Delegada presa na Bahia suspeita de torturar suposta assaltante é exonerada

Foto: reprodução/Arquivo CORREIO.

A delegada Carla Ramos, que foi presa junto com três agentes após uma denúncia de tortura, foi exonerada do cargo de titular na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), na Baixa do Fiscal, em Salvador.

A exoneração foi assinada pelo governador Rui Costa e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), na manhã desta quinta-feira (10).

Carla Santos Ramos e os investigadores Agnaldo Ferreira de Jesus, Carlos Antônio Santos da Cruz e Iraci Santos Leal foram presos na segunda-feira (7) e soltos na manhã de terça (8), após habeas corpus.

Segundo informações da Polícia Civil, a exoneração da delegada é uma providência administrativa, por causa do inquérito contra a servidora na corregedoria da Instituição. O novo delegado titular da unidade será Glauber Ushiyama, que atuava no Grupo Especial de Repressão a Roubos em Coletivos (Gerrc).

De acordo com a polícia, os investigadores envolvidos no caso estão afastados dos serviços e proibidos de entrar em delegacias.

A denúncia de tortura e excesso policial foi feita na Corregedoria da Polícia Civil por uma mulher, funcionária de uma casa lotérica, no bairro de Dom Avelar. O estabelecimento foi furtado em R$ 22 mil, no dia 3 outubro deste ano.

A polícia informou que a funcionária fez a denúncia depois de confessar o crime. Ainda de acordo com o órgão, a mulher disse, em depoimento, furtou a quantia para pagar dívidas que tinha com traficante de drogas.

Um dos policiais suspeitos, que não quis se identificar, apesar do nome dos envolvidos já ter sido divulgado, confirmou que participou dessa investigação, junto com a delegada, mas alegou que não teve conduta excessiva com a mulher que faz as acusações.

De acordo com o advogado do Sindicato dos Policiais Civis, os outros dois investigadores suspeitos não estavam na delegacia no dia que a funcionária alega ter sido torturada por eles.

Denúncia de tortura

No boletim de ocorrência registrado pela funcionária da lotérica contra os policiais, na Corregedoria da Polícia Civil, consta que os investigadores “aplicaram na vítima chutes, socos, tapas e cacetadas na cabeça, a qual teve um dos dedos do pé quebrado pelo policial”.

O documento diz ainda que “a delegada de polícia da DRFR [Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos], Carlas Santos Ramos, mesmo observando as graves lesões no corpo da vítima, determinou que os policiais Agnaldo Ferreira de Jesus, Carlos Antônio Santos da Cruz e o outro policial não identificado a levassem de volta para a sala da tortura, a fim de que as agressões continuassem, até que a vítima confessasse a autoria delitiva”.

Conforme consta no registro, a funcionária da lotérica narrou, ainda, que os policiais foram até a casa dela, com ela na viatura – acompanhada a todo tempo de um policial –, enquanto os demais reviravam todos os cômodos da residência sem mandado judicial.

A denúncia feita na corregedoria diz também que “os policiais retornaram para a delegacia e ameaçaram levar a vítima para o CIA [Aeroporto] para matá-la e depois atear foto em seu corpo, retornando para a sala de tortura, onde os policiais disseram que iria começar tudo de novo”.

Falsa denúncia

O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc) Eustácio Lopes disse que a funcionária da lotérica prestou falsa queixa contra os policiais para desviar dele o foco da investigação contra roubo à lotérica. Segundo ele, após a DRFR dar início às investigações, os policiais constataram o envolvimento da funcionária no crime.

“Ela havia dito à polícia que um homem assaltou a lotérica. Só que o rapaz em questão apenas pagou uma conta e que foi ela que furtou R$ 22 mil para pagar traficantes de Dom Avelar, pois estava sendo ameaçada de morte”, contou Lopes.

Lopes disse que agentes começaram a intensificar a busca pela quantia em Dom Avelar, contrariando os traficantes da área. “Como já havia sido espancada pelos traficantes por causa da presença dos policiais, ela foi à Corregedoria para dizer que foi torturada a confessar o que não teria feito, na tentativa de evitar as batidas policiais no bairro”, disse o presidente do Sindpoc.

Credibilidade

O Sindicato dos Delegados da Polícia Civil do Estado da Bahia (Adpeb) repudiou as prisões dos policiais e levantou um questionamento quanto à credibilidade das investigações da PC.

“Isso não poderia ter acontecido. É inadmissível. Como pedir uma prisão somente com o depoimento de uma pessoa? Se os policiais são acusados de tais crimes, deveria haver mais aprofundamento nas investigações e não uma medida extrema como essa. Dois deles sequer trabalhavam no dia. Isso leva a sociedade a botar em questão todo o sistema de investigação da Polícia Civil. Se fazem isso com um delegado e agentes, imagina o que pode ter acontecido com cidadãos comuns?”, questionou Fábio Lordelo.

Com base na decisão da desembargadora Márcia Borges, que alegou “elementos fáticos frágeis” para a manutenção da prisão dos policiais, o CORREIO voltou a procurar a Polícia Civil e questionou o porquê de o mandando de prisão ter sido solicitado somente com base no depoimento da mulher, se não existiam outras provas que sustentariam o pedido de prisão e se o depoimento de uma pessoa é suficiente para determinar a prisão de um policial, por exemplo.

Em nota, a assessoria de comunicação da Polícia Civil se limitou a responder: “A Polícia Civil não se posicionará sobre a decisão judicial que colocou os policiais em liberdade”.