Os intervencionistas dão com a colher e tiram com a concha

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | A mentalidade intervencionista do brasileiro a cada dia se supera. Se já não bastasse a incompetência de políticos e burocratas atuando em prol de seus próprios interesses fingindo trabalhar a favor do país, eis que a maioria do povo (votantes e não-votantes) ainda acredita que os males socioeconômicos que nos acomete só podem ser, de fato, sanados se houver uma maior atuação do Estado. Com isso, o mercado privado é tachado como um sanguessuga e ladrão de sonhos, enquanto o Leviatã acaba se tornando a salvação da pátria. Ledo engano quando olhamos para a realidade.

Um dos piores males que o Brasil passa diz respeito ao acesso a saneamento básico. Em pleno século 21, com o país fazendo parte de organismos internacionais que prezam pelo valor da vida humana, ainda assim milhões de pessoas não possuem fornecimento seguro de água encanada nem tratamento e escoamento de esgoto e dejetos. A despeito da quantidade de impostos que temos de pagar, o Estado não consegue suprir tal demanda.

Como se a situação já não fosse esdrúxula o bastante, recentemente um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados quase caducou por desinteresse dos parlamentares. Esse Projeto tratava justamente de ampliar a concessão a empresas privadas do fornecimento de serviços de saneamento, algo que já é feito de forma bem modesta em um ou outro estado, mas que ainda sofre grandes impedimentos por parte daqueles que advogam que até esse tipo de serviço deve ser uma exclusividade do Estado, conquanto ele não consiga nem dar conta da demanda nem prestar um bom serviço.

Palafitas, favelas e zonas rurais não são os únicos ambientes em que não há saneamento básico. Uma parte da população urbana ainda mora em situações precárias e extremamente desumanas, sendo responsável por escoar o esgoto de suas “casas” direto em córregos ou na rua, contaminando rios e lençóis freáticos, atraindo e convivendo com roedores e insetos transmissores de doenças de épocas medievais.

Entretanto, burocratas e políticos intervencionistas não dão muita importância para esse cenário. Para eles, dizer que o Estado deve ser o único a prover saneamento é só um eufemismo para esconder o real objetivo, que é manter sob o domínio de cabresto essa massa de pessoas. Quando em época de eleição, as promessas para sanar os problemas daquela comunidade surgem aos montes, mas é só começar o mandato que elas estouram como bolha de sabão.

Abrir esse mercado para as empresas privadas é visto como uma atitude “entreguista” por parte dos intervencionistas. Eles creem que a empresa está unicamente interessada em lucrar com a situação, não se atentando para as reais necessidades das pessoas. No entanto, essa é a descrição do que acontece na atualidade por parte do Estado, já que ele é o detentor de tal fornecimento. Na pessoa de seus burocratas e políticos intervencionistas, o Estado é quem está interessado unicamente na arrecadação de impostos sem realizar a contraprestação devida e nem se preocupar com o valor de uma vida humana, a despeito do que promete alucinadamente na Constituição.

As empresas privadas, de fato, precisam de capital para se sustentar. Para fornecer esse tipo de serviço, é preciso que haja uma contrapartida financeira dos que se interessarão em ter suas casas com tratamento de esgoto e água encanada. Diferentemente do Estado, onde cobrar pelo cumprimento do fornecimento da demanda é um ato hercúleo, cobrar aos entes privados por algo que você pagou para ter revela-se positivo em grande parte dos casos.

A empresa não irá querer ver um cliente insatisfeito, tendo em vista que a reputação da empresa começa a ser denegrida pelo processo de formiguinha. Se por ventura naquela comunidade, onde o saneamento até então precário, houver alguém que pagou à empresa pelo fornecimento do serviço, e não foi como o acordado, aquela empresa terá dificuldades em granjear outros clientes. E assim, abre-se espaço para que outras empresas mais capacitadas possam satisfazer aquele cliente antes insatisfeito.

Ludwig von Mises, em uma de suas palestras na Argentina e que, posteriormente, foi transformado no livro As Seis Lições, diz o seguinte sobre o intervencionismo:

“O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores.”

Essa é a dinâmica de um livre mercado. O cliente é o chefe supremo. Entretanto, quando o Estado é o monopolista daquele serviço, ele não se preocupará com críticas acerca do péssimo fornecimento e nem se há de fato algum fornecimento. As pessoas ficam de mãos atadas sem terem a quem recorrer ou mudar de fornecedor.

Esse poder tentacular do Estado é tão asfixiante que mesmo que alguém decida construir uma rede de tratamento de esgoto própria, que englobe a própria casa ou se estenda a outras residências na comunidade, ainda que essa rede seja eficaz e esteja atendendo e satisfazendo os usuários, o Estado pode obrigar legalmente que o tal sistema seja demolido e ainda impor ao construtor uma multa, alegando que não houve autorização para a construção.

Algo semelhante ocorreu em Toronto, Canadá. Os moradores sofriam quedas e acidentes por conta da falta de uma escada para subir um barranco íngreme do parque comunitário Tom Riley. Depois de tantas idas e vindas à prefeitura, e sempre ouvir as mesmas promessas, os moradores decidiram se juntar para levantar um montante a fim de eles mesmos construírem a escada. E conseguiram. Depois de juntar pouco mais de 500 dólares, um dos moradores com a ajuda de um sem-teto comprou os materiais e construiu a pequena escada. Estava atendendo a população e todos estavam felizes. Mas eis que entra em cena a prefeitura, alegando que a escada era ilegal. A escada foi isolada enquanto a prefeitura decide se a demole ou não, obrigando os moradores a correr os riscos anteriores de quedas e acidentes. A prefeitura alegou que uma “melhor” será construída no local, dessa vez “obedecendo” todos os cálculos de projetos. A estimativa dessa obra, pasmem!, ficaria entre 65 e 150 mil dólares – 11.000% a mais do que o que os moradores gastaram.

Privatizações e concessões de serviços públicos a entes privados sofrem diariamente com a sanha intervencionista e estatista desses burocratas e políticos pró-Estado. Levantar essa questão é como mostrar a cruz a um vampiro. Não importa se os serviços fornecidos pelo Estado são péssimos; não importa se esses serviços não alcançam a parcela da população que mais carece. Ainda assim os intervencionistas continuarão com o mantra de que “a empresa pública é estratégica”, ou “é preciso manter a soberania nacional”. O que essas figuras querem é manter um curral eleitoral e uma camada da população debaixo do seu controle. Não estão interessados em melhorar a vida das pessoas; preocupam-se apenas com as suas próprias, com o próximo mandato, com o aumento do salário de 10 mil reais e com a estabilidade de suas funções.

A mentalidade intervencionista sempre foi o que ditou a nossa história, mas teve papel principal a partir do século passado. Getulio Vargas e os presidentes subsequentes, além dos militares quando estavam no poder, sem exceção, todos carregaram esse ranço estatista em seus governos. O que houve de liberdade ou abertura pró-mercado não foi o suficiente para vencer as amarras do intervencionismo estatal. Os avanços que outras nações obtiveram, até mesmo nações que haviam sido destroçadas por conta da Segunda Guerra Mundial, como o Japão, por exemplo, não são o bastante para convencer esses políticos e burocratas intervencionistas de que a adesão à economia de mercado é a chave para o arranque e crescimento econômico.

Esses políticos e burocratas pró-Estado sempre preferirão os exemplos de países que possuem a ideologia que eles tanto desejam. A China é um exemplo. A despeito do regime comunista ainda em voga na nação, cerceando a liberdade de culto e de expressão das pessoas, é fato que o país conseguiu dar um salto em sua economia, fazendo parelha com outros países desenvolvidos. O que esses políticos e burocratas não veem é que essa condição atual da China só se dá graças ao governo chinês ter aderido parcial e minimamente ao livre mercado, ou capitalismo. Entretanto, analistas políticos e economistas afirmam que esse crescimento chinês já está perdendo fôlego devido à má alocação de recursos do país. Como exemplo dessa má alocação, está justamente o mercado imobiliário. Na China, há quilômetros e quilômetros de cidades fantasmas. Prédios construídos para ninguém morar.

Na economia de mercado, o fornecedor só produz se houver demanda. Caso não haja, ele incorre em desperdício e gasto. A China usou o método inverso achando que fosse dar certo. Construiu para depois saber se haviam interessados. Deu no que deu. Querer aderir a uma política de crescimento econômico enquanto não se desfaz da política de estagnação econômica, e achar que ainda assim ter-se-á avanço econômico de longo prazo, é uma ilusão.

As pessoas insistem em querer que o Estado supra suas necessidades e concretize os direitos que ele lhes prometeu constitucionalmente, mas não entendem que esse tipo de atitude beira a servidão voluntária. É como exigir que o sequestrador que o raptou cumpra as promessas que ele fez antes de lhe raptar. Políticos e burocratas intervencionistas sabem disso e se aproveitam da situação para aumentar ainda mais o poder tentacular de suas “proteções”, seja na base da confecção de mais leis interventoras ou da ameaça de multas por não obedecer ao Estado-babá. Mais do que fazer paralisações exigindo mais direitos e o cumprimento do dever do Estado nas suas vidas, essas pessoas deveriam realizar manifestações contra medidas protecionistas, estatistas e intervencionistas do governo. Algo que seria benéfico para elas mesmas e é o que traz ganhos econômicos, de fato, para uma sociedade. Algo que as livra da dependência estatal e do paternalismo interventor.