Todos, Todas e Todes

Imagem ilustrativa.

GUILHERME LAPA | Muito tem sido comentado sobre a utilização da linguagem neutra, aquela em que se evita o uso exclusivo dos gêneros tradicionalmente conhecidos – masculino e feminino –, para a adoção de outros termos que permitam tornar a comunicação mais inclusiva, de modo a também contemplar aquelas outras pessoas que não se identificam com nenhum desses dois.

Nessa linguagem, os artigos femininos e masculinos são substituídos por outros, de modo a tornar a palavra neutra, a exemplo do que ocorre nas palavras “todos” ou “todas”, passando a “todes”, ou como alguns preferem, com a utilização do “x” ou do símbolo “@”, no lugar dos artigos definidores de gênero.

Essa ideia de tornar determinadas palavras mais inclusivas tem enfrentado a oposição de grupos conservadores que entendem que essas variações ferem a norma culta da nossa língua portuguesa, que, segundo eles, não permite esse tipo de variação. Deputados aliados desses grupos têm apresentado leis com o objetivo de vedar o seu uso, mas, recentemente, 11 (onze) dos ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam inconstitucionais, pelo fato de somente a União possuir competência para dispor sobre esse assunto.

Para além da análise jurídica que envolve o tema, está uma questão de fundo, a de que a utilização de palavras neutras na linguagem cotidiana representa inclusão e respeito às minorias, fazendo com que todos possam se sentir devidamente representados enquanto indivíduos, sem que um gênero se sobreponha a outro.

Antes, principalmente em eventos, era comum ser pronunciado o pronome “todos” para cumprimentar as pessoas presentes, independentemente de se ter ou não mulheres, como se o termo masculino estivesse a representar todos os gêneros. Hoje, em eventos do governo federal, além do “todos” e do “todas”, já é comum utilizar a expressão “todes” para designar também pessoas que não se identificam com os tradicionais termos. Quem assistiu à posse do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, percebeu que a linguagem neutra foi usada o tempo todo durante o evento.

E não vejo problema algum nessa utilização, por entender que mudanças acontecem na sociedade e todos nós devemos nos adaptar a elas, principalmente quando ocorrem em um ambiente de diversidade, que encontra suporte na nossa ordem democrática e nos valores dispostos na Constituição, principalmente o da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, não encontra amparo os que se posicionam contrariamente ao uso da linguagem neutra, sob o argumento de que estão preservando a língua portuguesa, e como tal, não deveria permitir novas adaptações. Ora, o nosso idioma é algo vivo, aberto para as novas realidades, novas palavras, novas expressões, novos significados, até porque a língua expressa fielmente a sociedade em que está inserida, e suas novas pretensões, adotando os termos necessários de modo a atender às novas necessidades. Sem isso será apenas um texto, desconectado da realidade.

Exemplo disso foi o convite feito pelo Museu da Língua Portuguesa, em 2021, para a sua reinauguração: “Nesta nova fase, o Museu da Língua Portuguesa representa o recomeço de um espaço aberto à reflexão, inclusão e um chamamento para todas, todos e todes os falantes, ou não, do nosso idioma: venham, voltamos”.

Vale dizer que o objetivo principal da criação do Museu da Língua Portuguesa, localizado em São Paulo, foi o de valorizar a diversidade da nossa língua, aproximá-la dos seus falantes em todo o mundo e de torná-la mais inclusiva entre todos os que a utilizam, o que justifica a linguagem neutra para uma comunicação em que todos se sintam representados, atendendo a uma velha reivindicação dos grupos historicamente segregados da sociedade e antes excluídos da norma gramatical do País.