Com pandemia ou sem pandemia, sempre existirão os hipócritas

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Sim, como já era esperado, após tantos comícios, passeatas e “festas da vitória” sendo tolerados, permitidos e até mesmo incentivados no período eleitoral pelas próprias autoridades públicas, eis que volta-se ao estágio de proibição, coerção e cerceamento das reuniões de pessoas comuns, especificamente nessas festas de final de ano. Claro, tudo em nome do combate à disseminação do vírus. Haja óleo de peroba pra passar na cara dessa alcateia de hipócritas.

Muitos estados já proibiram a realização do Natal ou festas de Réveillon, mesmo entre familiares. Há uma seletividade em todo esse processo de controle: as autoridades não veem problema algum em trabalhadores se espremerem em ônibus e metrôs lotados para se deslocarem de casa até os seus empregos, mas fazem um alvoroço por causa de uma reunião familiar de cinco a dez pessoas espalhadas pela casa. Fico me perguntando se as próprias autoridades irão obedecer às suas próprias leis. Pelo histórico recente, acho difícil!

Nesse período eleitoral, vimos como os interesses pessoais dos políticos se sobrepõem ao interesse público da população. Se durante o final do primeiro trimestre e início do segundo só ouvíamos falar sobre Covid nos noticiários, logo que começou a corrida eleitoral, é como se candidatos, pessoas do cenário público e a própria mídia mainstream tivessem feito um “acordo” com o vírus. Nesse tempo, estatísticas de internamento e morte não eram tão bem divulgadas, estudos científicos sequer eram mencionados, mas a agenda dos postulantes às prefeituras das principais capitais do país, essa sim, era importante de fato.

Candidatos que antes vociferavam aos quatro cantos para que ficássemos em casa eram os primeiros a organizar comícios com centenas de pessoas, enquanto outros candidatos que sempre nos lembravam da importância de sair de casa com máscara e não tirá-la em hipótese alguma eram fotografados sem máscara abraçados com possíveis eleitores e militantes.

O que vimos (e ainda vemos) nessa pandemia, por parte dos nossos governantes no que diz respeito a multas e prisões para quem desrespeitar as legislações arbitrárias que eles deferiram recentemente, tem por trás um comportamento que é muito bem retratado pelo personagem Dr. Floyd Ferris, no livro A Revolta de Atlas de Ayn Rand.  O Dr. Ferris era um burocrata, encarregado de dar um ultimato àqueles que não se dobravam ao peso das legislações do governo. Dessa vez, a vítima era Hank Rearden, que havia comercializado seu produto na clandestinidade, o que era terminantemente proibido. Num determinado ponto da conversa, após Hearden reconhecer ter violado a lei, eis que o Dr. Ferris responde:

- O senhor realmente pensava que a gente queria que essas leis fossem observadas? Nós queremos que sejam desrespeitadas. É melhor o senhor entender direitinho que não somos escoteiros, não vivemos numa época de gestos nobres. Queremos é poder e estamos jogando pra valer. Vocês estão jogando de brincadeira, mas nós sabemos como é que se joga o jogo, e é melhor o senhor aprender. É impossível governar homens honestos. O único poder que qualquer governo tem é o de reprimir os criminosos. Bem, então, se não temos criminosos o bastante, o jeito é criá-los. E fazer leis que proíbem tanta coisa que se torna impossível viver sem violar alguma. Quem vai querer um país cheio de cidadãos que respeitam as leis? O que se vai ganhar com isso? Mas basta criar leis que não podem ser cumpridas nem ser objetivamente interpretadas, leis que é impossível fazer com que sejam cumpridas a rigor, e pronto! Temos um país repleto de pessoas que violam a lei, e então é só faturar em cima dos culpados.

É curioso como o período em destaque cai como uma luva nesses tempos de pandemia, devido à adoção de regulamentos e normas acerca de afastamentos, circulação em determinados horários ou abertura de certos comércios. O único problema, como já mencionado, é que tais leis são criadas para ter eficácia apenas por conta da obediência do cidadão comum. Os que estão no poder, bem como os que os cercam, são eximidos da responsabilidade de obedecê-las, afinal de contas, o real interesse deles é manter seus governados sob a égide do controle estatal e centralizador do sistema. Por isso, a hipocrisia deles é tratada mais como virtude do que defeito.

Paralelamente, estamos vendo sindicatos de professores insistirem no mantra de que mandar as crianças para a escola é matá-las, mesmo com estudos mostrando que a taxa de propagação do vírus nas escolas que seguem devidamente os protocolos é baixíssima. É curioso como a atitude de certos sindicatos e sindicalistas ainda beira o histrionismo bobo, em que pese o fato de não sugerir nenhuma alternativa para contornar o problema. Pelo contrário, o que mais se vê são reclamações tolas. Se tem uma coisa que toda essa pandemia nos revelou, e que agora sabemos, é quem são os hipócritas, os mentirosos e os preguiçosos. E infelizmente eles são aqueles que nos governam e que aceitamos nos representar.