A ideia que domina a política e o ativismo social: faça o que eu digo e não o que eu faço
Imagem ilustrativa.
INALDO BRITO | “Os homens são tão simples que quem quer enganar sempre encontra alguém que se deixa enganar.” Nicolau Maquiavel
“Acuse os outros do que você faz.”; “Finja ser quem você não é.”; “Exija do outro aquilo que você não pratica.”. Esses hábitos de vida refletem bastante também as posturas políticas de nossos governantes e as muitas decisões e propostas legislativas que eles emitem enquanto no poder. Mas não só eles; mesmo aqueles que influenciam a opinião pública ou que, de alguma forma, possuem certo magnetismo popular demonstram um modo de pensar semelhante.
Pense, por exemplo naqueles que defendem que há um tipo de racismo histórico e sistêmico na sociedade e que todos os que não são negros possuem uma dívida histórica para com os ancestrais negros daquele determinado país ou localidade. O fato de haver essa dívida é um dos motivos, alegado pelos ativistas, de que a sociedade deveria privilegiar pessoas negras na educação, em certos empregos dominados por brancos e em qualquer outra condição onde eles não possuam representatividade.
Dinesh D’Souza, numa palestra na faculdade de Amherst-Massachusetts, ao ser questionado por um estudante sobre o fato de que havia injustiça social na América contra estudantes negros, respondeu-o com um desafio (o estudante que fez a pergunta era branco): ele cederia a sua vaga na faculdade para algum estudante negro? O estudante ficou meio desconcertado com a réplica, demonstrando que a motivação dele se devia muito mais a um tipo de falsa comoção social, ao exigir dos outros o que ele sequer tinha coragem de fazer, do que altruísmo. D’Souza explicou que se aquele estudante tomasse tal atitude (de ceder sua vaga para algum estudante negro), seria um bom exemplo para as demais pessoas, e talvez elas poderiam ser despertadas a agir de forma semelhante em suas vidas para tentar “reparar” tal injustiça social ou dívida histórica. O que D’Souza fez foi expor a hipocrisia que há por trás da maioria dos discursos de injustiça social que impera na sociedade atualmente.
No contexto político, então, é que as elocuções do início do texto se mostram ainda mais escancaradas e despudoradas. Para conquistar votos e eleitores em cima do muro, políticos fingem ser o que não são: ateus se tornam cristãos; amantes do churrasco se tornam veganos; machões se tornam apoiadores do empoderamento feminino; veneradores do Estado se tornam defensores do livre mercado; simpatizantes do aborto se tornam militantes pró-vida etc.
A máquina pública é utilizada com mais intensidade cada vez que chegamos mais próximo de pleitos eleitorais. O dinheiro público precisa ser torrado, distribuído e bem investido nas campanhas a fim de o objetivo ter êxito: construir um personagem transfigurado como bom-mocinho, como vítima, como herói, como um salvador, como um messias, como redentor de uma nação. Narrativas são elaboradas para que corruptos sejam vistos como injustiçados; destemperados como excêntricos; e parasitas como peças-chaves do principado político.
Vale tudo para se passar uma imagem de pessoa democrática (embora seus atos sejam meramente populistas), carismática (embora só se veja isso para com seus asseclas, apoiadores e correligionários) e republicana (embora o cabresto, compra de votos e o coronelismo seja utilizado numa ou noutra situação e sem nenhuma vergonha). Como diria Menotti Del Picchia: “A política é a arte de conciliar os interesses próprios, fingindo conciliar os dos outros.” O grau de fingimento dos nossos representantes só se compara ao nosso próprio na medida em que optamos por não vê-los como de fato eles são e a continuarmos venerando-os, protegendo-os e tendo-os como de estimação.
O fingimento político atinge seu ápice quando eles passam a acusar os outros daquilo que eles mesmos são. Você já deve ter cansado de ver aqueles bate-bocas onde o parlamentar X (investigado por apropriação indevida de dinheiro público ou desvio de verbas) começa o festival de impropérios contra um colega e no meio dos xingamentos e palavras chulas chama o outro de ladrão e corrupto. Chega a ser cômico se não fosse trágico.
Mesmo quando estão apenas dando uma entrevista, a metralhadora de acusações dos nossos representantes é carregada por adjetivos que caracterizam eles próprios. A ironia é que muitas vezes os parlamentares que ocupam o Conselho de Ética no Congresso Nacional são indivíduos sem nenhum tipo de decoro ou sinônimo de bom exemplo, em que pese o fato de alguns ocuparem assentos nessas comissões sendo investigados por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, por exemplo. O simples fato de serem investigados já deveria ser suficiente para declinarem de participar, todavia o escárnio em ingressar num Conselho de Ética revela toda a ponerologia por trás desses postulantes.
A degeneração de uma sociedade é possível de ser observada pelos representantes públicos e políticos que ela possui, bem como por aqueles que tentam influenciar a opinião pública. Quando eles exigem do povo o que não fazem; quando eles fingem ser quem não são, visando mais poder e privilégios; quando eles acusam os outros daquilo que eles mesmos praticam e procuram sair-se como vítimas ou sofredores nas mãos dos seus supostos algozes, o processo de alienação sociopolítica já corroeu o tecido civilizatório de nosso povo. Sentir-nos representados ou influenciados por alguém assim torna-se a prova viva de que não apenas o nosso discernimento foi anulado, mas a nossa própria humanidade.
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