Não vale a pena ver de novo

Imagem ilustrativa.

GUILHERME LAPA | Eu só assisto a Globo. Os melhores jornalistas, documentários, coberturas, programas e novelas, da qual se tornou referência em todo mundo, somente a Globo é capaz de fazer. Tanto é verdade que ocupa atualmente o segundo lugar do ranking das maiores emissoras do mundo, perdendo apenas para a ABC, com sede nos Estados Unidos.

Mas nem tudo é perfeição na Globo. Exemplo disso é o programa “Encontro com Patrícia Poeta”, veiculado diariamente nas manhãs da emissora, que protagonizou mais uma cena vexatória da segregação promovida contra o apresentador Manoel Soares, quando foi maleducadamente interrompido em sua fala, e teve sua imagem cortada por uma passagem em frente à câmera que o enquadrava, pela apresentadora Patrícia Poeta.

Esse não foi o único caso. No ano passado, no programa “É de Casa”, uma outra apresentadora, Talitha Morete, pegou uma bandeja, atravessou o cenário e levou até a única convidada negra, que estava sentada, e mandou que se levantasse para servir a todos que estavam no estúdio. Constrangido, Manoel Soares, que também apresentava o programa àquela época, tomou a frente da convidada e se ofereceu para servir, dizendo que ali ela não serviria a ninguém. Sem querer, Manoel errou. Também não deveria ter servido a ninguém.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Na verdade, em ambas as situações, as apresentadoras praticaram racismo, cometeram um crime, mesmo que sorrateiramente, quase que despercebidamente, como acontece na grande maioria dos casos, que de tão comuns, já não são percebidos no momento que acontecem, sendo que muitas vezes sequer são enquadrados como deveriam ser.

Nesses dois casos Manoel Soares foi vítima de racismo. Curioso é notar que foi cometido contra a pessoa escalada para um programa que pretendia proporcionar a ele a discussão sobre temas importantes do cotidiano, como o racismo e a desigualdade racial, a partir de sua própria vivência de pessoa negra, morador de rua durante alguns anos em Porto Alegre, quando sua mãe resolveu fugir de Salvador juntamente com seus irmãos para escapar da morte, devido ao envolvimento do seu pai com o tráfico de drogas.

Certamente, a sua experiência de vida e sua transformação de sem-teto para artista global o credencia a discutir esses assuntos, mas isso não acontece. A direção do programa parecer ter colocado Manoel Soares pra exercer posição de mero coadjuvante de Patrícia Poeta, como se ali estivesse apenas para compor um cenário politicamente correto, visivelmente criado para incutir no público uma representatividade racial, que, sabemos, é inexistente.

E não quero acreditar que uma emissora da qualidade e do profissionalismo da Globo esteja normalizando esse tipo de conduta, pois isso seria o mesmo que apoiar uma prática criminosa, o crime de racismo. Certamente por isso é que as redes sociais, imprensa e até colegas de profissão, vem pressionando pela saída de Patrícia Poeta, e ao mesmo tempo reivindicando a elevação de Manoel Soares, para que se transforme de fato numa voz altiva dentro do programa, com propriedade para abordar a questão racial, da qual ele mesmo tem sido vítima, ao vivo, sem cortes e sem retoques.