Em ano de eleição, muitas urnas se transformam em lixeiras
Ilustração.
INALDO BRITO | A cena se repete a cada 4 anos. Esquinas ganham postes com luzes em LED, meios-fios são pintados, placas são trocadas por outras mais novas, ruas são asfaltadas e recebem novas sinalizações etc. Gestões municipais, em ano de eleição, aceleram suas atividades de infraestrutura urbana: praças são entregues, ainda que pela metade; escolas são inauguradas sem mobiliário específico; hospitais recém-acabados são abertos, mesmo não tendo equipamentos suficientes etc.
Não é errado mostrar serviço. A pergunta que nos fazemos é por que, coincidentemente, isso acontece com mais constância e rapidez em ano de eleição. A ciência da política tem a resposta:
“Antes de uma eleição, os líderes políticos têm o incentivo de criar um desenvolvimento artificial (uma bolha), utilizando as políticas públicas (geralmente as fiscais e as monetárias) para ganhar as eleições.
Mesmo com boas intenções, atos como asfaltar uma rua, construir uma ponte, reformar um hospital, longe das eleições, podem ser esquecidos por parte da população. Há, então, um incentivo para fazê-lo perto da época dos pleitos eleitorais, para que tais atos sejam publicizados e aumentar as chances de reeleição.” (FONTE: A ciência da política: uma introdução – Adriano Gianturco)
Ou seja, como a população tem memória curta, vem a calhar para o gestor municipal deixar para realizar obras públicas apenas para o final do seu mandato. Com isso, temos dois cenários futuros possíveis:
1)Se ele for reeleito, mesmo tendo estourado o limite orçamentário na realização de tais obras, poderá aumentar impostos perante seus governados a fim de cobrir os gastos efetuados no último ano de mandato.
2)Caso não seja reeleito, deixará para o sucessor o problema desse endividamento, tendo agora este a infeliz tarefa de aumentar a arrecadação tributária perante aqueles que o elegeram.
Enquanto no primeiro caso, a população, como tem memória curta, assimilará sem muito alarde o aumento no pagamento de impostos para cobrir as obras públicas realizadas no ano eleitoral pelo gestor reeleito – já que possuem também olhar a curto prazo –, no segundo, essa mesma população tenderá a criticar unicamente o sucessor por este ter aumentado impostos logo no seu primeiro ano de mandato, mesmo que essa população não compreenda que as obras públicas realizadas pelo antecessor, e que extrapolaram o limite orçamentário, foram a causa da atitude tomada pelo novo gestor.
Em suma, o que podemos concluir é que, independentemente da necessidade e urgência de obras na cidade, o eleitor deveria ficar ainda mais cauteloso em exaltar o que o político A ou B está fazendo pelo município, ainda mais se for em ano de eleição. Até porque, o dinheiro para a realização de tais obras sai do bolso do eleitor, e políticos, em sua grande maioria, pouco se importam em utilizar ao bel-prazer o dinheiro que não é deles, mesmo que seja para fingir estarem trabalhando em prol da população.
Outra cena que tende a se repetir em períodos de eleição é a continuidade de candidatos ruins eleitos. Muitos nem precisam fazer muito esforço para se elegerem ou se reelegerem. Novamente, a ciência da política também explica esse fenômeno de déjà vu:
“Onde há poucos incentivos, os piores podem chegar ao topo. Se houver poucos incentivos a se tornar político, seja porque o salário é baixo, a reputação é péssima ou não se acumula nenhum poder, poucas pessoas desejarão a carreira política. Haverá pouca concorrência e teremos então políticos ruins. (...)Os melhores se recusam e as massas podem aceitar um líder de menor qualidade.” (FONTE: Ibid)
Isso se aplica a todos os cargos eleitorais. Os casos mais gritantes, que damos mais importância, são sempre aqueles que integram cargos de lideranças municipais, estaduais e nacionais (prefeitos, governadores e presidente). No entanto, pouco atentamos para as funções legislativas (vereadores e deputados), e, por incrível que pareça, são nessas funções onde há o maior número de políticos ruins que defenestram uma enxurrada de políticas públicas ruins e leis ruins para suas circunscrições eleitorais.
Como já dito, os cargos legislativos deveriam ser aqueles que a população deveria dar maior importância numa eleição, pois é na Câmara ou Assembleia onde se propõem e aprovam leis que têm o poder tanto de alavancar uma sociedade como de sucumbi-la. Tomando como exemplo simples os candidatos a vereador, muitos desses adentram na vida política sem saberem os mínimos deveres da sua função ou, se são da oposição do gestor municipal eleito, se engajam apenas no papel de fiscalizadores da Administração (que é um dos seus deveres), sem nenhuma contribuição legislativa positiva para o município durante o mandato.
No entanto, mesmo nessa função de elaborador ou aprovador de leis, a mentalidade que domina a cabeça do legislador é sempre voltada para concentração de benefícios sobre um determinado nicho. Sendo assim, enquanto na campanha os candidatos apelam pelos votos de todos os grupos e estratos sociais, quando eleito, suas decisões e elaboração de leis tenderão a pesar mais em benefício do nicho o qual ele faz parte. Isto é, se ele é sindicalista, lutará mais em prol dos seus companheiros de sindicato; se é religioso, a luta será mais por seus irmãos de fé; se é professor, lutará pelos direitos dos seus colegas de docência etc. No fundo, é a retroalimentação do classismo.
Mesmo esse comportamento também é explicado pela ciência da política:
“Visto que cada deputado federal é eleito no próprio estado, na própria região, quando se está discutindo como alocar recursos federais, ele irá sempre tentar gastar aqueles recursos no próprio estado para os próprios eleitores e não para o bem do país. Isso é [chamado de] Pork Barrel System: projetos nacionais que beneficiam o eleitorado local e específico de cada representante.
A mesma dinâmica acontece com senadores, deputados estaduais e até vereadores (grifo meu). Cada um é eleito em determinado local e naquela localidade específica nem todos são eleitores dele, geralmente cada um tem seus nichos de eleitorado. É por isso que nos discursos cada político defende alguns grupos específico: agronegócio, LGBT, evangélicos, quilombolas, militares, sindicalistas ou empresários.” (FONTE: Ibid)
Infelizmente, a postura dos eleitores acaba sendo acomodada, ingênua e preguiçosa perante os seus representantes, mesmo sendo estes ainda candidatos. Sabedores disso, boa parte dos candidatos se aproveita de tal ignorância e começam a prometer mundos e fundos a todo aquele que vem à sua porta. E se esse candidato já for “de carreira”, buscando uma nova reeleição, não medirá esforços para atender os pedidos dos eleitores sanguessugas, seja dinheiro para patrocinar campeonatos ou mesmo o pagamento de uma conta de luz.
Mesmo aqueles que adentram ao cenário político, e se lançam como noviços de primeira viagem, boa parte acaba se rendendo a este fatídico “jeitinho” de fazer política e de disputar eleição. Se eleitos, farão parte das trocas de votos internos (logrolling), o famoso toma-lá-dá-cá ou “me ajuda que eu te ajudo”. Muito parasitismo político seria evitado se os candidatos possuíssem ao menos integridade e honestidade em suas vidas públicas, começando por possuírem uma mentalidade mais voltada para benefício coletivo, preservando a liberdade do indivíduo de trabalhar e inovar. E muita frustração seria evitada se os eleitores se informassem melhor sobre como funciona a política na prática, começando por ler pelo menos o livro já citado nesse texto.
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