A veneração política é proporcional à cegueira política

Imagem ilustrativa.
Que época terrível é esta, onde idiotas dirigem cegos?” William Shakespeare
INALDO BRITO | Nossos sentidos são uma das engrenagens mais importantes do nosso corpo e peças-chaves para o nosso viver. Se você já perdeu o olfato alguma vez, principalmente em decorrência da Covid-19, deve saber o quão angustiante é, pois automaticamente o seu paladar também fica comprometido. Os sabores não se distinguem. Mastigar uma maçã ou jiló não tem diferença alguma. Muitas vezes só valorizamos algo quando deixamos de tê-lo, e é assim quando perdemos, temporariamente ou permanentemente, um de nossos sentidos.
Pegando esse gancho, os sentidos que mais deveríamos utilizar quando analisamos a política são a visão e a audição. Entretanto, não é de se admirar que muitos de nós nos fazemos de moucos para as notícias de corrupção dos candidatos, e cegos para as atitudes antiéticas de nossos postulantes. A paixão tresloucada tem o poder de não apenas cegar, mas também de ensurdecer aqueles que a possuem, na política então, nem se fala.
O fato de haver tantos apoiadores e seguidores de políticos, que os defendem a qualquer custo, independentemente das acusações, demonstra quão contraditórios e seletivos nós somos na interpretação de circunstâncias semelhantes. Uma mulher, por exemplo, que fica sabendo que seu namorado a está traindo, dificilmente volta a confiar nele. Mas é curioso que, quando essa mesma mulher, militante de algum político, fica sabendo de algum podre de seu político de estimação como, por exemplo, desvio de verbas ou lavagem de dinheiro ou rachadinhas, conquanto até mesmo leve à sua condenação e prisão, surpreende-nos que ela ainda continue confiando e depositando suas esperanças nele.
O namorado adúltero não pode barganhar sua traição jogando na cara da namorada os anos em que ele supostamente a tratou bem e cuidou dela, pois isso só faz agravar sua situação atual, além de dar margem para se pensar se todos aqueles mimos que ele praticou para com ela eram sinceros ou simplesmente um “cala a boca” para ela não criticá-lo quando ele cometesse erros tão graves como um adultério, por exemplo.
O político corrupto é semelhante a esse namorado adúltero. Ele pode até dar alguns mimos para os seus eleitores, inclusive englobando toda a população, mas a função dessas migalhas é única e exclusivamente calar a boca da população quando os crimes, que ele praticava às escondidas e nos bastidores do poder, vierem à tona. É por isso que volta e meia vemos pessoas comentando: “Dizem que Fulano roubou. Eu não sei se é verdade, mas, mesmo que seja, ele fez tanta coisa pela gente e pelos mais pobres que, se fosse pra votar nele de novo, eu votaria.”
Uma analogia ainda pior do que essa do adultério seria a do sequestro ou estupro. O sequestrador é aquele que captura a vítima, leva-a para o cativeiro, em muitas das vezes até abusa sexualmente dela. Em alguns casos, a vítima em vez de possuir ojeriza pelo bandido, acaba criando empatia por ele. Esse comportamento é chamado de Síndrome de Estocolmo. A vítima acaba se tornando solidária e até mesmo leal ao sequestrador, conquanto num primeiro momento ele a tenha agredido, causado pânico e restringido a sua liberdade.
Na política, os políticos criminosos “sequestram” o discernimento das pessoas, de forma que elas deleguem sua capacidade crítica e seu raciocínio àqueles que as representa. Aquele que é cego e mouco pelo político ou partido “X” acaba se tornando um mero gado eleitor, cujo mínimo som do berrante do seu ídolo é mais que suficiente para balançar o chocalho preso em seus pescoços e se posicionarem prontos a segui-lo para onde ele mandar.
Mesmo o eleitor que não é militante acaba se tornando empático pelo político criminoso que assalta os cofres públicos. Ele não vê que tudo o que o Governo lhe oferta está aquém do que ele mesmo poderia conseguir se o próprio político não o atrapalhasse. Harry Browne resume esse ponto da seguinte forma: “O Governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: ‘veja, se não fosse pelo governo, você não seria capaz de andar!’.”
O nosso nível de tolerância a políticos deveria ser mínimo. Podemos votar em alguém, todavia, assim que soubéssemos que ele está sendo investigado por algum crime do colarinho branco, deveríamos automaticamente retirar nossa confiança nele. Entretanto, vivendo como cegos apaixonados e moucos deslumbrados, optamos por fazer dele um mártir, herói, mito ou paladino, anestesiados por um entorpecente político-ideológico que nos coloca numa bolha ou num mundinho próprio, tornando mais fácil sermos manipulados e usados como massa de manobra.
Infelizmente, nesse ano de eleição, muitos de nós continuaremos cegos e moucos para os crimes e falta de decoro que os postulantes aos cargos políticos mais importantes da nação demonstram. Não há nenhuma boa escolha entre optar por ser governado por um batedor de carteira mentiroso ou um trombadinha dissimulado. Lamentavelmente, esse será o desenho de muitos segundos turnos para governos estaduais e, principalmente, presidência da República. Shakespeare continua mais atual a cada dia!
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