O sonho realizado de Bruce Lee

Andrew Koji interpreta Ah Sahm, um imigrante chinês com uma habilidade fora do comum para as artes marciais. FOTOS: CINEMAX.

Se “Warrior” tivesse chegado à televisão quando o ator começou a desenvolvê-la, a série estaria prestes a comemorar 50 anos de existência. Mas quis o destino que o drama histórico de ação, passado na cidade de São Francisco no final do século XIX, nunca fosse rodado. Está agora na HBO Portugal, com a marca da filha Shannon Lee

Meio século. Foi este o tempo que se passou entre a altura em que Bruce Lee sonhou com “Warrior”, e apontou as suas ideias num caderno, e a chegada da série à televisão. A sua morte precoce, aos 32 anos em 1973, fazia crer que tudo o que tinha pensado desenvolver ficasse esquecido ou fosse possivelmente roubado sem qualquer consideração por quem o pensou (também aconteceu, ainda em vida) mas quis uma junção de várias forças que o drama histórico de ação chegasse à televisão em 2019.

A filha Shannon é uma das grandes responsáveis por “Warrior” ter-se tornado realidade, mas mesmo a própria chegou a duvidar da possibilidade de ver o sonho do pai realizado. Conseguiu contornar o destino que estava escrito para a série. E o espólio do pai, que controla desde os anos 2000, foi o ponto de partida para a produção televisiva que agora corre o mundo. Eram apenas oito as páginas escritas, que meia Hollywood queria mas que a maior parte nem acreditava existirem, e vinham acompanhadas por algum material adicional. E se Shannon tinha a certeza da sua existência, também não sabia do seu paradeiro. Estavam entre várias caixas, com resmas de material de arquivo diverso, mas eram a base necessária para escrever algo que respeitasse a memória de Bruce Lee e estivesse à altura das grandes séries contemporâneas.

Com ajuda de Justin Lin, que não se sentiu tentado a ver Shannon Lee como uma simples guardiã de material e se envolveu em todo o processo, “Warrior” começou a ganhar forma. E Justin Trooper, que já havia liderado os trabalhos em “Banshee” (HBO Portugal) com sucesso, juntou-se à equipa como showrunner. Podem esperar-se grandes cenas de lutas bem coreografadas, mas o espírito é bastante diferente do apresentado em produções de artes marciais recentes como “Into the Badlands” (AMC), na sua derradeira temporada.

Na sua versão final, agora estreada no Cinemax e na HBO Portugal, “Warrior” acompanha a jornada de Ah Sahm — Andrew Koji, reputado duplo e ator que entrou na série “The Innocents” da Netflix e conheceu Justin Lin na rodagem de “Velocidade Furiosa 6” — na São Francisco de 1878. O imigrante chinês, com uma habilidade fora do comum para as artes marciais, acaba por envolver-se nas guerras de gangues da Chinatown e esse é o ponto de partida para contar a sua história. Torna-se um carrasco da Hope Wei, uma das mais poderosas famílias do crime organizado chinês, mas isso é apenas o início. Em simultâneo, faz-se também uma reflexão sobre a imigração e as condições em que esta acontecia, ao mesmo tempo que se recordam as Tong Wars (disputas entre fações chinesas rivais que aconteceram em várias cidade norte-americanas entre o fim do século XIX e o início do século XX).

Filmada na Cidade do Cabo, na África do Sul, a série tenta reconstruir a cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, no pré-terramoto de 18 de abril de 1906 que destruiu a maior parte da cidade. Também no que toca a fontes escritas a escassez ditou uma criação quase integral desta realidade ficcionada, feita a partir de vários registos (combinados entre si de modo a aproximarem-se o mais possível do que realmente aconteceu no final do século XIX).

JUSTIÇA SEJA FEITA

A verdade é que Bruce Lee queria ter dado forma a uma série da sua autoria no início dos anos 1970, por considerar que tinha mais do que corpo para dar à arte e que podia ser também atrás da câmara que podia dar o seu contributo. Mas essa vontade foi-lhe vedada por causa da sua etnia, numa altura em que se considerava que os norte-americanos não quereriam ver televisão protagonizada por chineses. E o projeto acabou por nunca avançar. Curiosamente, ou talvez não, acompanhava um mestre de artes marciais no Velho Oeste.

A Paramount não o quis, mas decidiu apostar em “Kung Fu” — uma série em que o norte-americano David Carradine interpretava um monge budista shaolin no Oeste norte-americano. As semelhanças eram demasiado grandes para serem ignoradas, mas certo é que Lee nunca teve direito a qualquer crédito no programa. Na altura a justificação soube a pouco. Chegaram a dizer que o projeto de Ed Spielman e Herman Miller transmitido no canal ABC já estava em marcha, mas ninguém acreditou.

A justiça só agora é feita, com um elenco cheio de estrelas de produções do género. A Andrew Koji juntam-se nomes como o de Kieran Bew, Olivia Cheng, Dianne Doan, Dean Jagger, Langley Kirkwood, Hoon Lee, Christian McKay, Joe Taslim, Jason Tobin, Joanna Vanderham, Tom Weston-Jones e Perry Yung, numa seleção que acabou por fazer de “Warrior” aquilo em que se tornou.

Composta por 10 episódios, a primeira temporada da série já se estreou na HBO Portugal, embora esta ainda não esteja disponível na íntegra. Por enquanto, nenhuma das partes se mostrou disponível para confirmar uma segunda temporada, com as produtoras Perfect Storm Entertainment, Tropper Ink Productions e Bruce Lee Entertainment a manterem o segredo sobre os próximos capítulos bem guardado.

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