Problemas, crises e dilemas precisam de soluções inteligentes, e não de subterfúgios

Imagem ilustrativa.

INALDO BRITO | Recentemente, eu e minha esposa testemunhamos um caso que exemplifica bem a mentalidade acomodada que o brasileiro possui. Estávamos numa fila de supermercado e, à nossa frente, havia uma senhora reclamando que um dos itens que ela havia comprado não tinha sido entregue. Após uma breve discussão, a supervisora dos caixas foi chamada para intermediar a situação, mas, no fim, a senhora acabou não obtendo nem a substituição do item nem o ressarcimento do valor pago, saindo do local chateada e, ao mesmo tempo, aparentemente soberba ao justificar que “não valia a pena brigar por três reais”. A discussão se centralizava sobre quem era o responsável pelo extravio do item: se o supermercado, que possui serviço de entrega, ou se o próprio consumidor, que pode ter perdido o item no trajeto do estabelecimento para sua casa.

Minha esposa demorou um pouco para entender a situação, mas logo que viu o burburinho no mercado resolveu dar os pitacos dela sobre o fato, afinal de contas, ela é advogada consumerista, embora não tenha se identificado como tal. Para nossa surpresa, o burburinho após a senhora ter ido embora se concentrava entre a caixa, que a havia atendido, e os funcionários responsáveis pela entrega. Minha esposa tentava elucidar para eles que, conquanto o serviço de entrega do estabelecimento fosse voluntário (o que traz um diferencial em relação aos supermercados concorrentes do bairro), ainda assim ele se faz responsável pela perda ou extravio de qualquer item reclamado pelo consumidor. Como minha esposa não se identificou como advogada, até aí só havia, na interpretação da caixa e do entregador, mera troca de opiniões.

Pouco tempo depois, eis que chega a supervisora também expondo os seus pensamentos. Minha esposa novamente informou a ela sobre o que preconiza o Código de Defesa do Consumidor (CDC), dessa vez de uma forma mais enfática – fato esse que fez com que os outros funcionários percebessem que provavelmente ela era entendida no assunto. Após um silêncio, eis que a funcionária nos sai com a seguinte frase: “É...pra não ter esse tipo de aperreio, era melhor acabar com essas entregas. Nenhum supermercado tem isso, só aqui. Se a pessoa quiser, que chame esses aplicativos de entrega. Mas seria bem melhor se o mercadinho acabasse com esse serviço aqui.” Ela disse isso de uma forma arrogante e soberba, no melhor estilo de alguém que acha que vai mitar.

Tudo isso aconteceu sem o dono estar presente, mesmo antes quando a senhora foi levar sua queixa. Quando saíamos do local, a supervisora relatava o caso para o dono que, de bate pronto, respondeu: “Por que não mandou ela vir falar comigo?” Ele disse isso de uma forma cortês e solícita – atitude diametralmente oposta à da supervisora. Como eu e minha esposa já tivemos um problema parecido outra vez, só que relacionado a entrega não feita (e que não comprometeu o relacionamento com o mercadinho), mas que o dono se mostrou disponível para saná-lo da melhor forma, interpretamos que se aquela senhora tivesse ido falar diretamente com ele (como nós havíamos feito da outra vez), certamente ele teria resolvido a queixa dela.

Do relato acima, é impossível não relembrar de um ensinamento básico das técnicas de vendas: o verdadeiro chefe é o cliente (ou consumidor). Perceba que não estamos falando que o cliente tem sempre razão, como muitos pensam equivocadamente, e sim que, por mais que na sua opinião você tenha um bom produto, trabalhe dedicadamente num emprego que possui bastante interação social no quesito compra e venda, a verdade é que todo esse esmero de nada adiantará se não houver quem adquira seu produto ou contrate seu serviço. Ou seja, no fundo quem paga de fato pelo seu salário não é a pessoa que assinou sua carteira de trabalho, mas sim quem compra os produtos vendidos pela empresa onde você trabalha – neste caso, o cliente. Isso é mais bem compreendido pelo profissional autônomo que tem que garimpar clientela para ter a quem vender seus produtos ou serviços. Como bem sintetizou Ludwig von Mises: “Os empresários podem até estar no leme, mas quem deve ser o capitão do navio é o consumidor.”

Muitas empresas, inclusive mercadinhos, falham em passar para seus empregados que o cliente é o bem mais valioso do estabelecimento. Muitas falham em repassar o básico sobre o que preconiza o CDC, o que deveria ser ainda mais necessário para quem ocupa funções mais superiores, como é o caso da supervisora do caso relatado. O dono pode até se compadecer com algum cliente, procurar resolver seu problema, mas ele faz isso sem conhecer as suas verdadeiras responsabilidades diante do consumidor, o que é uma grande falha de sua parte também. Qualquer empreendedor que se preze deveria conhecer o básico das normas jurídicas acerca da área em que atua, bem como à que circunda, para também repassar isso aos seus funcionários.

Curiosamente, no relato, vemos a diferença entre quem procura resolver problemas e quem procura se livrar de problemas. A supervisora, ao externar os seus pensamentos, de que “era melhor acabar com o serviço de entregas do mercadinho para não haver mais aquele tipo de aperreio” estava apenas querendo se livrar do problema, e assim age boa parte dos empregados em qualquer ramo de trabalho. Os serviços públicos no Brasil, por exemplo, possuem entre seus funcionários muitos que se preocupam mais em se livrar do problema do cidadão do que em resolvê-lo. Se esquecemos um documento, mesmo estando com tantos outros que comprovem nossa identidade, idoneidade ou domicílio, já é motivo suficiente para o funcionário chamar o próximo da fila sem nem sequer ponderar sobre a nossa necessidade. Segundo eles, tal ação se justifica por ser uma normativa da empresa, ou constar em decreto e coisa e tal, sem notar que a obediência cega deles a essa simples burocracia revela a postura de alguém que quer apenas se livrar de problemas em vez de resolvê-los.

A mentalidade do brasileiro, exemplificada na supervisora citada no relato, é algo difícil de mudar, ainda mais quando se tem um incentivo para a acomodação e mediocridade. Desde os tempos de escola, somos ensinados a possuirmos um diploma para arrumarmos um emprego, trabalharmos até o tempo de nos aposentarmos e pronto. Com isso, não é de surpreender quando, mesmo aqueles que sequer possuem o ensino médio concluído, entram em empregos para fazerem o mais do mesmo todos os dias, com cara emburrada, reclamando do mundo à sua volta, tratando mal quem a ele se achega para tirar uma dúvida qualquer, e, no final do mês, continuar praguejando sobre o recebimento daquilo que ele chama de mixaria. Indivíduos que, se pudessem, desejariam ser invisíveis para não ter que se comprometer com nada que exija um esforço maior da parte deles.

Perceba, caro leitor, que essa mentalidade é o que estagna a nossa sociedade. Vemos exemplos disso principalmente na política. Nossos representantes propõem ou criam leis que não resolvem nossas mazelas de fato; ou atenuam bem superficialmente ou agravam aquilo que já está ruim. Se empresas de mobilidade urbana entram no nosso país, por exemplo, causando uma melhora para os indivíduos – pois não precisam mais ter que pegar ônibus e trem lotado todos os dias, além de poder chegar mais rápido em seus trabalhos –, entra em cena, então, políticos criando leis para regulamentar a atividade dessas empresas, com as justificativas mais estapafúrdias já elaboradas. Desde idade para uso, EPI’s que devem ser fornecidos pela própria empresa até habilitação para pilotar o transporte etc. Claro, muitos fazem isso por causa de pressão de grupos e sindicatos de empresas de transporte ou rodoviários. Mas, no fundo, o que acontece é aquilo que já falamos mais acima: há o interesse de apenas se livrar do problema, e não resolvê-lo. Foi dessa forma que esses que dizem defender o cidadão agiram para mandar embora do país todas as empresas de aplicativo de patinete elétrico.

Nossos representantes são o reflexo daquilo que somos. Quanto mais indiferentes aos problemas do outro, mais agiremos com o intuito de nos livrar de suas queixas em vez de procurar resolvê-las sabiamente. Empurrar a sujeira para debaixo do tapete é uma forma de se livrar da adversidade, mas não de solucioná-la (chegará um tempo em que o lixo sob o pano ficará visível e ainda mais difícil de retirar, já que se impregnou à tapeçaria). É assim que nossos representantes agem – baseados no comodismo que temos de ver o problema ser tratado com placebos ou truques de ilusionismo e não com remédio verdadeiro. Nos nossos trabalhos, nas funções que exercemos, precisamos assimilar que o cliente é o verdadeiro chefe e que, por isso, ele carece de pessoas que tragam soluções sábias, honestas e inovadoras para seus problemas, e não quem meramente queira detonar esses problemas a qualquer custo e de qualquer jeito.