Dois eventos, uma data e a ingenuidade do eleitor
Imagem ilustrativa.
Curiosamente, não sabemos se por intenção ou mera coincidência, o primeiro turno das eleições deste ano será na mesma data em que se comemora a Proclamação da República, 15 de novembro. Claro, é um domingo, mas não deixa de chamar a atenção o fato de que a data em que muitos comemoram hoje como a mudança para uma nova forma de governo tem se demonstrado como apenas mais uma comemoração vazia e utilizada como mero oportunismo por políticos.
O que talvez nos passa despercebido nas aulas de História do Brasil é que o que motivou tal ato proclamado, que alguns chamam de golpe republicano, foi basicamente a insatisfação de alguns militares do Exército e fazendeiros, principalmente produtores de café, com a forma como D. Pedro II conduzia o Brasil, com seu jeito cada vez mais democrático de governo, tendo como a principal façanha no Segundo Reinado a própria abolição da escravatura, que era mão-de-obra barata para os latifundiários.
Esse tipo de sistema à época, basicamente parlamentarista, era nocivo aos ideais dos militares que preferiam um sistema presidencialista, mesmo não tendo êxito em nenhum país na época, a não ser na nação americana. Para os proclamadores da República era preferível que as decisões governamentais do país fossem tomadas por apenas um único homem, na figura de presidente, do que continuar nas mãos de um gabinete supervisionado pelo imperador. No fundo, a intenção dos proclamadores era manter seus privilégios e conquistar mais poder, nada muito diferente do que há hoje na política brasileira.
Não defendo um governo monárquico. Creio que a era dos reis já teve seu lugar mais que suficiente na história, não sendo à toa que mesmo alguns países possuindo monarcas como figuras públicas (chefes de Estado), ainda assim não são mais os próprios que definem os rumos do país, e sim, geralmente, um primeiro ministro ou chanceler (Chefe de governo). Entretanto, creio que o golpe republicano até poderia ter sido mais tolerado se, ao menos, fosse mantido o parlamentarismo como sistema do que alterado para presidencialismo.
O fato é que nos tornamos da noite para o dia uma República presidencialista, mas, em vez de melhorarmos como nação, criamos uma cultura política onde a sede por mais poder e a manutenção de privilégios se sobrepõe aos interesses dos cidadãos que formam essa própria nação. Nossa história presidencial, por exemplo, é um misto de comédia paspalhão com tragédia troiana. Nosso primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, foi exonerado do cargo da mesma forma que expulsou o último imperador: por meio de ameaça militar. A partir daí, egos inflados e as trocas governamentais entre políticos do “café com leite” na cadeira presidencial eram a tônica da República Velha.
Ainda passamos por dois períodos ditatoriais – a de Vargas e a dos próprios militares –, sendo intercalados por um cognominado período democrático, o qual rios de dinheiro foram direcionados para a construção da nova capital do país, conquanto os níveis de analfabetismo da população se mostrassem cada vez mais altos e a educação básica (sempre ela) era pouco valorizada pelos governantes. Depois que a ditadura militar chega ao fim, eis que começa um novo período, a Nova República, mas que de nova não tinha nada se quem a integrava eram as mesmas velhas raposas sedentas por mais poder – é só lembrarmos que nas primeiras eleições populares pós-ditadura militar, por causa da morte de Tancredo Neves, quem assume a presidência é o seu vice, José Sarney.
Nessa Nova República, que ainda vigora, tivemos (e ainda temos) um amálgama de vários tipos de governança: populismo, incompetência, corrupção, assistencialismo, clientelismo, corporativismo etc. Sendo assim, o que há para se comemorar no dia 15 de novembro? Pelo contrário, há muito mais para chorar e corar de vergonha. E, se já não fosse o bastante, a nossa lembrança dessa data se tornará ainda mais detestada por conta do que se denomina de dever cívico – ao menos detestada por aqueles que não se iludem com o cenário político.
Se compreendermos de fato o que é a política, nossa forma de votar não será mais a mesma. Em vez de votarmos naquele que consideramos como o melhor candidato, na verdade mudaremos a consideração feita, sendo trazido à tona não que aquele candidato seja o melhor entre os demais, mas sim que ele é o menos pior, pois na história política não há espaço para os bons e melhores. E isso vale para qualquer cargo, inclusive prefeitos e vereadores.
Se continuamos defendendo o nosso voto em determinado candidato por ingenuamente acreditarmos que ele é o melhor para nossa cidade ou país, persistiremos no caminho da ilusão política e da servidão voluntária aos nossos representantes republicanos. E, acredite, talvez uma das bases dessa República ter sido aceita tão passivamente e caído tão bem no Brasil se deve justamente a essa postura de bananas que muitos de nós ainda possuímos, mesmo com toda a disseminação de informações mais rápida e mais fácil atualmente.
Enquanto continuarmos sendo facilmente ludibriados por candidatos, que querem nos fazer ver algo bom numa data que após sua proclamação só fez realçar os caráteres corruptos e incompetentes de seus postulantes e detentores de cargos políticos, permaneceremos nesse caminho ilusório do lambebotismo que tem se transformado no verdadeiro ópio das massas.
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