Às vezes, é só a vida acontecendo

Imagem ilustrativa.
MÔNICA BASTOS | Nos últimos anos, a valorização da saúde mental se tornou tema de debate público. Passamos a falar com mais abertura sobre emoções, traumas e transtornos psicológicos. Aprendemos a reconhecer padrões tóxicos, a dar nomes aos sentimentos, a procurar ajuda quando necessário.
O tabu em torno da terapia diminuiu, profissionais da área ganharam visibilidade e o autoconhecimento tornou-se uma ferramenta presente no dia a dia. Isso abriu portas para conversas urgentes, o que representa um avanço significativo.
No entanto, como todo movimento social, esse também precisa ser olhado com senso crítico. Um dos efeitos colaterais dessa sensibilidade emocional é a tendência de interpretar todo incômodo como um sinal de que algo está errado, como se todo desconforto precisasse de um diagnóstico preciso ou de um tratamento imediato.
É claro que a escuta atenta ao sofrimento humano deve ser incentivada. O problema não está em procurar ajuda, mas em esquecer que viver, por si só, já implica lidar com adversidades, com as frustrações naturais da existência. Relações que mudam, esperas que cansam, sonhos que não se realizam.
Tristeza, decepção, insegurança, todas essas emoções fazem parte da experiência humana e não precisam ser evitadas a qualquer custo. Algumas dores não vêm de traumas, nem de distúrbios mentais, mas da própria imperfeição da vida.
O excesso de análise e rotulação pode transformar o que é passageiro em permanente, e o que é natural em patológico.
Há uma diferença entre validar nossos sentimentos e nos afogar neles. Validar é reconhecer a dor, mas confiar na própria capacidade de atravessá-la. Quando tratamos todo incômodo como um problema a ser resolvido com urgência, corremos o risco de nos tornarmos emocionalmente frágeis, pouco tolerantes à frustração e dependentes de explicações externas para seguir em frente.
Estamos formando uma geração com mais consciência emocional, mas com pouca tolerância aos desafios da vida. Uma geração que espera que tudo tenha nome, motivo e solução rápida. Mas a vida, muitas vezes, é confusa, sem explicações claras. Às vezes, o que dói é simplesmente o fim de um ciclo, o fracasso, o não, as coisas que não aconteceram como gostaríamos. E isso é difícil, mas não é uma tragédia. É apenas a vida.
Reconhecer essa realidade não significa voltar a esconder sentimentos, banalizar o sofrimento, nem negligenciar os transtornos mentais reais. Pelo contrário, significa integrá-los com mais naturalidade. Entendendo que sentir raiva, medo, cansaço e insegurança, faz parte da nossa existência. E que viver não é evitar o sofrimento a todo custo, mas saber que ele também passa.
É urgente equilibrar o discurso. Sentir desconforto não é, por si só, sinal de doença. Em alguns casos, a cura está em aceitar o que se sente, aprender com a dor e seguir. Sem drama, sem pressa, sem diagnóstico.
Nem toda angústia é um alerta. Às vezes, é só a vida acontecendo, e aprender a viver com isso também é saúde mental
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