Bolsonaro assina medida provisória que limita poder das redes sociais para tirar publicações do ar
Foto: Cristiano Mariz/Agência.
Medida era defendida pela ala ideológica do governo, que critica plataformas por moderação de publicações
BRASÍLIA — Na véspera dos atos de 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que dificulta a atuação das redes sociais para apagar conteúdos de usuários. A MP é uma resposta do governo à atuação das principais plataformas da internet e um aceno à mlitância digital bolsonarista, que tem sido alvo de remoções nas redes sob acusação de propagar conteúdos falsos. Especialistas acreditam que a MP pode permitir a propagação de informações falsas e o discurso de ódio, e parlamentares de oposição ao governo já sinalizam que devem entrar na Justiça contra a medida.
A preparação da norma pela Secretaria de Cultura foi revelada pelo GLOBO em maio deste ano. Desde então, integrantes da secretaria e do Palácio trabalharam para adequar a medida provisória, que foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.
No ano passado, as plataformas de redes sociais removeram publicações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro e por aliados, como o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, contendo informações falsas sobre a Covid-19. Na ocasião, o Twitter argumentou que havia implantado regras para impedir a propagação de mensagens que aumentassem o risco de transmissão da doença.
Segundo Marco Antônio da Costa Sabino, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e advogado do escritório Mannrich e Vasconcelos, a medida provisória não atende aos critérios de urgência e relevância necessários para a edição de uma norma desse tipo. As medidas provisórias são editadas pelo presidente e, a partir de sua publicação, já tem peso de lei enquanto tramitam no Congresso Nacional.
— É uma medida provisória que no nosso entender pode carecer dos requisitos de relevância e urgência. É difícil tratar de urgência uma medida que está sendo discutida desde maio. A urgência me parece que é uma urgência do 7 de Setembro e atende a findalidades privadas — afirmou.
Sabino destacou, por exemplo, que a medida provisória não incluiu entre os motivos para a remoção de conteúdo questões como fake news e desinformação. Para Carlos Affonso Souza, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS), a edição da medida provisória é uma reação de Bolsonaro e de seus aliados após a decisão do TSE que desmonetizou canais de aliados.
— A sua edição na véspera do 7 de setembro também revela um certo simbolismo: ela é o grito de independência dos apoiadores do Presidente que entendem como censura a aplicação das regras das plataformas e das leis brasileiras que impedem a disseminação de discursos falsos e danosos envolvendo temas de saúde pública e a integridade das eleições. A MP torna mais difícil para as redes sociais controlar o discurso que mente, ataca e desinforma — afirma.
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que foi relator do Marco Civil da Internet em 2014, quando a lei foi elaborada, criticou a iniciativa do governo Bolsonaro.
"Seu objetivo não é proteger a liberdade de expressão, o que o MCI (Marco Civil) já faz. O que deseja é impedir que a desinformação e o discurso de ódio que ele e seus apoiadores espalham possam continuar a ser removidos pelas plataformas. Não conseguirá", escreveu Molon nas redes sociais.
O deputado disse ainda que pedirá ao Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que devolva a MP ao Palácio do Planalto, para que sequer possa tramitar no Legislativo. Além disso, avisou que ingressará com uma ação na Justiça para derrubar a medida. Líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), também disse que está articulando com as demais lideranças de oposição para que Pacheco devolva o texto.
Como o texto chegou nesta segunda-feira ao Congresso, a consultoria legislativa ainda analisará o texto para verificar se de fato é o caso de sequer analisar o mérito na iniciativa do governo.
Segundo o texto da MP, as redes sociais só poderão retirar conteúdos em determinados casos explicitados na medida provisória, como no caso de inadimplência, contas falsas, contas automatizadas (robôs), contas que ofereçam produtos falsificados ou por determinação judicial — neste caso, por exemplo, continuarão válidas as ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) para remover contas das redes sociais, que têm sido proferidas para combater ataques às instituições democráticas.
Além disso, a medida provisória indica uma série de possibilidades que justificam a retirada de conteúdo, como publicações que contenham nudez, incitação a crimes ou a violência, disseminação de vírus, entre outros.
A MP cita que a "prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado" também será motivo para retirada de conteúdo.
Parlamentares criticam medida
Outros parlamentares da oposição também reagiram. Para o líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), Bolsonaro assinou o texto “apenas para animar a claque” às vésperas das manifestações de 7 de setembro. O petista diz ainda que esse será o primeiro caso de “MP fake”, que não deve ser aprovada.
— Aparentemente, Bolsonaro faz mais uma investida no sentido de proteger os propagadores de fake news. Nos Estados Unidos, Donald Trump foi banido do Facebook e do Twitter. No Brasil, até agora as redes sociais apenas removem posts e suspendem temporariamente quem propaga notícias falsas, faz posts racistas ou de ódio. Muitos deles acabam reincidindo na prática e agora estão tendo que responder a processos judiciais —disse o senador.
Para o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Diogo Rais, a norma contraria o Marco Civil e ignora o debate público que o criou. De acordo com o pesquisador, a norma ignora a complexidade do assunto e pode ser ineficaz no que se propõe, além de criar outros problemas.
— Embora a MP não se refira a fake news, ela age no ponto central da moderação de conteúdo criando uma limitação excessiva na atuação das plataformas com conceitos abertos que parecem refletir uma espécie de estatização das redes sociais por um instrumento indevido e sem debates ou participação da sociedade ou do Parlamento — afirmou.
Para o advogado Omar Kaminski, especialista em Direito Digital, a medida provisóra tem como foco a limitação de moderação de conteúdos pelas redes sociais e resguardo da propriedade intelectual.
— Em resumo, a MP cria dificuldades ou impede que as redes sociais removam conteúdos. Antes a remoção se dava tão somente por violação aos termos de uso — disse.
Os defensores do projeto afirmam que as redes sociais atualmente tem cerceado a liberdade de expressão dos usuários ao remover conteúdos. Durante a pandemia, vídeos do presidente defendendo medicamentos sem eficácia, por exemplo, foram retirados do ar.
Uma novidade em relação à versão original que circulou em maio foi a inclusão da regulamentação de como as redes sociais deverão oferecer possibilidades para os usuários contestarem decisões de retirada de conteúdo.
A medida provisória prevê que as redes sociais ofereça informações claras sobre políticas de moderação de conteúdo e ofereçam possibilidade de recurso para os usuários. Esses recursos, se bem-sucedidos, deverão levar à restituição da publicação ou ao restabelecimento de contas suspensas.
Nas últimas semanas, o Tribunal Superior Eleitoral desmonetizou canais de aliados do presidente nas redes sociais, que não poderão mais receber recursos obtidos pela sua audiência. Os canais foram acusados de propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas.
O Globo
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