Lei Aldir Blanc e a cultura em Xique-Xique

Ilustração/Layno Sampaio Pedra.

Sancionada em junho de 2020, a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc foi uma grande conquista dos trabalhadores da cultura. A lei autoriza o repasse de R$ 3 bilhões aos estados, distrito federal e municípios para ações emergenciais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública provocada pelo coronavírus. A lei representa um importante respiro do setor cultural diante do desmonte das políticas públicas e da ineficiência do governo federal para o setor.

Metade do valor será repassado aos municípios utilizando como critérios a quantidade de habitantes e o percentual do Fundo de Participação dos Municípios. A estimativa da Confederação Nacional de Municípios é que Xique-Xique receba R$ 355.168,07. O valor deverá ser utilizado para auxiliar trabalhadores(as) da cultura, espaços, instituições e organizações culturais que tiveram suas atividades interrompidas e para a realização de editais, chamadas públicas, prêmios e aquisição de bens e serviços.

A Lei ainda necessita ser regulamentada para que alguns pontos sejam esclarecidos e finalmente possa ser colocada em prática. No entanto, alguns municípios e territórios já estão realizando debates públicos para planejar a utilização desse recurso. Afinal, as prefeituras terão apenas 60 dias, a partir da descentralização da verba, para publicar a sua programação de uso.

É muito importante que toda a comunidade cultural (grupos de teatro, dança e música, associações culturais, artesãos, coletivos de artistas, grupos de cultura popular, gestores de espaços culturais etc.) e toda a sociedade civil da sede e das comunidades rurais acompanhem e participem do planejamento de utilização dos recursos.

A existência de um sistema municipal de cultura estruturado e participativo certamente tornaria esse processo de planejamento mais organizado e confiável. No entanto, Xique-Xique atualmente não possui Fundo nem Plano Municipal de Cultura, não realiza Conferências regulares, o Conselho Municipal está praticamente inativo e, embora o órgão gestor seja a Secretaria de Educação e Cultura, a cultura tem apenas uma coordenação dentro de toda a estrutura. A inexistência e/ou não funcionamento desses componentes demonstram grande descuido da gestão pública municipal. 

Apesar disso, os recursos provenientes da Lei poderão ser um importante estímulo para que a cidade finalmente pense numa política pública para o setor e na institucionalização da cultura no município. Para entender melhor como a prefeitura tem utilizado os recursos da cultura fizemos uma pesquisa sobre os gastos realizados em 2019 e chegamos aos seguintes dados:

Do total de pagamentos realizados, quase a totalidade dos recursos (96%) foram para a realização de festas diversas. Apenas a Festa da Cidade ficou com 75% de todo o recurso da cultura. A soma dos valores utilizados para contratação de bandas de música, durante todo o ano, alcançou 70%. A Filarmônica ficou com apenas 3%, as atividades de dança com menos de 1% e o investimento em teatro foi insignificante. Apenas 6% dos recursos foram utilizados em ações nas comunidades rurais. Vale destacar também que parte dos recursos foram utilizados na contratação de bandas para festas de formatura e inaugurações de ruas e quadras poliesportivas, eventos de pouca ou nenhuma proximidade com o campo da cultura. Não houve investimentos em patrimônio cultural, literatura, artes visuais, audiovisual, artesanato, acervo, capoeira, fotografia, culturas identitárias, espaços culturais, biblioteca etc. E, embora a área da música tenha sido a principal beneficiada, a diversidade de estilos musicais foi bastante restrita.

A partir da análise dos dados é inevitável reconhecer que os investimentos em cultura em Xique-Xique precisam ser mais equilibrados e contemplar uma maior diversidade. Isso deve ser observado tanto no planejamento dos recursos da prefeitura quanto daqueles provenientes da Lei de Emergência Cultural. A cidade tem agora uma grande oportunidade de repensar a sua forma de investir em cultura.

Layno Sampaio Pedra