Bezerro de ouro político-religioso: a perigosa relação de cristãos com políticos populistas que amam o poder, a nação e a si mesmos

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | “Há certa ironia no fato de muitos cristãos, perfeitamente capazes de identificar os problemas do liberalismo e do socialismo, estarem entre os primeiros a apoiar o movimento ‘por Deus e pela pátria’.” David Koyzis

O apoio e a aliança de certos partidos ou políticos brasileiros, de ambos os espectros da política (direita e esquerda), com alas católicas e protestantes são um precedente perigoso para o ressurgimento de posturas nacionalistas e o rompimento com qualquer observância de princípios democráticos de governo. Não estou falando que políticos não possam professar sua fé católica ou protestante em público. Pelo contrário, eles podem e devem. O sinal de alerta só deve ser acionado quando um fluxo em massa de igrejas ou lideranças eclesiásticas começa a se reportar a determinadas figuras políticas ou partidos como se estes fossem não mais uma “autoridade estabelecida por Deus na terra” (algo que a própria Bíblia, utilizada pelos religiosos, se refere), e sim como se fossem a própria figura divina, tornando, por isso, compreensível firmar coalizões.

Alguns defendem que política e religião não deveria se discutir, mas isso é um equívoco. Na verdade, o que não se deve é mesclá-las, pois assim que alguém as une, as ideias dessa pessoa serão pautadas por um Complexo de messias, no qual aqueles que não apoiarem ao político Xis serão tratados como párias e hereges repulsivos. Figuras de ambos os espectros políticos (direita e esquerda) utilizam tal Complexo para se promoverem perante a população e discriminarem seus críticos e opositores.

Em toda e qualquer comunidade de pessoas haverá amantes por poder: o poder de dominar, de liderar, de conquistar, de mandar. E não seria diferente com os setores religiosos. Engana-se quem pensa que as igrejas são compostas apenas por santos, honestos e fieis à fé cristã. Muitos de nós já vimos e ouvimos notícias cujos líderes eclesiásticos conduzem suas organizações como verdadeiros “coronéis”, mandando e desmandando, coagindo e até ameaçando seus membros com a finalidade de que nada destoe do propósito maquiavélico que têm em mente: de angariar para si mais e mais poder. Com esse objetivo em mente, a aliança com políticos torna-se natural.

As promessas dos políticos para os líderes eclesiásticos nem sempre são claras. Pode ser isenção de impostos, repasse de verbas (geralmente feito de modo oculto), aumento de reputação, apoio político em eleições locais, passaporte diplomático etc., mas o que fica claro é quais são as promessas do líder eclesiástico para o político: voto. Para um líder eclesiástico que trata sua igreja como um curral de fieis torna-se fácil transformá-la num curral de eleitores para o político com o qual fez alianças. Basta dizer que teve uma teofania na noite anterior e que a figura divina lhe contou que o escolhido das eleições é o candidato Fulano de Tal, e que todos deveriam, então, votar nele. Essa simples afirmação é suficiente para que seu séquito de fieis vote no candidato.

As lideranças de igrejas apostam alto com sua membresia quando o assunto é se empenhar em eleger determinado candidato. É preciso não apenas um ato de fé de que ele será eleito, mas principalmente a certeza de que todos os membros apertarão os números certos no dia da votação. Vale tudo para convencer os membros de que o candidato Xis é o escolhido por Deus, até mesmo combinar os símbolos de fé e da Nação. O patriotismo é alçado como algo intrínseco à vida religiosa, de fé, em muitos momentos até como algo que dita se a pessoa é ou não um “verdadeiro cidadão dos céus”. Esse patriotismo é utilizado pela liderança eclesiástica como o sinal aos membros de que “votar em Fulano de Tal é estar fazendo a vontade de Deus”.

Caro leitor, acredite, isso tem se tornado mais comum do que você imagina. Nos pavilhões e salas do Congresso Nacional, assim como em apartamentos e imóveis afins espalhados pelo país, encontros são realizados entre líderes eclesiásticos e lideranças políticas. O que se passa para o público é que tudo não passou de uma reunião de oração, de um culto, de uma missa, no entanto, o que se sabe depois, oriundo de vazamentos de quem participou, é que o assunto da conversa envolvia a velha troca de favores, o toma-lá-dá-cá, o logrolling político-religioso, votos de fieis por dinheiro na conta dos líderes eclesiásticos ou da igreja.

No Congresso Nacional, por exemplo, há até uma Bancada da Bíblia, encabeçada em sua maioria por políticos evangélicos (alguns até “pastores”), que, acredite, é uma das alas mais ineficientes e improdutivas do Parlamento. O interesse máximo dessa bancada é focado em costumes e intolerância religiosa, e pouco (ou quase nada) se debruça em assuntos mais complexos ou mais espinhosos, como tributação e corrupção. Na verdade, muitos dos que compõem a bancada já foram alvos de operações policiais ou estão respondendo processos que envolvem desvio de dinheiro. Ou seja, sua moral para legislar é mais rasa que um pires e não possui nenhuma similaridade com o Evangelho que dizem crer.

Candidatos que buscam apoio de católicos e evangélicos no fundo sabem onde devem focar, e não é nos corações, mas sim nos bolsos e nas contas dos porta-vozes eclesiásticos. E aqui não importa muito se os projetos de campanha do candidato são divergentes dos princípios bíblicos que a comunidade alega seguir, pois no fim o que vai valer é que o político que elegeram é o verdadeiro escolhido por Deus para guiá-los à “Terra Prometida”. Houve um tempo em que esse tipo de argumento seria tratado nos próprios círculos eclesiásticos como heresia, porém, hoje parece ser visto como a maior das virtudes religiosas. Que tempos estranhos os nossos!