Analfabetismo funcional como estilo de vida

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Hoje em dia, a facilidade do clique supera a concentração das páginas

INALDO BRITO | Uma das consequências dos pífios modelos educacionais de hoje é a incapacidade de a maioria das pessoas não conseguir interpretar falas, textos e diálogos, num claro exemplo do que é chamado analfabetismo funcional. Com o advento das redes sociais, esses indivíduos ganharam o mundo, e agora não restringem sua inépcia apenas aos seus convivas, mas se acham na competência de opinar sobre ideias que não entendem, criticar assuntos que nunca pesquisaram e emitir sentenças condenatórias contra pessoas que eles não conseguem acompanhar o raciocínio.

Uma das causas dessa situação encontra-se nos níveis medíocres de leitura que o brasileiro apresenta. Hoje em dia, a facilidade do clique supera a concentração das páginas. Pessoas não ponderam em gastar mil reais no celular de última geração, mas pestanejam quando o assunto é gastar trinta ou quarenta reais num livro que lhes ensine a pensar e refletir. A vontade de fazer parte do grupo dos esbanjadores ofusca a iniciativa de ingressar no mundo da racionalidade.

Em Como ler livros, Mortimer Adler apresenta-nos passo a passo como a leitura eficaz deve ser realizada. Mais do que recitar palavras, o indivíduo deve compreender aquilo que lê para, enfim, executar uma análise crítica correta das ideias apresentadas. A pessoa que não consegue entender os objetivos e as explicações do autor mostra-se incapaz de emitir qualquer opinião acerca do que leu. E se mesmo assim ela o fizer, estará sendo desonesta ao falar sobre o livro com quem ainda não leu. Esse tipo de critério não serve apenas para livros, mas combina-se com qualquer coisa que possui informações, ensinos, doutrinas, ou tudo aquilo que se enquadre como comunicação.

As redes sociais são o local onde essa orientação de Adler é mais negligenciada. A quantidade de sujeitos expondo seus analfabetismos funcionais faz parceria com os que emitem suas verborragias. Se for publicado, por exemplo, que “Pessoas gordas possuem mais chances de ataque cardíaco!”, sempre aparece um ou outro que (mal-)interpreta a sentença como “gordofobia”, ou usa a sentença para vitimizar os que se encontram em tal situação. Na cabeça do aproveitador (que pode ser ou não um analfabeto funcional), qualquer proposição deve ser analisada cruamente, sem levar em consideração fatos e dados que culminaram na emissão da sentença. O pior é saber que atualmente esse tipo de pessoa é o que consegue influenciar os demais, que colocam em prática tanto os seus comportamentos de manada como o analfabetismo funcional.

Algo bem presente em círculos acadêmicos é a intolerância ao pensamento contrário. Seja o orientador de mestrado que só permite pesquisas com a mesma linha de pensamento da sua, seja discentes ou docentes que só toleram eventos do espectro político que adotam, seja sindicatos que só colocam em “debate” personalidades de um mesmo nicho intelectual... A verdade é que essa doença da mediocridade erudita nos círculos universitários também tem colaborado na formação de analfabetos funcionais com diplomas.

Indivíduos que participam de encontros para debater a Reforma Previdenciária ou a implementação da cobrança de mensalidades em universidades públicas, e que se colocam a favor de ambas as pautas, volta e meia vêm às redes sociais para expor o clima de tensão que passam em alguns desses ambientes. Muitos não conseguem sequer emitir seus posicionamentos, pois a turma contrária não lhes deixa, interrompendo suas falas com alguma palavra de ordem ou com gritos e histeria para dificultar o pronunciamento do interlocutor. Estamos falando de pessoas adultas, e que, espera-se, por estar na universidade já soubessem tolerar o pensamento divergente, contrário e antagônico. Entretanto, acabam se revelando como massas ignóbeis, que colocam em prática a dialética erística de Schopenhauer, mesmo sem nunca o terem lido.

Quando olhamos com mais detalhes para o que o analfabetismo funcional é, vemos que o ambiente político é o que mais tem se aproveitado de tal condição, muitas vezes chegando a incentivar a sua manutenção. O analfabetismo funcional não se limita a classe social, cor, gênero ou qualquer outro fator sócio-econômico. Ele possui um papel importante no status quo da mediocridade das massas, que é garantir a perpetuação da desinformação e a perenidade da incompreensão de ideias, conceitos e opiniões.

Partidos e políticos transformam o analfabeto funcional em seu cabo eleitoral ou no mais novo militante cego da causa. Se Reformas necessitam ser aprovadas para que o país se ajuste financeiramente, os correligionários do partido retiram palavras propositadamente do texto para utilizarem como pretexto para inflamar os analfabetos funcionais a se posicionarem contra os projetos (fazem isso sem nunca sequer terem lido uma linha do projeto, apenas confiam nas suas referências político-partidárias).

Perceba, caro leitor, que isso não se limita a alguém que nunca estudou. Pelo contrário, o analfabeto funcional é oriundo das salas de aula. É fruto da metodologia freireana em conceder diplomas a quem aprendeu apenas a ler e escrever, sem dar a importância devida se a pessoa, de fato, entende o que lê. Esse é o método que invadiu os círculos acadêmicos, periódicos, jornais e revistas, até descambar nas redes sociais.

Se o texto fala sobre “contenção de gastos para não correr o risco de inflação”, o sujeito se atenta apenas à palavra gastos e começa a elucubrar que “o governo tem que gastar mais com os mais pobres etc.”. Ou seja, o seu analfabetismo funcional lhe impede de aprender que “contenção de gastos” e “gastar com mais pobres” são duas coisas que se anulam. E mesmo que haja dados que comprovem a importância da contenção, ele não fará o mínimo de esforço para compreender, porque há uma limitação no seu próprio aprendizado. Novamente, isso não se resume apenas àquela pessoa que só possui o MOBRAL. Incluem-se pessoas diplomadas, professores, mestres e doutores.

E o pior de tudo é que o indivíduo diplomado com analfabetismo funcional não se apercebe como deficiente. Nada disso. Ele se aventura pelo mar revolto das ideias apenas com uma boia tipo anel, crendo piamente de que a sua falta de uma compreensão correta do que lê não é preocupante; basta apenas saber uma palavra ou outra que já lhe torna suficientemente capaz de emitir suas críticas, posicionamentos e altercações. No fundo, todo analfabeto funcional pensa que sua verborragia vai revolucionar o mundo. Ledo engano.