Praticar o mal vicia, assim como não punir quem o pratica

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Um componente excluído nas análises de perfis dos atiradores, responsáveis pelo massacre na escola de Suzano, é o da maldade inata do coração humano. Com esse aspecto fora de cogitação, abre-se espaço para qualquer tipo de teoria sobre o que motivou tal atentado: bullying, jogos “violentos”, facilidade na compra de armas, insegurança nas escolas, etc. E é aí onde as coisas começam a se degringolar, não ajudando como deveria e sendo passível de um novo acontecimento.  

Como a sociedade ocidental foi influenciada pela cultura judaico-cristã, nada mais apropriado do que citar as palavras do próprio Jesus Cristo, que diz no evangelho de Mateus 15.19,20a: “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem(...).”. Ou seja, há mais de 2.000 anos que já se falava de onde vinham toda sorte de males que havia no mundo – da maldade do coração humano. Tentar justificar os atos de determinada pessoa sem levar em conta esse componente é continuar nos mesmos erros de sempre. 

Essa maldade inata é o que faz com que tantos crimes aconteçam e se mantenham impunes, tanto por parte de quem prende como por quem julga. A maldade inata é algo que se apresenta desde a mais tenra idade. Um bebê chora por não conseguir obter aquele relógio brilhante no braço do tio. Se ele tivesse a força de um halterofilista, conseguiria pegar o relógio após ter quebrado o braço do tio, e sair cantarolando e feliz como se nada mais importasse. Essa é a ideia por trás dos roubos, furtos e latrocínios. Os bandidos não se importam com o fato de aquele ato ser ou não correto. Eles farão de tudo para conseguir o que desejam, nem que pra isso tenham que matar, se for necessário. 

No ambiente judaico-cristão, essa maldade é tratada com o nome de pecado, uma palavra que causa ojeriza em boa parte da sociedade, e que já foi escorraçada dos círculos acadêmicos, principalmente dos nichos sociológico, antropológico e psíquico. Falar em pecado hoje é trazer à tona o lado religioso, algo (dizem) que não deve ser mais tolerado em uma sociedade pós-moderna, e que, por sinal, tenta tratar tal abordagem como algo emocional e não empírico. No entanto, a cosmovisão judaico-cristã foi a base para o nascimento de muitas universidades renomadas (Oxford, Yale, Harvard), além de ser o fundamento para muitos cientistas famosos e inventores (Blaise Pascal, Kepler, Isaac Newton). Então, achar que os conceitos “religiosos”, como pecado ou fé, não servem para compreender a sociedade atual é desconsiderar a influência positiva da cultura judaico-cristã no passado e que foi de vital importância para o desenvolvimento da ciência moderna. 

Dito isso, voltemos ao caso de Suzano. Foi informado que o atirador mais novo sofria bullying na época em que era aluno da escola, motivo talvez que foi crucial para abandoná-la. É interessante como o bullying tem sido a justificativa mais rápida para qualquer possível tentativa de homicídio ou tiroteio em escolas. Nos últimos casos que houve no Brasil, seja no Rio de Janeiro ou em Goiás, esse foi um dos motivos que logo vieram à tona na análise de perfis dos atiradores. Todos sofriam ou sofreram bullying na escola. Sem querer agir como um tipo de advogado do diabo, mas é de se pensar quais atitudes são consideradas como bullying. Apelidos, esconder materiais, colar chiclete na carteira, são brincadeiras até toleradas, mas se isso acontece todos os dias, já é caso de informar a diretoria ou secretaria da escola. Agora, empurrões, pisões e todo tipo de ato que configure em se tocar a pessoa já deveria ser considerado como agressão, e também ser comunicado à diretoria ou secretaria. A pergunta que fica é se alguma vez tal comunicado foi feito aos responsáveis pela administração da escola. Se não foi, fica difícil a própria escola agir na contenção, ainda mais se ela não consegue agir sequer na prevenção. 

Todos que passaram pelo ambiente escolar já tiveram que lidar com situações que envolviam apelidos, isolamento, ou qualquer coisa que hoje seria enquadrado como bullying. Mesmo a garota mais bonita da sala já teve os seus dias de trevas. Mesmo o melhor jogador da escola já teve os seus dias sombrios. Mas ainda assim, não chegaram ao ponto de ferir colegas ou tentar matá-los. Isso se deve justamente à intensidade de como o pecado age no coração humano, conduzindo-o à maldade e à sua ação. Em algumas pessoas, essa maldade possui menos barreiras de proteção para o seu transbordamento. E é daí que qualquer olhar mais desconfiado ou brincadeirinha já se torna motivo suficiente para planejar um atentado contra alguém ou a algum estabelecimento. 

Outra questão que foi indicada nas notícias sobre a motivação do crime dizia respeito ao fato de os jovens gostarem de jogos violentos de videogame e, por isso, deveria ter sido um agravante que culminou no atentado. Logo vieram os discursos exigindo a proibição de venda desses jogos no Brasil, a fim de conter crimes futuros. Entretanto, o que esses ativistas não esclarecem é o que de fato pode ser considerado um jogo violento. Para eles, talvez, todo jogo que possua armas já é suficiente para se proibir a comercialização. Eles não levam em consideração o enredo do jogo e as formas de utilização daquelas armas no jogo. Sendo assim, mesmo um jogo ambientado na Segunda Guerra Mundial ou de ficção científica com duelos entre equipes armadas deveriam ser proibidos, já que poderiam ser um pretexto para jovens aprenderem a como atirar e confabular atentados, saindo do virtual para o real.  

O interessante é que na mesma semana do atentado em Suzano, em uma escola do Rio de Janeiro, um aluno esfaqueou o colega dentro do próprio colégio. Em outra semana, dessa vez em Pernambuco, uma aluna esfaqueou o colega no corredor da escola. A única diferença entre esses casos de esfaqueamento e o atentado em Suzano é o objeto utilizado nas agressões. Não aparece ninguém exigindo que facas deixem de ser vendidas, conquanto seja facílimo adquiri-las em qualquer loja, ou no centro da cidade, de todos os tipos e tamanhos. Não aparece ninguém exigindo que jogos de videogame de samurai ou ninjas sejam proibidos de ser comercializados. A retórica falaciosa de que “armas de fogo matam” não é transformada em “facas matam”, mesmo o crime de esfaqueamento sendo mais cruel do que o do disparo com arma de fogo.  

O Brasil é um dos países em que mais se morre por “acidentes” de trânsito. Pessoas assumem o risco de matar quando dirigem bêbadas, e, ainda assim, ninguém aparece exigindo que bebidas alcóolicas sejam proibidas de ser vendidas a fim de evitar “acidentes” de trânsito. Mas quando o assunto é crime com arma de fogo, aí as coisas se invertem. Por conta de lobos solitários, delinquentes e psicopatas, procura-se punir aqueles que possuem mais equilíbrio e que seriam a força contrária necessária para conter possíveis agressores. Imagine se carros fossem proibidos de ser comercializados por que alguém sugeriu que são eles (os carros) e não os motoristas irresponsáveis os causadores de “acidentes” fatais? Voltaríamos a andar a pé ou de bicicleta (mas só até a bicicleta também ser responsabilizada por novos “acidentes”, e não quem a estivesse pilotando). 

Enquanto os pseudoanalistas e demais opinantes continuarem delegando os casos envolvendo atos maldosos a objetos, terceiras pessoas ou qualquer outro elemento que não seja o próprio executor daqueles atos, a tendência é que se reproduza ainda mais atos violentos, agressões e homicídios. Enquanto o ser humano não for analisado como possuidor de uma maldade inata, perpetua-se a não responsabilização por seus crimes e delitos. Como diz o versículo bíblico: “Quando os crimes não são castigados logo, o coração do homem se enche de planos para fazer o mal.” (Eclesiastes 8.11).