A maior estratégia dos mentirosos e equivocados é se desviar da verdade
Imagem Ilustrativa
INALDO BRITO | Em sua obra clássica, “Como vencer um debate sem ter razão (em 38 estratagemas)”, Arthur Schopenhauer, no estratagema 29, explica o assim chamado método do Desvio. Nas palavras do autor, esse artifício se dá da seguinte forma:
Se percebemos que vamos ser derrotados, recorremos a um desvio, isto é, começamos de repente a falar de algo totalmente diferente, como se fosse pertinente à questão e constituísse um argumento contra o adversário. Isto se faz com alguma modéstia se tal desvio ainda se mantém no campo do thema questionis; e de modo bastante insolente, quando vai simplesmente contra o adversário e nada fala do tema.
Schopenhauer diz que há duas formas de se desviar do assunto: ou pegando o gancho do próprio assunto e começando outro que não tem nada a ver com o anterior (e fazendo isso sem se responder ao que foi questionado ou foi ventilado pelo opositor pouco tempo atrás), ou simplesmente tomando a rota da acusação pessoal, seja por rótulos ou difamações quaisquer, contra a pessoa que trouxe o assunto inconveniente.
É curioso como esse artifício do Desvio é muito bem utilizado pela maioria dos nossos representantes políticos ou figuras públicas que flertam com o autoritarismo. De um certo modo, é algo já estabelecido nos corredores e panteões do poder, sejam eles integrantes do judiciário, das polícias, das universidades, das instituições políticas etc.
Por exemplo: quando vem à tona que um determinado parlamentar, prefeito, governador, senador, vereador, deputado ou presidente da República está gastando o dinheiro público com mimos pessoais (tipo viagens não oficiais ou combustível para veículos da família), e repórteres ou jornalistas o questionam diretamente sobre o porquê de tais gastos, na maioria das vezes (quando ele não assume descaradamente que pode fazer isso pois a lei lhe permite) a tendência é desviar o assunto, seja acusando o jornalista de estar sendo invasivo, desrespeitoso e inconveniente seja jogando para o colo da oposição que ela “também faz a mesma coisa e ninguém fala nada”.
O exemplo acima é visto recorrentemente na política, principalmente nos escândalos de corrupção ativa e passiva, superfaturamento de licitações, nepotismo, locupletação, esquemas de “rachadinha”, “mensalão”, “petrolão”, operação “Lava-jato” e tantos outros mais em que os nossos representantes se veem com lama até o pescoço. Se você fizer buscas simples na internet acerca de quando esses acusados eram entrevistados ou até mesmo julgados, verá que na maior parte dos momentos eles estão tentando desviar o assunto, seja se vitimizando para que a opinião pública os veja como ingênuos seja acusando adversários políticos de tramar golpes contra eles. Por mais que eles nunca tenham lido Schopenhauer, acabam se tornado o exemplo perfeito do seu vigésimo nono estratagema.
Como já foi falado, esse estratagema faz parte da sociedade. Um exemplo crasso de consequência do uso dele é a desinformação e a geração de boatos. Nessa época de tantas Fake News, onde cada um diz possuir sua própria verdade dos fatos, por mais que não haja fatos verdadeiros, ao se expor as lorotas por trás dessas notícias ou informações, geralmente o criador de boatos também não reconhece seu pecado. Pelo contrário, ele envereda pelo mesmo artifício do Desvio, tal como nossos representantes políticos. Ou ele tenta desviar o assunto se atentando a uma palavra ou expressão que foi usada para desmascará-lo (e daí ele pula para outro assunto sem responder honestamente ao desmascaramento), ou ele também acusa grupos ou indivíduos de estarem tentando coibir sua liberdade de expressão, ou de o estarem perseguindo coercitivamente.
Situação parecida acontece também no que diz respeito a políticas de ação afirmativa. Se você demonstra por A mais B, por exemplo, que implementar políticas de cotas para privilegiar indivíduos de cores de pele diferentes, em vez de mitigar o preconceito e o racismo, vão agravar as diferenças e consequentemente estará contribuindo para haver mais racismo (dessa vez, inverso), e por mais que se mostre até mesmo cientistas e professores atestando tal fato, geralmente os grupos em defesa de cotas também usam o artifício do Desvio: ou eles não dão cartaz aos estudos que demonstram esses gargalos e agravamentos, preferindo, então, continuar com suas próprias opiniões utópicas de igualitarismo (ops, igualdade) a qualquer custo, ou acusam de racistas os que se posicionam contrários (numa categorização bem simplista do debate).
Em termos de geopolítica o uso desse estratagema é mais comum do que se imagina. Os nazistas, por exemplo, tentavam justificar seus crimes contra a humanidade dizendo estar purificando o planeta para não mais haver “raças inferiores”. Quando os estupros cometidos por soldados soviéticos vieram à tona na 2ª Guerra, alguns militares superiores desviavam do assunto justificando que na guerra sempre há efeitos colaterais e que a soma dos resultados benéficos poderia apagar o saldo negativo de mortes e abusos.
Mais recentemente, com a pandemia da Covid-19, o Desvio foi bem implementado pelas autoridades chinesas. Bastava que alguém se referisse ao vírus como “vírus chinês” para começar o embate e a “guerra diplomática”. A China, desde o começo da pandemia, procurou esconder do resto do mundo (OMS, principalmente) o que de fato ocasionou o surgimento do vírus e como ele se proliferou tão rápido. Ainda hoje, as autoridades chinesas não revelam tão fácil dados e informações sobre os processos de contenção do patógeno. Se já não fosse o bastante, o governo ditatorial chinês, em meados do fim do ano passado, acusava países ocidentais de possivelmente terem causado o surgimento do vírus por meio de mercadorias contaminadas exportadas para o território asiático. O país que originou e escondeu o alastramento do vírus para o mundo tentava assim se desviar da responsabilidade acusando outros países de serem propagadores da Covid-19. É surreal, mas se enquadra perfeitamente no vigésimo nono estratagema de Schopenhauer.
O livro de Schopenhauer não é um manual para você se tornar alguém ardiloso, desonesto, desleal ou hipócrita. Na verdade, é para você se proteger contra as falácias, bazófias e imposturas de pessoas que agem desonestamente nos discursos, conversas e debates. Entretanto, tal como sempre existiu no mundo indivíduos que fogem da verdade dos fatos e que preferem se apegar à falsidade e à ocultação de seus atos reprováveis e ímprobos, inclusive no século em que Schopenhauer escreveu seu livro (século 19), ainda hoje há os mentirosos, vitimistas, enganadores e irresponsáveis que querem se esquivar dos equívocos ocasionados por suas ações e proposições. São indivíduos que acham que só quem devem julgá-los são as urnas, o povo ou a quantidade de pobres que eles ajudaram. Desvie-se deles!
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