Regulamentar meios de comunicação: utopia política que conduz à distopia

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"Uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim, mas, certamente sem liberdade, a imprensa sempre será ruim.” Albert Camus

INALDO BRITO | É notório que uma das formas de se respeitar a liberdade de informação em nosso país é através da manutenção da liberdade dos meios de comunicação. Questionar figuras públicas e ter acesso a dados e elementos em sua totalidade, para que as informações possam ser repassadas à sociedade com o maior nível de confiabilidade possível, é a tarefa de qualquer agente de informação. Em posse dos materiais necessários, nada deve impedi-lo de comunicar o resultado de suas investigações e pesquisas, ainda que o teor seja crítico a pessoas ou instituições.

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Infelizmente, liberdade para informar não é o desejo de alguns atores, dentre eles, principalmente políticos. De certo modo, a história tanto passada quanto presente demonstra que controlar meios de comunicação contribui para um aumento no nível de vigilância estatal e perseguição política àqueles que pensam contrariamente ao que é ditado por quem está no poder. As tensões entre os indivíduos também se agravam, tendo em vista que até mesmo eles passam a vigiar uns aos outros sobre o que publicam, falam e divulgam.

Aqui entra em cena dois conceitos bem perigosos, que podem ser vistos no famoso livro de George Orwell, 1984: um é o Miniver e o outro é o crimideia. O primeiro diz respeito ao Ministério da Verdade, que era responsável por todo tipo de notícia ou instrução que eram do interesse do Grande Irmão – a liderança autoritária do país – com a finalidade de concentrar a disseminação de qualquer tipo de informação. O único meio de comunicação que havia estava em posse do Miniver, então não era nenhuma surpresa o fato de que qualquer elemento informativo destoante do projeto de poder do Grande Irmão era automaticamente abafado, asfixiado e, quase sempre, “silenciado”.

O outro conceito, crimideia, dizia respeito, propriamente dito, ao crime de pensar por conta própria. Na ficção distópica, era proibido andar sem ser com base no que o Grande Irmão ditava para as demais personagens. Aqueles que eram pegos confabulando ideias divergentes às do Grande Irmão, quando a coerção à retratação não surtia efeito, tinham o seu nome (nas palavras do narrador) “removido dos registros, suprimida toda menção dele, negada sua existência anterior, e depois esquecido. Era-se abolido, aniquilado; vaporizado era o termo corriqueiro”.

O ambiente de vigilância exagerada, em 1984, sobre a vida dos cidadãos – aquilo que eles pensavam, falavam e conversavam – é o resultado final de qualquer medida de controle, inclusive controle das informações perpassadas pelos meios de comunicação. É o ápice governamental de qualquer figura autoritária. Pode-se ver isto atualmente em muitos países onde há apenas um partido entre as opções eleitorais, e que, por sinal, são as lideranças políticas que procuram a todo custo sufocar reacionários, perseguir dissidentes, além de criar narrativas que encantem sua população sobre o fascínio de se possuir apenas uma figura política ou sigla partidária como líder e opção de governo.

Quando políticos não conseguem controlar os meios de comunicação, eles partem para outra frente que é pôr restrição de acesso a informações. Ainda que tenhamos uma Lei de Acesso à Informação, infelizmente isso não é suficiente para que os agentes da comunicação consigam os dados que necessitam. O atual presidente, por exemplo, impôs recentemente sigilo de informação de cem anos acerca do encontro que teve com pastores lobistas, ou seja, a sociedade só poderá ter acesso a esses documentos que dizem respeito a reuniões, digamos, duvidosas talvez numa terceira geração após a morte do atual gestor. Ocultar a verdade protegê-lo-á de possíveis investigações.

O curioso é que controlar meios de comunicação só é visto como algo virtuoso, por políticos, quando o canal de informação não pertence a eles. Sabemos que nos recônditos de várias cidades do país, políticos detêm cotas de participação gerencial em rádios, emissoras locais de TV e até mesmo jornais. Se, por ventura, algum veículo de comunicação se instalar na cidade e começar a criticar demais a liderança política, logo vem à tona a sugestão de controle por parte do criticado. Dificilmente se verá alguma crítica partindo do próprio instrumento de comunicação que pertence ao político.

Em estados, por exemplo, onde clãs e oligarquias familiares se estabeleceram, há cidades onde a maioria, senão todos, os meios de comunicação pertencem a uma única família. Rodrigo da Silva, em seu livro Guia Politicamente Incorreto da Política Brasileira, diz o seguinte:

Em alguns estados, como o Rio Grande do Norte, Roraima e Santa Catarina, a situação é tão caótica que a propriedade de canais de rádio e TV por políticos ultrapassa 50% do total.

Ele também informa:

Nas eleições municipais de 2016, 216 proprietários de emissoras locais de rádio (FM) se candidataram a prefeito. Desses, 94 saíram vencedores nas urnas(...).

Ainda sobre isso, da Silva nos diz:

A maior parte desses prefeitos radiodifusores atua em cidades muito pequenas do interior do país, locais em que essas rádios são a única fonte de informação disponível. Ter o controle criativo de um canal com esse tipo de visibilidade, podendo definir prioridades na programação ou ignorar solenemente pautas defendidas por adversários políticos, permite uma ferramenta poderosíssima de propaganda, um monopólio da informação, preparado não apenas para garantir eleições, mas também reeleições, pavimentando o sucesso do clã político.

Políticos, ou até mesmo membros do judiciário, que defendem o controle ou maior regulamentação de meios de comunicação querem apenas uma forma de regularizar a censura, permitindo de um lado a autopropaganda messiânica e de bom moço, e de outro cassando qualquer um que venha a querer manchar sua própria história política e administrativa, ainda que as informações disseminadas sejam verossímeis e plausíveis.

Nos últimos anos vimos uma disseminação maior sobre os crimes cometidos por políticos, boa parte devido ao acesso mais fácil à tecnologia, e ao surgimento da informação praticamente instantânea. Ao mesmo tempo em que é preciso ter cautela sobre o que recebemos como notícia aparentemente crível, é ainda mais necessário garantir a liberdade de informação e imprensa, que passa pela liberdade dos meios de comunicação de elaborar matérias críticas, denunciativas e esclarecedoras à população. Políticos que querem agir na contramão dessa liberdade, pretendendo permitir apenas que os veículos de comunicação em suas posses sejam os únicos em que a sociedade deve acreditar sem questionar já estão no caminho do autoritarismo. E a história demonstra que quando os meios de comunicação são controlados, controla-se o passado, o presente e o futuro, não sobrando nada além de uma verdadeira distopia.