge até mesmo as altas cortes desse país, onde magistrados chamam o bem de mal e o mal de bem quando julgam não mais os crimes de fato e as consequências advindas do seu cometimento, seja em escala individual ou coletiva, mas sim a intenção de quem mandou prender ou os meios que se utilizou para incriminar. É desse jeito que políticos corruptos fazem a farra na Justiça brasileira, onde até mesmo os próprios magistrados acabam dançando conforme a música do tráfico de influência ou do ativismo judicial.

Governantes mentem despudoradamente, fingem ser bons mocinhos, enquanto tentam esconder de seus eleitores o focinho de lobo que carregam. E o pior é que para cada um desses políticos selvagens, há dezenas e dezenas de seguidores, correligionários e apoiadores que acreditam plenamente que aqueles detém um coração santo e moralmente bom.

Políticos não são deuses, ainda que queiram ser tratados como tais; não são messias, ainda que haja quem os trate assim; não são santos, ingênuos ou inocentes de quaisquer coisas que forem acusados, ainda que magistrados movam os pauzinhos e façam malabarismos para reinterpretar leis que os absolvam de seus crimes ou concedam habeas corpus para sua soltura.

Dúvida. Desconfiança. Descrença. Esse é o tripé apropriado para se relacionar com a política e seus atores, os políticos. É por falta disso que ainda vemos tantos incautos e ingênuos até agora possuindo políticos de estimação, superestimando-os e divinizando-os quando, na verdade, eles nada têm de especial - podem até reluzir algum brilho, mas nada valem.