Governos são empregados do povo... ou, pelo menos, deveriam ser

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INALDO BRITO | Temos a impressão de que ao se encerrar a monarquia em muitos países, o que a substituiu foi uma forma de governo melhor, mas basta olharmos com mais atenção para perceber que não é bem assim. Saíram os reis, entraram governos que se amparam em leis criadas por eles mesmos para justificar o espólio dos nossos bens, das nossas vidas; saiu “O estado sou eu” para dar lugar ao governo da maioria, onde nem sempre o que chega ao poder representa o que é ser um verdadeiro servidor do povo; saiu a realeza com sua pompa e opulência para dar lugar a governantes narcisistas e com complexos de rei, onde só lhes falta o cetro e a coroa para completar a caricatura soberana.

Nos noticiários vemos como esses “reizinhos” mimados, que dizem ser os nossos representantes, se banqueteiam à custa daqueles que lhes colocaram no poder. Recentemente, parlamentares aprovaram em tempo recorde um aumento para o Fundo Eleitoral de Campanha, alcançando a ordem de pouco mais de R$ 5,5 bilhões, quase o dobro do que foi gasto nas últimas eleições municipais. A maioria optou pelo Sim na aprovação: apoiadores do atual Governo, membros da Oposição e até mesmo quem está jogando dos dois lados, se uniram para sangrar os cofres públicos na frente de todos os seus eleitores. E aqui não importa se o país continua a sofrer com a pandemia, ou com pobreza e miséria, ou falta de acesso a saneamento básico. O que importa é garantir que a população continue servindo aos governantes, se não for por boa vontade, então que seja por pilhagem mesmo.

Infelizmente, a tendência é que esse ciclo de representantes egoístas e mimados continue a se repetir por um bom tempo, talvez nunca se acabe, ainda mais quando se aprova um financiamento de campanha bilionário como esse.

Nosso papel como fiscalizadores de governos não é feito de forma eficaz (isso quando é feito). Governantes não procuram adquirir respeito perante a sociedade e seus eleitores com base em honestidade e dignidade. Antes, preferem agir causando-lhes medo ou bajulação. E é assim que eles seguem sendo eleitos, reeleitos ou quem sabe se mantendo sempre próximos a quem tem o poder da caneta. Engana-se quem pensa que o reinado entre famílias se extinguiu quando a monarquia perdeu lugar para República. Hoje, ainda assim continuamos a ver oligarquias familiares se perpetuando nos governos, tanto municipais como estaduais, mandando e legislando como bem lhes aprouver.

As relações de poder estão comprometidas a tal ponto que não basta mais o sujeito ter uma ideia estúpida para arrecadar mais dinheiro da população; ele se junta a juristas, magistrados ou até mesmo ministros para conseguir uma brecha jurídica, um malabarismo interpretativo da lei ou, caso não tenha êxito tão fácil, pode até utilizá-los como consultores para redigir um novo dispositivo regulamentar de forma que tudo fique bem amarrado e lhe garanta o sucesso daquela ideia estúpida.

Nossos representantes chegam e se mantém no poder crendo piamente que somos nós quem trabalhamos para eles e, por isso, deitam e rolam como bem entendem no desempenho público de suas funções. Mesmo com toda a gama de benefícios e penduricalhos que seus cargos lhes fornecem, ainda assim não é suficiente para a ambição egoísta que lhes corrói a alma. Buscam, então, um ganho anexo, principalmente se for por meios ilícitos (“caixa dois”, “rachadinha”, superfaturamento de licitação, mensalão, dinheiro em malas ou dinheiro na cueca mesmo).

Não é o ser humano quem foi criado para servir aos governos, e sim os governos é que foram estabelecidos para servir às pessoas. É por não obedecer a esse postulado que tantas barbáries aconteceram ao longo dos séculos, e hoje ainda vemos tantos sujeitos que ascendem ao poder com complexo de deuses, utilizando-se de cargos públicos para oprimir povos, aumentar impostos sobre contribuintes e beneficiar parentes, familiares e agregados à custa do suor e calos dos seus governados.

Foi-se o tempo que, como dizia Maquiavel, “a política tem duas caras: a que se expõe ao público e a que transita nos bastidores do poder.” No Brasil, especificamente, nossos representantes se sentem muito bem em possuir apenas uma, e ela tem se mostrado bem desavergonhada e infame, ainda mais quando ela se pauta por populismo e demagogia.