Brasil: como um país consegue se destacar tanto no ruim (sendo um dos primeiros) como no bom (sendo um dos últimos)?
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INALDO BRITO | É inerente ao ser humano a busca por se tornar o melhor naquilo em que atua, pelo menos a maioria demonstra isso. Se você se vê como bom em alguma coisa, é provável que você sempre procurará melhorar ainda mais o seu desempenho. Assim o é, por exemplo, com os atletas. Eles treinam incansavelmente para aprimorar suas qualidades, corrigir seus erros e estar aptos para se apresentarem nas competições da melhor forma possível com o objetivo de estar ranqueado entre os primeiros, de preferência no pódio.
Entretanto, se isso pode ser louvável quando a busca é, digamos, “virtuosa”, há outros modos de ranquear indivíduos, empresas ou países, por exemplo, que não é tão honroso assim. Por exemplo, figurar entre um dos países com o maior número de homicídios não é o desejo de nenhum governo, mas é nessa situação que como povo brasileiro estamos. Alguns rankings que mencionarei aqui demonstrarão como temos trocado o anseio por desenvolvimento pela acomodação na miséria e descaso.
No que diz respeito à economia (e, acredite, tudo gira em torno da economia, quer se goste, quer não), o Brasil continua tendo desempenhos pífios nos rankings que envolvem “Ambiente de negócios”, “Liberdade econômica” e “Entrada de investimentos estrangeiros”.
Com relação ao primeiro, o país caiu da 123ª para 125ª posição, entre 190 países, no quesito facilidade para se realizar negócios. Alguns fatores justificam essa queda, dentre eles ainda continuamos a ser líder no ranking de gastar mais tempo para calcular e pagar imposto. Em pesquisa realizada pelo Banco Mundial, o relatório aponta que as empresas brasileiras gastam (ou “perdem”) em torno de 1.500 horas por ano só com tributos. E o pior é saber que depois de pagarem tantos impostos, eles ainda serão mal alocados, fato que se liga diretamente ao porquê de o Brasil também liderar o ranking de mau uso de impostos, conforme à última edição do Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade que realiza o levantamento entre os 30 países que possuem a maior carga tributária do mundo.
Em relação ao Índice de Liberdade Econômica, já expus em vários outros artigos aqui nessa coluna o porquê de ele ser tão importante em ser observado. O índice leva em consideração vários aspectos de ordem econômica, política e jurídica com fito a ranquear de forma honesta e imparcial os países analisados. Na divulgação mais recente do índice, o Brasil subiu apenas uma posição (da 106ª para a 105ª), mas ainda se encontra entre os países que possuem menos liberdade econômica, dentre os 162 que fazem parte do levantamento. Fatores como tamanho do governo, ou seja, atuação tentacular do Estado, sistema legal e direito de propriedade (a tão famosa segurança jurídica, ou podemos chamá-la de in-segurança jurídica), além de liberdade de trocas comerciais sem tanta burocracia são alguns dos componentes levados em consideração. Como vivenciamos o enorme peso burocrático, o agigantamento estatal paulatino e as incertezas jurídicas (“dos que ao mal chamam bem e ao bem chamam mal”) não é de surpreender que o país se encontre em posição tão ridícula.
Por último, o ranking que trata sobre os principais destinos de investimento estrangeiro informa que o Brasil perdeu posições nele (caiu para a 24ª posição dentre os 25 que fazem parte do levantamento), demonstrando mais uma vez que os fatores explicitados anteriormente junto com a má administração de crises econômicas e sanitárias afasta qualquer investidor que possui em bom funcionamento o tico e o teco.
Se isso já não fosse o bastante, ainda caímos no ranking mundial de educação em matemática, conforme o Pisa de 2018, e ciências, além de termos empacado no quesito leitura. Ou seja, didática, plano curricular e capacitação de professores parecem não ser algo levado em consideração pelos gestores públicos, principalmente nas secretarias educacionais, para alavancar o nível de aprendizado dos alunos. Em contrapartida, sindicatos e professores insatisfeitos (muitos sem demonstrar vocação para o ensino) fazem greves por maiores salários, fingem ensinar e deixam os alunos à deriva.
Do outro lado do pêndulo, temos um outro ranking, dessa vez sobre os gastos com servidores públicos. O Brasil é ranqueado na 7ª posição, dentre 70 países que fazem parte da pesquisa, conforme dados disponibilizados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O Banco Mundial em outra pesquisa ainda lá em meados de 2015-2016 já havia sinalizado que o funcionalismo público tem “parasitado” (ele não usou essa palavra, mas implicitamente é o que se depreende do relatório) os cofres públicos de forma assustadora, quase beirando um processo de farra do dinheiro público para pagamentos de altos salários e despesas que mais se enquadram em privilégios para empregados que já ganham relativamente bem do que necessidade de fato.
No ranking que estabelece os países com o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o Brasil também caiu de posição (da 79ª para 84ª) dentre os 189 países considerados pela ONU. Em contrapartida, o país subiu no ranking mundial de corrupção, figurando agora na posição 94ª, patamar que ainda é considerado “muito ruim” pelo índice de Transparência Internacional. É curioso como o ranqueamento nesses dois índices demonstra a inversão de valores que nossos representantes políticos têm dado ao país: enquanto uma mão se mantém fechada para investimento público adequado em educação e saúde (que são critérios básicos para o desenvolvimento social), a outra mão sonega o dinheiro que seria destinado para esses mesmos investimentos.
Para concluir, ainda temos alguns rankings recentes que atestam a ingerência governamental que o país atravessa nesse período de pandemia. O Brasil saiu da lista das dez maiores economias do mundo e caiu para a 12ª posição, em virtude da diminuição de sua produção interna, que se liga diretamente às incertezas jurídicas e políticas no trato com o empresário e a indústria nacional, além das medidas de contenção ao vírus serem tomadas na base da efusividade e calor do momento, sem a análise adequada e ponderada de cada fase da onda pandêmica.
Nossa moeda foi a quarta que mais se desvalorizou nesses últimos meses. Só perdemos para Sudão, Líbia e Venezuela – países que já atravessam crises internas, guerras civis e governos ditatoriais há anos, senão há décadas. Analistas financeiros continuam a sugerir aos investidores internos que comecem a fazer aportes em dólar ou outras moedas mais fortes, justamente para que não fiquem susceptíveis a essas oscilações frágeis que o Real volta e meia é acometido, além de que garantir patrimônio em países mais estabilizados economicamente é a forma mais segura de se afastar dos altos níveis inflacionários da moeda local.
Com tudo isso, não é de surpreender que o Brasil apareça agora nas últimas posições no ranking que lista os “melhores países para se estar na pandemia”, segundo a Bloomberg. Dentre os 53 países listados, o Brasil se encontra na 50ª posição. Ao mesmo tempo que isso é constrangedor, também revela a forma inepta como muitos dos nossos governantes trataram (e ainda tratam) a crise pandêmica, seja por não recusar contratos com fornecedores de vacina e insistir em tratamentos duvidosos e sem comprovação científica, seja por não seguir um plano adequado de reabertura econômica local.
Essa última informação atesta tudo o que foi explanado anteriormente. A derrocada que o país atravessa, demonstrado pelos rankings citados, não é algo que aconteceu da noite para o dia, pelo contrário, foi um processo sucessivo de priorizar o desnecessário, valorizar o que é fútil, dar poderes demais a ineptos e ludibriar o povo com migalhas. Tudo regado a muito populismo, patrimonialismo, assistencialismo e estatismo. A corrupção moral que vivenciamos dia após dia nos corredores das prefeituras, Câmaras e Senado, órgãos de Justiça e demais instituições públicas, bem como nas ruas, na família e na nossa vizinhança, sinaliza também falta de capital moral. Por mais que o país melhore suas posições nos principais rankings econômicos e sociais, mostrar-se-á em vão se o capital moral não for a tônica dos nossos atos, decisões, processos de engajamentos e relacionamentos.
O Brasil conseguiu a façanha ao longo das décadas de se tornar um dos piores entre seus concorrentes na maioria das pesquisas que sinaliza o que deveria ser virtude ao mesmo tempo em que conseguiu se tornar exímio ou em destaque naquilo que é indecoroso. É desanimador constatar isso! E talvez seja o recorte que explique por que somos o país do jeitinho, da malandragem, da impunidade, da inveja (social e financeira), do “rouba, mas faz”, do analfabetismo (educacional e funcional), do “direitos máximos, deveres mínimos”, do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, do “você sabe com quem está falando?”, de funcionários públicos “fantasmas”, dos “laranjas”, dos “coronéis”, das oligarquias, dos currais eleitorais, do dinheiro na cueca, das malas de dinheiro em “apartamento-bunker”, do tráfico de influência, do logrolling político, dos gurus intelectuais, do fanatismo e movimentos de massa... enfim, é a tampa se encaixando perfeitamente na panela, infelizmente.
Um comentário
Sheine Santos de Souza
30 de Março de 2021 às 17:43Muito bom texto que expressa fielmente aquilo que o Brasil vem sofrendo há tempos imemoriais! Um país com imensas capacidades de crescimento (tem tudo para isso)mas,infelizmente,as coisas não acontecem. O crescimento,o desenvolvimento,o compromisso com uma educação de qualidade,o combate a corrupção e outras necessidades essenciais para o sucesso de qualquer nação,infelizmente(recorrentemente)ficam reféns das propagandas políticas que 99,99% das vezes,ficam estáticas por lá,mesmo! Já passou da hora de colocar o \"Ordem e Progresso\"de nossa bandeira em ação!