Empresa eólica em Uibaí leva invertida de dono de área de preservação

Imagem ilustrativa.

Habituada a resolver tudo na base das propostas financeiras, empresa eólica não contava com a contraproposta com foco no fortalecimento do bem natural e entra em uma verdadeira ‘sinuca de bico’. Em vez de dinheiro, o dono de uma propriedade onde a empresa precisa desmatar, exige como contrapartida, investimentos em educação ambiental e estruturas para favorecer aos ecossistemas locais

No início do mês de junho deste ano, o ativista social Edimário Machado foi procurado por um representante da empresa Statkraft Energias Renováveis, estatal norueguesa que está instalando um parque eólico no município de Uibaí, quando apresentou proposta para assinatura de um contrato que permitisse a passagem de uma rede de transmissão em um imóvel rural que ele possui na região serrana, por onde está prevista a segunda etapa do parque eólico.

O que o preposto da empresa não esperava era que o proprietário, ambientalista, iria permitir e sem pagamento em dinheiro na sua conta pessoal, como é bastante comum nas localidades em que as empresas precisam indenizar, comprar ou alugar locais a serem utilizados pelas suas instalações. De certo o representante da empresa ficou sem entender no primeiro momento, como que o ambientalista iria permitir o uso de sua propriedade, sem interesse financeiro.

Mas não demorou muito para ele entender quais eram as intenções de Edimário. “Expliquei que adquiri aquela área para preservação da Caatinga e que não gostaria de autorizar a supressão da cobertura vegetal. Sugeri que eles alterassem o trajeto da rede de transmissão”, assim ele iniciou o diálogo. “Fiquei com a impressão de que ele saiu um pouco desapontado”, pontuou.

Edimário continua a contar detalhes sobre a negociação. “Dias depois, fui novamente procurado pelo representante da eólica, tendo ele me informado que a alteração do trajeto da rede de transmissão foi analisada e que causará um grande transtorno ao parque eólico, que teria que alterar todos os ramais, redimensionar muita coisa, etc, etc, etc. Apresentei, então, quatro condicionantes para uma eventual assinatura de contrato, permitindo a passagem da rede, pela minha área de preservação”.

Foram quatro as condicionantes, todas elas de cunho ambiental.

1ª condicionante

Que a empresa realize um inventário da vegetação, identifique as espécies e quantas árvores existem na área a ser desmatada. Que construa no local um viveiro, com estrutura de água e que preparem tantas mudas quantas forem as árvores retiradas. Que após a conclusão da rede de transmissão eles plantem as mudas e façam a irrigação, acompanhamento e manutenção até que atinjam um estágio sem risco de perda;

2ª condicionante

Que sejam identificadas todas as APPs, de Laranjeiras a Traíras (comunidades de Uibaí) e façam a sinalização com placas educativas metálicas, fixadas com concreto, ao longo de todas as APPs. Que identifique os sítios arqueológicos de pinturas rupestres e façam a recuperação das pinturas vandalizadas, a limpeza das áreas, proteção com gradis, sinalização educativa e construção de um espaço interativo virtual a ser repassado para gestão da UMBU-União Municipal Beneficente de Uibaí-BA;

3ª condicionante

Que a empresa eólica patrocine uma turma da Guarda Mirim Ambiental, projeto a ser executado pela UMBU, em cada ano de construção da segunda etapa do parque eólico;

4ª condicionante

Que a empresa eólica patrocine a agenda do Ponto de Cultura de Uibaí para o ano de 2024, composta de 12 ações mensais, a saber, 10 festivais, um Fórum de Forró Raiz e a Cantoria Grito dos Boqueirões.

Foram apenas esta as condicionantes para que a empresa tivesse autorizado, o uso da área pretendida. O representante da eólica enfatizou que para eles seria mais prático pagar um valor em dinheiro para obter a permissão de uso da área.

Edimário então informou “que essa possibilidade é completamente nula. Mostrei que essas quatro condicionantes são na verdade uma excelente oportunidade para que eles usem isso no balanço sócio/ambiental da empresa. Mas o representante da eólica disse ser muito difícil a empresa aceitar essas condicionantes. Ponderei então que eles só não poderão dizer depois que estou sendo intransigente. Terão a opção de aceitar as condicionantes ou mudar o traçado da rede de transmissão”, sentenciou do dono da terra reforçando que “nessa segunda reunião fiquei com a sensação de que ele ficou surpreso. Acho que ele esperava que eu fosse exigir um valor elevado para minha conta pessoal. As condicionantes socioambientais apresentadas foram de certa forma desconcertantes. As pessoas precisam entender que dinheiro não é tudo, muito menos capaz de substituir um patrimônio ambiental tão importante como os ecossistemas.

Por enquanto a empresa não se manifestou após o segundo encontro. Vamos aguardar pra ver o que vai acontecer.

*Fonte: Cultura e Realidade.

Atualização da notícia (06/07/23)

Após a veiculação da reportagem acima, a assessoria de imprensa da empresa Statkraft Brasil entrou em contato com a redação do Pagina Revista, se manifestando sobre o conteúdo veiculado. Veja, abaixo, nota da empresa:

Resposta da Statkraft Brasil

“A Statkraft Brasil, em linha com seu alto padrão internacional de Compliance, reforça que todo o processo de negociação fundiária é feito de forma ética, transparente e cumpre rigorosamente a Legislação e Normas técnicas Brasileiras. A definição do caminho que a rede de média tensão vai passar é concebido por uma equipe multidisciplinar, sendo considerados diversos aspectos, como: técnicos construtivos, relevo, vegetação, condições ambientais, interferências fundiárias, sociais etc. O projeto dela, ao qual a reportagem cita, se encontra em fase de estudo para a licença de instalação.  

Sobre os temas mencionados, a empresa esclarece que está em total conformidade com a legislação ambiental brasileira, que prevê que sejam feitos estudos para a identificação e quantificação de espécies de árvores nas áreas atingidas, bem como o plantio compensatório e a recuperação da área, sempre que aplicável. 

Além disso, a empresa realiza um mapeamento de potencialidades e oportunidades de parceria. Um dos exemplos da atuação responsável da Statkraft é o Programa Ventos da Gente, realizado em Uibaí e Ibipeba, região do Complexo Eólico Ventos de Santa Eugênia e beneficiou mais de 1000 pessoas.  Os projetos da empresa têm contribuído significativamente para a educação pública, meio ambiente, economia e geração de emprego e renda de grupos locais.   

A Statkraft Brasil atua com responsabilidade social e respeito às pessoas e, em projetos dessa natureza, desenvolve mais de 20 programas socioambientais para atendimento ao Plano Básico Ambiental, aprovado pelo órgão ambiental competente. Em linha com os valores da empresa, a Statkraft Brasil é signatária do Movimento ODS Santa Catarina desde 2019 e do Pacto Global da ONU desde 2020.”   

Para mais informações sobre o projeto, clique aqui: Episódio Extra - Episódio Extra - Websérie Ventos da Gente - YouTube