No maior espetáculo circense do Brasil, nós somos os palhaços

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INALDO BRITO | Ano que vem teremos novamente o maior espetáculo circense do Brasil: eleições. A cada dois anos esse evento se repete e ficamos inundados por uma mistura de decepção e risada cômica devido ao que vemos e ouvimos na tela da TV, nos panfletos e nos cavaletes. Engana-se quem pensa que a escalada aos cargos políticos começa apenas no ano eleitoral. Pelo contrário, ela começa assim que as eleições correntes terminam. Tanto os vencedores como os perdedores já iniciam sua preparação para a próxima disputa a partir do momento em que os resultados são divulgados.

Com a pandemia da Covid-19, esse cenário se intensifica, uma vez que o foco de campanha se torna comum para todos, sejam eles de direita ou esquerda, sejam candidatos a reeleição ou novos postulantes. Os termos que mais ouviremos nos horários eleitorais e nos debates da próxima eleição terão a ver com “vírus”, “Covid” e “vacina”. Cada um utilizá-los-á ao seu bel-prazer, seja para se colocar como defensor e herói do povo, seja para acusar desafetos e opositores de negacionistas ou negligentes. Em suma, a maioria, senão todos, utilizarão a pandemia como plataforma de campanha.

Por mais que isso já seja esperado, ainda assim continua a ser motivo de ojeriza, pois revela um artifício que tem se tornado padrão na política brasileira, que é: primeiro, transformar mazelas e misérias em assuntos para políticas públicas (sem de fato resolvê-las), e, segundo, torná-las objetos de campanha para promoção política. O vírus, por exemplo, será usado tanto para se demonizar o caos da saúde pública sob a responsabilidade de gestores públicos municipais, estaduais e federais como para se mostrar vaidosamente os casos de “sucesso” no que diz respeito às medidas de lockdown e isolamento social rígido. Em ambos os casos, o intuito é se promover ao eleitor como uma esperança, repetindo assim a mesma velha história do messianismo político.

Sem dúvida, no Brasil, os que mais se deram bem por conta da pandemia foi a classe política, representada principalmente pelos caciques políticos e os que sabem como usufruir para si mesmos os jogos políticos e de poder. Em quase dois anos de assolamento da crise pandêmica no país, os chefões da política rasteira conseguiram desviar a atenção de reformas necessárias para uma suposta preocupação com medidas de contenção ao vírus em benefício da população. Os mais ingênuos podem ficar felizes a princípio, mas basta uma radiografia histórica no currículo político desses representantes para ver que suas atitudes pautam-se mais pela “cleptocracia” do que democracia.

Mesmo no cargo máximo do país, nosso representante presidencial se comporta também como um eterno candidato, ainda estagnado nas eleições de 2018 que o elegeram, mas com o foco míope na próxima disputa. O problema é que velhas raposas estão ressurgindo para confrontá-lo, conquanto esse ressurgimento deva-se a uma manobra jurídica de membros da nossa Corte suprema que, por sinal, são blindados de qualquer possível investigação de corrupção ou parcialidade em julgamentos. Em todas as esferas, o que vemos é a utilização da pandemia como subterfúgio para todos os tipos de arbitrariedades, insanidades, interesses pessoais, autopromoção e, principalmente, continuidade em cargos de poder.

Como de costume, os vícios, devaneios e egoísmo dos nossos representantes também são vistos na ágora dos reles mortais, conforme pode ser constatado quando certas classes de trabalhadores exigem para seu próprio grupo prioridade na vacinação. Aqui em Recife, por exemplo, é possível ver outdoor colocado por sindicato de bancários exigindo que o grupo seja vacinado prioritariamente, e utilizando como justificativa argumentos pueris e estapafúrdios, como o fato, por exemplo, de terem contato direto com pessoas de variados lugares (como se o motorista rodoviário ou de aplicativo, o entregador, o caixa do supermercado, o frentista, entre outros, também não tivessem). A crítica aqui não é que os bancários não devam ser vacinados o mais rápido possível, mas sim utilizar desculpas esfarrapadas para justificar a prioridade do seu próprio grupo, como se eles fossem mais iguais do que outras pessoas ou tivessem mais direitos do que o resto dos trabalhadores.

Pelo andar da carruagem, as candidaturas e os resultados das eleições do ano que vem continuarão a ser o reflexo dos eleitores. E o agravante dessa vez se dará por conta da pandemia que enfrentamos, tendo como pilares secundários a vacinação e as medidas restritivas. Nossa classe política nos vende o ópio de que todos possuímos direitos iguais, mas na realidade o que vivenciamos é o inverso desse mote. Se tivéssemos direitos iguais, também deveríamos ter deveres iguais. E absortos nesses deveres, estariam a preocupação com a forma como somos responsáveis pelo bem público, incluindo as verbas públicas que nossos gestores recebem e os locais públicos que visitamos ou usufruímos, além da forma como tratamos o nosso próximo, podendo discordar de suas ideias ou estilos de vida, mas sem denegri-lo. A maioria daqueles que se lançarão candidatos nas eleições do ano que vem serão os perpetuadores de um velho ideal político: quanto mais ruim estiver a situação (econômica, sanitária e financeira) do país, mais a população estará desesperada por alguém que lhes prometa o impossível, seja utilizando novas palavras ou antigas, contanto que no coração desesperado possa surgir uma nova esperança que irá bater a carteira dela, quebrar as suas pernas, lhe dar uma muleta e depois exigir que ela o agradeça e, se possível, o venere como salvador da pátria, mito ou qualquer outra porcaria de nome afim que o identifique como um semideus. No maior espetáculo circense do Brasil, as cortinas podem até ser abaixadas, mas jamais a lona é desarmada!