O poder que crises têm em tornar o poder do governo ilimitado

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Em qualquer momento de calamidade pública que envolva guerras, epidemias ou catástrofes ambientais, certas medidas mais pungentes são tomadas a fim de se garantir o restabelecimento da ordem e do atingimento das prioridades mais urgentes. Governos sábios procurarão fazer isso sem ferir direitos básicos dos cidadãos, principalmente o direito de propriedade do indivíduo. Entretanto, governos autoritários se aproveitarão de tais momentos de tragédia e comoção para invadirem ainda mais as vidas dos cidadãos, e procurarão a todo custo transformar o que é temporário (e que já é ruim por si mesmo) em permanente.

O direito de ir e vir é preceito constitucional, porém em pandemias esse direito pode ser suspenso a fim de garantir que a transmissão não se alastre. Ambientes públicos são isolados, comércios são fechados e toda uma rede de interações sociais e comerciais são interrompidas quando surtos como o atual Covid-19 surgem. Tais atitudes são positivas se feitas cedo, sem alarde e paulatinamente; do contrário, o que pode causar é histeria, desinformação e arbitrariedade por parte dos agentes detentores da força policial.

Durante o último mês muitos governos estaduais saíram na frente do governo federal no que diz respeito a conscientizarem-se da gravidade do surto e agirem rápido na prevenção/contenção para não disseminá-lo – o que só demonstra mais uma vez que a descentralização da Federação é algo factível de se ter, mas que sempre esbarra na falta de vontade dos próprios políticos parasitas que amam as verbas da União repassadas aos seus estados. No entanto, sair na frente não é sinônimo de começar certo ou de se manter correto na empreitada.

Muitos atos arbitrários foram (e ainda são) tomados por governos estaduais no que diz respeito a garantir a ordem pública e a manutenção no fornecimento de itens básicos para proteger a saúde do cidadão. O primeiro é justamente o isolamento (lockdown) obrigatório, em que as pessoas foram “convidadas” a ficar em casa a fim de evitar a contaminação por frequentarem espaços públicos ou conviverem com seus colegas e amigos. Antes de mais nada, o lockdown é uma medida realmente necessária em tempos de pandemia, no entanto, a crítica a ser feita é acerca da forma em que dirigentes estaduais implementaram tal medida.

É importante salientar que todo indivíduo é responsável por si mesmo, conquanto as políticas assistencialistas e o tratamento como vítima dado pelo Estado ao cidadão digam o contrário. Vídeos que vieram à tona nos últimos dias mostravam agentes de polícia truculentos agredindo cidadãos que não respeitaram o “convite” para ficar em casa, preferindo darem uma caminhada na praia (deserta), no parque (deserto) ou nas ruas de sua própria vizinhança (também deserta).

O fato inusitado nessas ações arbitrárias é que os agentes da força enquanto tentavam dissuadir as pessoas a retornarem para suas casas ou, se saíssem às ruas, que pelo menos usassem máscaras, esses mesmos agentes nem estavam utilizando máscaras ou luvas e tampouco respeitavam as orientações de se posicionarem a pelo menos dois metros de distância dos infratores. Só mais um dos muitos casos no Brasil em que o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” reverbera no funcionalismo estatal.

E falando sobre máscaras, ela também foi tema, junto com álcool e itens afins, da coerção de agentes do governo a empresas que simplesmente estavam obedecendo uma lei econômica que é maior do que qualquer lei política: a da oferta e demanda. Tal como aconteceu em anos anteriores com a greve dos caminhoneiros que afetou o abastecimento de vários itens, dentre eles, gás de cozinha, combustível e alimentos – o que acarretou o aumento no preço desses itens, já que a própria população ficou histérica e preocupada em ficar sem o item –, semelhantemente se deu no atual momento.

À medida que notícias indicavam a chegada do surto ao Brasil, profissionais e especialistas da área de saúde orientavam as melhores formas de prevenção, entre elas estavam justamente a utilização de máscaras cirúrgicas, ao frequentar espaços públicos, e a higienização das mãos ou alimentos com álcool 70°. Pronto, bastou isso para ser deflagrada uma corrida a farmácias e estabelecimentos comerciais a fim de adquirir esses dois itens. E é aí que entra a obediência da lei da oferta e demanda por parte de lojistas e empreendedores.

Engana-se quem pensa que o empresário age apenas pensando no lucro. Pelo contrário, o aumento no preço dos produtos é uma forma de frear a compra tresloucada e desmedida desses itens, a fim de propiciar a aquisição deles a outras pessoas. O aumento no preço serve justamente como um contrapeso a fim de estabilizar a oferta e a compra para o maior número de pessoas, e não apenas para um grupo seleto dos que possuem maior renda. Sem dúvida, que os de renda mais baixa acabam sofrendo mais, no entanto, uma das maravilhas do mercado é que da mesma forma que o preço do produto aumenta para compensar o aumento na procura, analogamente acontece quando a procura diminui.

Bom, essa lei econômica faz parte do cotidiano de qualquer comerciante ou empresário, embora nem todos saibam como melhor usufruir dela. No entanto, políticos não respeitam essa lei (como se eles pudessem respeitar qualquer lei que não seja para ganhos ilícitos), então eles procurarão meios de barrar a obediência dos empresários a ela. Por mais que políticos criem leis para multar empresários, caso aumentem o preço “abusivamente” (por mais que não se especifique o que é o abuso de preço, já que o preço, ainda que esteja alto, só vai continuar assim se ainda houver quem esteja disposto a pagar aquele valor; do contrário, ele decairá. E é interessante isso porque políticos e órgãos fiscalizadores só reclamam do abuso de preços se for valor alto, mas ninguém reclama do abuso de preços baixos.), a lógica do mercado irá sempre se sobrepor à inépcia dos burocratas.

Pois bem, à medida que esses itens começaram a faltar em inúmeros estabelecimentos comerciais, algumas empresas fornecedoras desses itens viram os olhos fulminantes do governo atravessarem os portões de suas firmas. Não deu em outra! Governos, utilizando o âmbito das “requisições administrativas”, preceituada na CF, fizeram valer na prática as suas prerrogativas de poder. Embora ao empresário lhe seja garantido o pagamento da espoliação desses bens, entretanto não será pelo valor que ele assim gostaria, já que nesse caso a lógica do mercado não é obedecida; lembre-se, políticos não respeitam leis econômicas básicas.

Em resumo, governos estão fazendo hoje numa escala sem precedentes e sem limites aquilo que sempre tentaram fazer, mas que durante seus mandatos é algo lento e custoso ao estamento burocrático. Tempos de crise epidêmica não deveriam ser desejados por ninguém, no entanto, parece que certos governos autoritários vibram quando isso acontece, já que será a justificativa perfeita para esticar os seus tentáculos à vida privada de seus cidadãos (o PSOL, por exemplo, entrou com um pedido no STF para que leitos de hospitais privados fossem utilizados pelo SUS; demonstrando mais uma vez o caráter fascista do partido que tem no nome termos antagônicos por natureza – socialismo e liberdade.).

Num caso mais recente, em São Paulo, o governador João Dória vibrou após a notícia de uma parceria firmada com as maiores empresas de telefonia do país a fim de monitorar, através de um número-código específico de cada aparelho, se os moradores estão obedecendo realmente as orientações de permanecerem em suas residências. Para quem nunca leu o livro 1984, de George Orwell, eis a dica para aproveitar os dias de lockdown. A comemoração do governador de São Paulo é o retrato vívido de alguém que, se leu o conto, utiliza o livro não como algo descritivo para se evitar fazer, e sim como algo normativo.

Milton Friedman dizia: “Nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo.”. Depois que essa crise passar, infelizmente boas medidas serão suspensas (como é o caso da abertura de contas online em qualquer banco, isenção de impostos a determinados produtos, trabalhos administrativos home office – que geram uma grande economia principalmente para a Administração Pública, etc.), enquanto que as péssimas medidas provavelmente serão mantidas. A obviedade de Friedman choca, mas é a pura realidade, principalmente no que diz respeito às medidas governamentais que se enquadram no absolutismo do dirigismo estatal.