Corrupção: um mal de estimação nacional

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” Rui Barbosa

Recentemente, o Instituto Transparência Internacional divulgou o Índice de Percepção da Corrupção referente ao ano anterior de 2021. Esse índice mede a variação de corrupção presente em diversos países, dentre eles o Brasil, e sem nenhuma surpresa perdemos duas posições no ranking, demonstrando uma piora no combate à corrupção e, consequentemente, na manutenção de direitos e do ambiente democrático.

A nota do Brasil chega a ser até mesmo inferior à média global (que também já não foi tão alta) – O Brasil somou 38 pontos contra 43 da média global. Além de possuir uma nota abaixo da média global, ele também ficou abaixo da média de entidades político-econômicas que integra (BRICS – 39 pontos; Américas – 43 pontos; e América Latina/Caribe – 41 pontos). Um dos organismos de desenvolvimento econômico que o Brasil almeja entrar é a OCDE, entretanto, após a divulgação do índice, esse sonho fica ainda mais distante, tendo em vista que o combate à corrupção é um dos principais critérios para ser aceito no grupo.

Do ponto de vista socioeconômico, quem mais sofre com a corrupção são os mais pobres, vulneráveis e aqueles que levam suas vidas honestamente. Promover um ambiente com segurança jurídica é um desafio hercúleo, e torna-se preocupante quando quem mais deveria defender a justiça e combater corruptores tem na verdade torcido a lei para proteger estes enquanto torna seletivo o exercício jurisdicional – aos amigos do rei, tudo; aos inimigos, nada e/ou a espada.

A imparcialidade de julgamentos, assim como a minimização de sentenças condenatórias em que o sujeito, em vez de ir para a cadeia vai cumprir prisão domiciliar, mancha a imagem do país dentro e fora. E nesse quesito todos erram, desde órgãos públicos que suavizam condenações àqueles que passaram por processo administrativo devido a crimes comprovados, como, por exemplo, corrupção passiva, até aos próprios magistrados de cortes superiores que tomam para si o papel de réu e juiz num determinado caso, ou que não se escusam de julgar afetos/desafetos quando o processo cai em suas mãos.

A morosidade em combater a corrupção parece ser um consenso institucional. Se por ventura alguém tenta fazer um levante social para pressionar entidades e políticos a aprovarem projetos anticorrupção, mais cedo ou mais tarde essa vontade acaba se arrefecendo, seja por perseguição aos ou cooptação dos proponentes desses levantes.

A corrupção está tão entranhada no tecido social de nosso país que na maioria das vezes as relações ou trocas comerciais são realizadas na base do “quem quer rir tem que fazer rir”. Ela se tornou banal! Quem quiser viver de forma honesta e proba precisa enfrentar as engrenagens de um leviatã que cada vez mais estende seus tentáculos e integra as instituições públicas e privadas desse país.

Casos de corrupção passiva e ativa abundam entre gestores e funcionários públicos, mas principalmente entre políticos da velha e nova guarda. Superfaturamento de obras públicas continua constante no cenário nacional, e assim acontece pois os incentivos para tais crimes ainda permanecem factíveis. Não adianta deflagrar operações policiais, reunir provas licitamente e deter “suspeitos” se no final do processo de julgamento o mínimo que se atinge é afastamento remunerado de suas funções, simples perda de cargo público, pagamento de multas ou um cumprimento irrisório de pena na cadeia sendo, posteriormente, transformado em prisão domiciliar.

Quem não se lembra do pacote de medidas anticorrupção que chegou ao Congresso como a “esperança” de combate à injustiça e à criminalidade pública, mas que aos poucos foi sendo retalhado por políticos que (pasmem!) respondiam a processos de corrupção, sendo no final transformado em um simples papel de embrulhar pratos? Quem não se lembra de processos da Lava Jato que foram invalidados pela Suprema Corte por enfatizar uma divergência no local onde o rito processual deveria tramitar? Quem não se lembra da própria Lei da Ficha Limpa que hoje tem pouca ou quase nenhuma aplicabilidade, tendo em vista que continuamos a ver pessoas enlameadas até o pescoço com crimes do colarinho branco podendo se candidatar com o aval até mesmo do Tribunal Superior Eleitoral e suas regionais?  

Enfim, a lista de incoerências no combate à corrupção continua longa e tudo indica que não se encerrará tão simples assim como pensamos. Henry Maksoud, ao apresentar o livro Direito, Legislação e Liberdade do nobel de Economia Friedrich Hayek, comenta algo interessante acerca do que acontece à democracia quando ela se torna apenas um espelho dos tempos idílicos de realezas do passado:

“Quando, entretanto, ao longo dos tempos que se seguiram, os representantes do povo começaram a agir nas assembleias eletivas como se tivessem herdado as prerrogativas reais, os homens, que antes só consideravam perigoso o poder real, passaram a sentir os mesmos males de que se queixavam no regime autocrático monárquico: arbitrariedade, discricionariedade, corrupção, ineficiência, parasitismo, irresponsabilidade e crescente limitação da liberdade individual.”

Perceba que essa constatação de Maksoud é justamente o que vemos no cenário político nacional. Nossos representantes políticos e da lei vivem em torres de marfim crendo piamente poderem usar a máquina pública, a legislação e os seus instrumentos de coerção para benefício próprio. Quando, por exemplo, juízes de Suprema Corte autorizam para si mesmos aumento dos próprios salários, acarretando um efeito cascata em toda a cadeia judiciária, a justificativa quase sempre se acampa no tecido legal (“é um direito da classe”, “não há aumento há x anos” etc.) – não há nenhum ato corrupto, entretanto, a corrupção está muito mais ligada ao campo moral do que legal. Ou seja, quando magistrados aprovam seus próprios salários com justificativas pífias, onerando os cofres públicos sem nenhum tipo de ressentimento, pode-se dizer que suas mentes já se corromperam.

Eis uma característica da corrupção: ela começa na mente. Quando nos corrompemos, procuramos justificar nossas atitudes com todo tipo de patifaria. Se formos pegos, nossa reação inicial é negar, em seguida nossa defesa procura colocar a culpa em outra pessoa, depois, não surtindo efeito, nos vitimizamos tentando sensibilizar quem nos julga ou a opinião pública.

É por isso que, para se combater a corrupção institucional, é preciso que os combatentes sejam, antes de tudo, incorruptíveis, e talvez essa seja a característica mais difícil de encontrar em nossos representantes políticos e pretensos defensores da lei. Sem esse bom-caratismo e probidade adequada, o país amargará resultados cada vez piores em índices como o de Percepção da Corrupção, além de continuar refém de figuras desonestas no Três Poderes. Esse mal de estimação, no fim, continuará nos levando para o fundo do poço.