No Brasil, doenças e maus políticos não vêm e vão, e sim empacam e se perpetuam

Imagem meramente ilustrativa.

INALDO BRITO | Os casos de coronavírus têm aumentado a cada dia. Medidas extremas são tomadas em um país ou outro a fim de evitar a contaminação em massa - alguns usam a força e a ameaça, outros a "conscientização". Surtos epidêmicos são um dos fatores que conseguem desestabilizar qualquer economia, além de trazer caos em outros setores da sociedade, tendo a saúde como a sua principal incidência. Apesar de haver sofrimento e histeria em todo lugar atingido por tal vírus, quase sempre países emergentes sofrem mais do que os desenvolvidos, seja por conta do atraso de seus governos na implementação de medidas necessárias para conter o avanço, seja pela própria precariedade dos locais de atendimento oferecidos por cada estado.

Mas não é sobre coronavírus que pretendo discorrer nesse texto. Tendo em vista que já há muita informação (e desinformação) nos jornais e em outros meios de comunicação, o objetivo do texto é contrastar mais uma vez como os interesses da elite política brasileira diferem (e muito) dos interesses dos "súditos" pagadores de impostos. E isso também pôde ser comprovado na atual situação de pandemia.

Antes da confirmação de pandemia, dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o tema era tratado simplesmente como bobagem ou mera especulação. Tanto que, enquanto a China estava construindo hospitais para atender os infectados e países europeus já começavam a restringir viagens para o epicentro do surgimento do vírus, o nosso país tupiniquim estava com os olhos voltados estritamente para o Carnaval (até mesmo a programação dos canais de TV e telejornais focavam na "festa de rua mais famosa do mundo"). Como o adágio popular é que "o ano só começa depois do Carnaval", nossa elite política, com o atesto da própria mídia mainstream, preferiu dar a devida atenção ao problema só depois da Quarta-Feira de Cinzas.

Depois que o surto oficialmente se tornou uma pandemia, e os primeiros casos foram confirmados no "país tropical", parlamentares ainda assim preferiam aprovar leis para afagar seu próprio gado eleitoral e satisfazer seu próprio narcisismo político. Foi desse jeito, por exemplo, que deputados aprovaram a derrubada do veto presidencial para ampliação do valor de benefício do INSS (o BPC - Benefício de Prestação Continuada), onerando ainda mais os cofres públicos. Tudo feito na surdina e às escondidas da população que se preocupava apenas com a pandemia. Tais deputados não se preocupam com os efeitos dessa atitude no longo prazo. O que lhes interessa unicamente é garantir a continuação de um curral eleitoral para as próximas eleições.

Um caso curioso, vindo também dos nobres deputados, é que foi aprovado em caráter de urgência o repasse de 57 milhões de reais a um hospital de referência na capital gaúcha, a fim de desenvolver ações para enfrentar o coronavírus. O governo federal ainda estuda repassar quantias semelhantes aos demais governos estaduais para ajudar no combate ao patógeno. Mais uma prova de que quando deputados querem, eles sabem trabalhar com rapidez e agilidade para uma demanda útil. Quem dera se essas decisões fossem repetidas quando o assunto é acesso a saneamento básico, e que, por sinal, enviam para os hospitais todos os anos milhares de pessoas - só o SUS, em 2018, teve um gasto de 100 milhões de reais com internações decorrentes de doenças causadas pela falta de saneamento básico.

O que dá a entender é que os interesses da população só são levados em conta quando coincidem com os da própria elite política. Em torno de 40% dos brasileiros não possuem saneamento básico adequado em suas residências e bairros. Podemos afirmar categoricamente que, desses 40%, dificilmente um deles seja um representante do povo no Congresso ou até mesmo um parente de segundo grau desses aspones. Por isso, não é de surpreender quando partidos e políticos preferem deixar a situação do jeito que está em vez de entregar tal serviço à iniciativa privada que, por sinal, teria todo o intere$$e em solucionar uma demanda social e de saúde pública que, quando não mata, incapacita muitos.

Essa queda de braço entre elite política e os interesses dos cidadãos é uma das coisas que mais possibilitam o atraso no atendimento das demandas da população. Muitas vezes objetiva-se deixar a situação como está a fim de se prolongar a corrupção e os desvios de recursos públicos praticados nos meandros das negociações políticas. Falando sobre corrupção em seu livro Economia Básica, Thomas Sowell diz o seguinte:

(...)a capacidade dos burocratas de causar atraso muitas vezes significa uma oportunidade para eles cobrarem propinas para acelerar trâmites, as quais acrescentam algo mais aos custos elevados de fazer negócios. Isso, por sua vez, leva a preços mais altos para os consumidores, e correspondentemente menor padrão de vida para o país como um todo.

Em suma, quanto mais espaço na vida social das pessoas (tornando-as cada vez mais dependentes) a elite política ganha, menos acesso à qualidade de vida a população terá. A corrupção é só a consequência do próprio atraso socioeconômico em que a elite política coloca a população. Dificilmente os nobres parlamentares acham estranho o fato de os interesses do cidadão pagador de impostos acabarem sendo relegados para a lata de lixo das promessas políticas.

Um adendo ao texto é necessário. Como eu disse no início do mesmo, países emergentes (pobres) acabam sofrendo com surtos e doenças mais do que os países desenvolvidos. No que diz respeito a doenças, os países ricos conseguem se destacar, em relação aos pobres, no enfrentamento dessas mazelas porque compreendem a responsabilidade que possuem no cuidado, com respeito à saúde, de sua própria população. Como os autores Acemoglu e Robinson dizem em seu livro Por que as nações fracassam:

(...)A doença é, em grande parte, uma consequência da pobreza e da incapacidade ou má vontade dos governos de adotar as medidas de saúde pública necessárias à sua erradicação.

Pegando o gancho dos autores acima, no Brasil o que sobra de má vontade por parte de nossos representantes na aprovação de medidas realmente efetivas na erradicação de doenças do século passado e combate eficaz a epidemias e surtos semelhantes, falta-lhes responsabilidade na promulgação de leis que desperdiçam ainda mais o dinheiro público em projetos faraônicos superfaturados. O desinteresse da elite política acerca do que é importante na vida social precária e necessitada dos pagadores de impostos é semelhante às histórias da mitologia grega em que os deuses do Olimpo só desciam à cidade dos homens quando era para lhes barganhar, abusar e/ou espoliar. Quem dera os governantes gravassem o provérbio bíblico em suas mentes: "O governante sem discernimento aumenta as opressões, mas os que odeiam o ganho desonesto prolongarão o seu governo." (Pv 28.16). Mas, confesso que é difícil exigir isso de quem acorda todos os dias pensando no que fazer para dificultar, atrapalhar e atrasar a vida daqueles que o colocaram no poder.