A cumplicidade da população no banditismo estacionário do Estado
Imagem ilustrativa.
INALDO BRITO | Estudar ciência política é bastante útil para compreender o que está por trás de medidas e decisões governamentais. Ajuda também a entender o porquê de os representantes do povo preferirem dar ouvidos aos seus próprios impulsos, e os do partido, do que à população que eles dizem representar. Um dos conceitos que possibilita o entendimento da função do Estado e, sobretudo, dos representantes do povo é o do bandido estacionário.
Adriano Gianturco, em seu livro A Ciência da Política: Uma Introdução, define o que quer dizer esse conceito:
“A organização política passa do seu estado de ‘bandido nômade’ para o ‘bandido estacionário’. O primeiro só lhe toma parte da sua produção, o segundo lhe espolia, regulamenta a produção e a vida privada e tenta se autolegitimar alegando o cumprimento do bem comum.”
Ou seja, o Estado funciona como esse bandido estacionário que, não satisfeito por recolher fatias cada vez maiores dos impostos de seus “súditos”, ainda lhes impõe pesadas exigências, burocracias e regulamentos a fim de sufocar ideias, empreitadas e negócios.
É importante sempre lembrar que o Estado possui diversas mentes dando as cartas e impondo as regras necessárias para a continuidade do processo de extrativismo. Essas mentes se dividem entre os representantes do povo (os políticos) e os servidores do povo (funcionários públicos). Um dos grandes questionamentos que nos fazemos é como as pessoas podem odiar os políticos e amar o Estado, se são aqueles que detêm o controle deste? A ciência política também fornece uma resposta para isso.
Citando aqui novamente o livro de Gianturco, o “jogo do ditador” auxilia-nos a entendermos por que as pessoas tendem a se acostumar com essa relação amor e ódio entre políticos e o Estado. Gianturco nos explica:
“No jogo do ditador, um indivíduo (chamado ditador) decide unilateralmente como dividir uma certa quantia de recursos entre ele e um segundo jogador, que é completamente passivo e tem que aceitar qualquer decisão. A hipótese dos autores que inventaram esse jogo e dos críticos da natureza humana é que o ditador iria ficar com 100% dos recursos. Mas, nos vários experimentos conduzidos, esse resultado foi refutado. O ditador tende a dar alguma coisa ao segundo jogador. Isso pode acontecer por vários motivos: quer ser bem-visto, quer ter boas relações com seu próximo, quer se prevenir de uma eventual e futura relação contrária, tem alguma ligação pessoal com o outro jogador, entre outros. Os motivos variam. O ponto é que o ditador vai se beneficiar, mas também irá agradar alguns jogadores. O resultado é mais cooperativo do que era antecipado. Isso explica por que os autocratas, por exemplo, tentam gerar um bom desempenho da economia: em parte querem agradar o povo, e é um dos motivos que explicam a caridade.”
Ou seja, os políticos sabem que a maioria do povo os odeia, então, como eles possuem a máquina pública a seu favor, acabam satisfazendo a população com benesses – “caridade” – a fim de amansá-la. Essas benesses podem vir tanto na forma de subsídios para a compra de imóveis ou veículos, como no fornecimento de bolsas e auxílios. Mesmo aqueles que pertencem à elite econômica também são presenteados com favores e regalias a fim de serem mantidos sob controle. É a velha política do pão e circo que vem à tona com novas vestes, formas e modelos.
O que se pode constatar é que assim como há uma parcela enorme de representantes e servidores do povo que agem uniformemente para justificar suas decisões, privilégios e poderes com base exclusivamente numa suposta importância da atuação estatal na vida das pessoas, por outro lado, há também uma fatia gigantesca de pessoas que, por mais que notem a servidão coerciva em que são submetidos diariamente por conta da gestão governamental, ainda assim continuam crendo piamente que o Estado lhes é útil de alguma forma, mesmo não sabendo explicar o porquê ou não possuindo um exemplo digno para dar dessa importância da serventia estatal.
O fato de ter tantas pessoas que toleram esse banditismo estacionário do Estado (na figura dos representantes do povo – políticos e funcionários públicos) mostra como o brasileiro foi aos poucos entregando sua liberdade nas mãos de ineptos do governo sem mostrar nenhuma resistência. Aos poucos, os tentáculos do servilismo estatal foram transformando um número cada vez maior de seres racionais em defensores do Estado-babá. E os representantes do povo, que são os que conduzem e manuseiam esses tentáculos, obtiveram a melhor das vitórias.
Para finalizar, Gianturco expõe três motivos que elucidam o porquê de a maioria das pessoas não serem bons votantes. Dentre esses motivos, a ignorância racional é uma delas:
“A média e a maioria dos votantes são ignorantes em matéria política. Poucos sabem sequer os nomes dos ministros, as últimas legislações aprovadas, etc. Não é culpa de ninguém, é uma questão racional e óbvia. Adquirir informações tem um custo. As pessoas são ignorantes em política, e isso é normal e racional. Acontece porque o custo de se informar é muito alto, visto que implica acompanhar todos os eventos políticos (domésticos e internacionais), ler jornais, assistir a noticiários, ler as propostas, aprofundar-se em revistas especializadas, conhecer outros pontos de vista, estudar ciência política, economia, história, sociologia, direito, acompanhar os resultados profissionais dos políticos e muitos outros aspectos da política. E ainda mais: mesmo se alguém fizer tudo isso, a maioria da população não vai fazer a mesma coisa por falta de interesse, de tempo e de capacidade de entender. Logo, o benefício que se tem em estar informado e ‘votar bem’ é ínfimo e pequeno comparado aos altíssimos custos. Assim, ser e ficar ignorante é racional. Então a maioria das pessoas tem pouco conhecimento político, porque não é viável adquirir conhecimento sobre todas as opções, sobre todos os candidatos; como os votantes têm pouco conhecimento político, é difícil que saia um ‘bom resultado’ nas urnas.”
Se as pessoas não conseguem exercer bem a sua condição de votantes, dificilmente elas terão a capacidade de contestar quaisquer decisões que seus líderes e representantes tomarem, além de continuarem a ser presas fáceis para aqueles que conhecem bem os bastidores do poder. A máxima do pregador batista reformado britânico, Charles Haddon Spurgeon, nunca foi tão verdadeira e tão necessária de ser ponderada como é nos dias de hoje:
“Só os tolos acreditam que política e religião não se discutem. Por isso os ladrões permanecem no poder e os falsos profetas continuam a pregar.”
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