O emburrecimento social oriundo de monopólios da “verdade”

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | despeito do que pensam aqueles que creem que suas áreas de estudo possuem o monopólio da verdade, uma análise mais de perto dessa pretensão parece sugerir justamente o contrário, ou seja, que tal arrogância intelectual acaba desembocando em pressuposições falaciosas fatais e, consequentemente, no desenvolvimento de falsas afirmações, bem como na propagação delas por parte dos seus defensores. Até que tais erros sejam expostos e corrigidos, o estrago no pensamento da sociedade já está feito. Um exemplo pode clarear o que quero dizer.

Pensemos no que boa parte da mídia mainstream nos noticia acerca da retomada da economia após a crise pandêmica do Covid-19. O discurso obtido de “especialistas” da área é, em sua grande maioria, voltado a uma intervenção maior do Estado na economia, até mesmo em escala global. Aquilo que se propaga é tomado como o “consenso” profissional de que o mercado deve ser guiado por normas estatais de recuperação econômica, em que pese o fato de o desenvolvimento do setor privado no Brasil não ser como se espera justamente por conta das já presentes normas burocráticas do Estado, seja por meio de leis absurdas que impedem relações de trabalho mais dinâmicas, seja por meio das reservas de mercado e do protecionismo que impedem a concorrência desejada.

Não se leva em consideração que as boas regras do mercado se adaptam sozinhas, à medida que o Estado não interfere nelas. Após a crise econômica de 1929, o governo americano chegou à conclusão de que o mercado por conta própria não era tão eficiente assim, e que o Estado poderia intervir quando achasse conveniente, a fim de se evitar crises futuras semelhantes. Eis que o ente público passou a ter um outro poder: agora, seria um ente “sensitivo”, pronto a expandir seus tentáculos ao menor sinal de desequilíbrio financeiro.

O que era para ser uma exceção tornou-se regra, e, com a ajuda de políticos de mentalidade social-democrata ou socialista, a caixa de ferramentas com selo “Leviatã” foi utilizada na maioria dos cenários em que uma crise econômica se prenunciava. O New Deal foi desenvolvido a fim de ajudar na recuperação econômica americana, no entanto, como os contrários a tal plano já anunciavam, não aconteceu o que se esperava, que era o ressurgimento do país e o levantamento da economia. O tiro saiu pela culatra, mas ainda assim poucos são aqueles que reconhecem que isso se deveu mais à ingerência e intervenção estatal do que às leis do mercado.

O preço a se pagar por não se respeitar às leis de ciclos econômicos, com suas flutuações e transições, acaba sendo mais alto do que às consequências imediatas advindas daqueles ciclos, ou seja, desemprego e inflação em graus elevados após a intervenção de governos, acarretando a queda no crescimento econômico. Se o adágio diz que “um pouco de fermento a mais leveda toda a massa”, dá-se o mesmo com a interferência do Estado no mercado.

Mas o que isso tem a ver com o que é falado nos noticiários? Bem, segundo os “especialistas” trazidos para opinarem, a recuperação econômica pós-pandemia só será eficaz, de fato, se o Estado for ainda mais atuante na economia, seja postulando leis mais protecionistas, imprimindo-se dinheiro (sem se preocupar com inflação) ou resguardando a empregados o cumprimento de contratos trabalhistas, o que acaba sendo um contrassenso, já que boa parte das empresas levarão um bom tempo para retomar a produtividade como era antes da crise pandêmica. Para os “especialistas”, o Estado possui mais propriedade do que o próprio empregador em saber como estará o mercado, e nada mais justo do que os burocratas conduzirem a recuperação econômica, conquanto não entendam o básico de como funcionam as leis econômicas.

Este é o discurso da mídia mainstream para os milhares de comerciantes, empresários, trabalhadores informais, autônomos etc. que, conquanto boa parte deles não saibam o que diz a teoria econômica acerca de crises e ciclos econômicos, conseguem colocar em prática o conhecimento econômico da vivência que possuem no mercado, muitas vezes adaptando-se e reinventando-se em suas ocupações, o que, por incrível que pareça, é o que acontece com quem compreende as regras de comércio.

O exemplo dado trata sobre economia, mas essa pretensa abordagem monopolizadora da verdade se estende às mais diversas áreas: ciência, política, educação etc. Em todas elas veremos tratamento semelhante dado pela mídia mainstream e seus “especialistas” em como monopolizar a interpretação dos fatos, dados e informações e utilizá-los ao bel-prazer do que conjecturam para a sociedade. É possível descobrir que estamos diante de um monopólio da verdade quando o tema tratado é paulatinamente replicado nos mais diversos meios de comunicação, conquanto os “especialistas” falem a mesma coisa como se fossem papagaios-de-pirata, enquanto teorias paralelas são tachadas como loucura, alienação ou mero ceticismo.

Claro, temos que ter o discernimento para compreender o que é um fato inovador, que tem coesão com o que se deduz das observações estudadas, e o que é apenas pura invencionice. A teoria da Terra plana não subsiste diante dos fatos das descobertas espaciais e da física moderna. Por outro lado, admitir que o aquecimento global é falacioso, com base nos estudos da própria oscilação climática através dos séculos, é algo que pode ser levado em consideração. Infelizmente, boa parte das discussões morrem por se crer piamente que qualquer paralelo aos pretensos monopólios da verdade sejam apenas embustes.

Ludwig von Mises dizia que “ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão”. Infelizmente, temos visto, e podemos constatar, que as ideias, e principalmente aquelas inovadoras ou alternativas (que conseguem explicar melhor e com mais embasamento determinados assuntos do que as vigentes e pré-estabelecidas) não são desejadas por nossos “especialistas” do monopólio da verdade, sendo até mesmo desencorajadas.

 A mídia mainstream – assim como vários círculos acadêmicos nas universidades –, que deveria ser justamente aquele ente que dá o benefício da dúvida para o que é proposto, acaba agindo mais como ratificadora desses monopólios da verdade do que agente imparcial da informação. O viés da notícia é aclamado como mais importante do que a própria notícia. E, assim, perde-se completamente o interesse em se trazer os fatos na sua íntegra, mesmo possuindo seus próprios questionamentos, antes a preocupação gira apenas em manter o telespectador sem nenhuma dúvida a respeito da informação noticiada. Tornamo-nos meros ouvintes sem nenhuma opção de recusar o que nos é fornecido. A “verdade” nua e crua vem sem nem precisarmos desembalá-la ou descascá-la; a mídia mainstream e seus “especialistas” do monopólio da verdade já fazem isso por nós.