O cristianismo no panteão das ideologias políticas

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INALDO BRITO | A opinião comum entre muitas pessoas é que política e religião não se discutem, achando que com isso evitam-se discussões acaloradas ou polêmicas. Entretanto, agir assim é aumentar a possibilidade de ser enganado por farsantes e falsos profetas. Outra atitude também tomada por muitos é atrelar suas crenças e credos religiosos à ideologia política que seguem ou ao espectro político em que se posicionam. Agir assim também é não saber discernir os assuntos em seus variados contextos. Tomando como base o fato de a sociedade ocidental ter sido influenciada em grande medida pela religião judaico-cristã, faz bem refletir sobre o que acontece.

Um exemplo bem comum dessa confusão político-religiosa é o que tentam fazer com o cristianismo, sendo utilizado por ambos os espectros políticos, Direita e Esquerda, como razão das suas defesas ideológicas. Com isso, comunistas e socialistas tentam chamar a atenção para o fato de Jesus Cristo ter defendido nos evangelhos algum tipo de expropriação de riquezas, ou ódio pelo acúmulo de capital, enquanto que metacapitalistas procuram passagens bíblicas forçando interpretações quanto ao fato de ser permitido buscar uma vida cujo único sentido dá-se apenas por acumular mais e mais dinheiro.

O fato é que Direita e Esquerda erram por cometer um princípio básico de hermenêutica, que é: não se deve utilizar ideias normativas atuais (dos tempos modernos) para se interpretar os tempos antigos - cada época se interpreta baseando-se nos registros e na historicidade daquele momento. É mais ou menos assim: se hoje conhecemos inúmeras doenças psíquicas e mentais, com todo o avanço da medicina, torna-se um equívoco querer analisar, por exemplo, o sofrimento de Cristo com base no que se tem conhecimento hoje dessas doenças e distúrbios, transformando (ou descartando) assim o espectro teológico e messiânico em uma simples questão de termos psiquiátricos.

O mesmo acontece quando se procura justificar o comunismo, por exemplo, dando ênfase na questão da redistribuição de riqueza e justiça social pelo fato de que na Bíblia diz-se que os cristãos entregavam seus bens uns aos outros, e nada pertencia exclusivamente a alguém, tudo era repartido e pertencia a todos igualitariamente. O problema em se forçar passagens como essa, presente no livro bíblico de Atos 2.44,45, é que comete-se o erro básico de não se interpretar o contexto em sua inteireza. Pior que isso, é não levar em consideração o fato de que a passagem mostra que os cristãos que faziam isso, o faziam de modo voluntário e com disposição, algo bastante ausente nos regimes e na ideologia comunista, onde o foco se dá na coerção e na força.

Com o movimento feminista acontece algo semelhante, onde as militantes acabam tachando o livro religioso como misógino, preconceituoso e todos os termos pejorativos possíveis que terminam em - fóbico. É fato que os tempos antigos poderiam não ser dos melhores para as pessoas que lá viviam, com especial destaque para viúvas, idosos, crianças e mulheres. Mas algo que tais militantes não se dão ao trabalho de fazer é analisar a história de forma honesta. O próprio registro da Bíblia mostra que havia uma enorme preocupação com relação às mulheres, principalmente em como deveriam ser tratadas. Passagens que denotam o fato de a mulher se tornar líder política, como aconteceu com Débora, no livro de Juízes, ou o fato de muitas mulheres terem os direitos de fala e de herança garantidos na lei já demonstra que a mulher naqueles tempos bíblicos era muito melhor tratada do que no Oriente Próximo, onde o islamismo, por exemplo, a relega do convívio social com outras pessoas, e mina qualquer direito civil que possa ter.

Utilizar passagens bíblicas de forma forçosa a fim de que elas sejam o atestado para a ideologia que se defende ou simpatiza é um dos fatores que culmina no estabelecimento de regimes totalitários, e, por conta disso, acaba chancelando a manutenção desses poderes corrompidos, que de essencialmente cristão não possuem nada. 

Apesar de a Bíblia dizer que "bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor..." (conforme o Salmo 33.12), isso não é parâmetro para se querer estabelecer algum tipo de religião do Estado ou forçar as pessoas a cultuarem o mesmo objeto de adoração que o mandatário no governo cultua. Apesar de o cristianismo ser uma religião exclusivista, com a noção de salvação estabelecida unicamente na figura de Jesus Cristo, ele (o cristianismo), ainda assim, não procura usar da força e coerção para impedir a liberdade de culto e de crença das pessoas que não são cristãs. Pelo contrário, o cristianismo sempre foi tachado como a religião do amor a Deus e ao próximo. E é por meio do amor, e não da espada, que as pessoas acabam "aderindo" à religião cristã. 

Fazer o bem para as pessoas não deveria se restringir ao fato de pertencer ou não a uma determinada religião que prega isso, mas sim de saber que fazer o bem deveria ser um caráter natural de qualquer pessoa. Quando políticos e partidos tentam utilizar o cristianismo para promover suas ideologias, eles só mostram a quem servem de verdade, e se não é ao cristianismo, tampouco é ao Deus que os cristãos propagam. David Koyzis, em seu livro Visões e Ilusões Políticas, informa que toda ideologia pode se transformar em um tipo de idolatria, o que acaba se configurando em aspectos religiosos. Ou seja, o partido político para muitos adeptos, conquanto não se identifiquem como religiosos, acaba sendo uma religião, ainda mais se a ideologia defendida pelo partido possui um livro de cabeceira, um totem político (geralmente o que os membros chamam de "salvador da pátria"), um local de reunião, um símbolo, e uma forma de "evangelização" ou cooptação para o partido que fazem parte.

O cristianismo não rejeita nenhuma pessoa. Todos que querem conhecer suas doutrinas e credos sempre serão bem recebidos em qualquer reunião de estudo da Bíblia. Entretanto, quando a ida a um culto ou uma missa se dá apenas na época de eleição, seja por querer angariar votos, seja por querer passar a imagem de pessoa religiosa, isso tem caráter puramente demagógico. E se tem algo que o livro dos cristãos denuncia, e o Deus dos cristãos não tolera, é a adulação e bajulação com fins interesseiros.

A questão última não é se Jesus Cristo estaria do lado da Direita ou da Esquerda hoje, mas, sim, se a Esquerda, a Direita ou o Centro estariam do lado de Cristo. Até porque na própria Bíblia, em que tais espectros políticos procuram textos para embasar os seus dogmas e ideologias, também está escrito, saído dos lábios do próprio Jesus: "Quem não é comigo, é contra mim. E quem comigo não ajunta, espalha." (Mateus 12.30).