Após transferência de presos, possível surgimento de facção no DF preocupa

(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Nove chefes da organização criminosa que domina os presídios do Norte do Brasil chegaram a Brasília na noite de terça-feira, vindos do Amazonas

A transferência de nove homens apontados como líderes da chacina nos presídios de Manaus (AM) para Brasília levou mais uma facção criminosa para os presídios do Distrito Federal. A Família do Norte (FDN) é apontada como responsável pela morte de 55 internos em quatro cadeias da capital amazonense, no início da semana, e da execução de outros 56 detentos, em janeiro de 2017. No extermínio de dois anos atrás, todos os alvos eram integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), que também tem chefes alocados no DF, incluindo o número um, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.

As lideranças das duas facções, as maiores do país, que se matam, principalmente, pelo controle do tráfico de drogas, estão trancafiadas na mesma unidade, o Presídio Federal de Segurança Máxima, ao lado do Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião. As forças de segurança da capital não escondem o temor com o movimento de filiados das duas organizações extramuros.

Investigadores afirmam haver integrantes do PCC e do Comando Vermelho (facção originária do Rio de Janeiro) morando e atuando em cidades do Entorno e do DF, como Santa Maria, Gama, São Sebastião, Paranoá e Planaltina. Agentes da segurança ainda não identificaram células do FDN na região.

Nove condenados da FDN desembarcaram no Aeroporto de Brasília na noite de quarta-feira. Mas, nos próximos dias, seis serão enviados a outros presídios federais  (a data da transferência e os destinos não foram informados por questão de segurança) e três permanecerão no DF. Em 22 de março, o Presídio Federal recebeu Marcola. Com ele, vieram outros três integrantes da cúpula do PCC. O irmão do número 1 do PCC, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, conhecido como Marcolinha, foi levado para a unidade prisional em 13 de fevereiro, com outros dois presos.

Rebelião

Secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres acredita que a chegada de chefes de uma terceira facção pode influenciar até mesmo o Complexo Penitenciário da Papuda, onde ficam os condenados pela Justiça do DF, sob a guarda das forças de segurança da capital. “As ordens (das lideranças para os membros das facções) vão chegando e, a 800 metros de distância, isso pode inflamar os 17 mil presos do sistema carcerário do DF”, alerta Torres, que também é delegado da Polícia Federal.

A última revolta de presos registrada em Brasília ocorreu em 18 de outubro de 2001, após Marcola ser transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda. Ele criou um braço do PCC na unidade candanga, denominado Paz, Liberdade e Direito (PLD), que encabeçou o motim. “Hoje, temos um problema grave de efetivo e ainda precisamos lidar com novas preocupações que não deveriam estar aqui, como a vinda de mais presos faccionados para o DF”, pondera Anderson. Ele não divulga números de agentes trabalhando no sistema carcerário sob a alegação de segurança.

O secretário descarta riscos ao Presídio Federal — sob administração do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e controlado por agentes federais de execução penal —, mas alerta para o que pode ocorrer nos arredores. “Apesar de ser um local de segurança máxima, é uma terceira organização criminosa a caminho da capital e que vai acarretar em uma migração de uma rede estruturante de advogados, seguidores, filiados e familiares. Essas pessoas não vão deixá-los sozinhos aqui”, ressalta Anderson Torres.

Monitoramento

Para evitar articulação das facções criminosas no DF, a Polícia Civil e o setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública monitoram os principais líderes criminosos. “Estamos atuando cirurgicamente, principalmente nas regiões mais vulneráveis, que são aquelas limítrofes com o estado de Goiás”, frisa o secretário de Segurança.

Na mais recente operação da Polícia Civil, investigadores prenderam, no sábado, dois suspeitos ligados ao Comando Vermelho e acusados de matar três policiais no Paraná. Depois do crime, eles fugiram para Luziânia (GO), a cerca de 60 quilômetros de Brasília.

Na avaliação do professor de sociologia Arthur Trindade, da Universidade de Brasília (UnB), os sistemas prisionais estão sujeitos ao risco de facções criminosas. No entanto, ele, que foi secretário de Segurança Pública do DF em 2015, duvida que as células existentes no DF e no Entorno sejam capazes de espalharem medo.  “Tradicionalmente, a Polícia Civil monitora esse tema com muito cuidado e atenção. O que deve acontecer é um reforço desse trabalho. Embora tenha um ou outro preso no Distrito Federal, não existem facções atuando aqui”, garante.

Trindade diz ser importante rever protocolos de segurança no Complexo Penitenciário da Papuda, como o maior rigor nas fiscalizações, nas visitas e na entrada de objetos. “O que deve ser feito é um aperfeiçoamento do sistema de investigação e vigilância, para que essa rede funcione melhor, porque é pouco provável que o governo federal desista de utilizar a estrutura da penitenciária de segurança máxima construída em Brasília.”

Entenda o caso

Mortes por asfixia e perfuração

O massacre em quatro presídios de Manaus começou no domingo, por causa da disputa de poder entre os líderes da facção Família do Norte (FDN). Em dois dias, 55 presos foram exterminados. As mortes ocorreram por asfixia e perfuração com o uso de escova de dente. A chacina ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e no Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM 1).

Por falta de espaço, a maioria dos corpos foi colocada em um caminhão frigorífico alugado pelo governo de Amazonas. Cerca de 200 presos ameaçados de morte foram separados dos demais e as visitas suspensas. Na terça-feira, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) abriu 20 vagas nos cinco presídios de segurança máxima em Brasília, Mossoró (RN), Catanduvas (PR), Porto Velho (RO) e Campo Grande (MS).