Esse sistema é um vampiro
Imagem ilustrativa.
INALDO BRITO | “Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos.” Friedrich Nietzsche
O sistema político brasileiro talvez seja uma das poucas engrenagens que funciona eficazmente no país, mas não de forma elogiosa. Esse sistema cumpre cabalmente o seu papel no que diz respeito àquilo que a Teoria da Public Choice deduz na ciência política: que a política possui falhas por ser feita de pessoas, e pessoas não são perfeitas. A Public Choice é bem realista quando o assunto é como funciona o comportamento dos políticos e de seus interlocutores nos bastidores do poder e de seus ofícios.
Nosso sistema político é recheado de oportunistas, entusiastas, visionários, bucéfalos, parasitas e aproveitadores. Não é de se esperar boas decisões e gestões éticas quando se é governado por gente assim, ainda mais quando também são de pessoas assim que novas leis absurdas, esdrúxulas e mesquinhas são propostas, aprovadas e promulgadas a cada mês.
Nesse sistema, a interpretação do que é crime é diferente daquilo que é dito para a plebe que lhes sustenta. E mesmo quando se chega a atribuir a prática indecorosa a algum dos seus atores, eles possuem privilégios inimagináveis de recurso, tanto devido ao próprio cargo como pelo ace$$o fácil aos contatos certos para fazer o processo se demorar, até a sua prescrição, ou a própria conversão da pena em prisão domiciliar, cujas grades e celas dão lugar às mansões em condomínio fechado.
Mesmo aqueles que são condenados não cumprem sequer um terço da pena. É curioso como a legislação penal suaviza o cumprimento da pena para indivíduos acima de 70 anos, com regras especiais, devido à saúde ou ao crime cometido, além dos prazos processuais da própria Justiça, enquanto que nossa legislação eleitoral, apesar de impor requisitos etários mínimos para se pleitear determinados cargos, pouco se importa com os limites de idade para assumi-los.
Muitos desses políticos criminosos que alegam saúde fragilidade na prisão são os primeiros a garantir que possuem uma saúde de ferro ao defender suas próprias candidaturas novamente a cargos públicos. O nosso sistema político é uma ama de leite, que concentra os sugadores da máquina estatal, que não largam o osso nem se estiverem em coma, e ao mesmo tempo uma lata de lixo, que agrega a escória da elite do poder.
O sistema político brasileiro não é autofágico, como muitos pensam, pelo contrário, ele sabe muito bem a quem consumir, sorver e dilapidar, a fim de que projetos corruptos de poder sejam mantidos, gerados ou propagados. Os cofres públicos cumprem bem o papel de fornecer aos seus agentes o instrumento necessário para comprar votos, cargos, liberdade e silêncio.
Mas o que poucos se atentam é que um sistema assim não sobrevive sozinho; ao contrário, ele precisa de outros sistemas para manter a rede corrupta. Um desses sistemas é o judiciário. As próprias votações que ocorrem para cargos em conselho de advocacia são recheadas por politicagem. Na formação de listas para desembargador e suprema corte, aqueles que possuem o poder de aprovar candidaturas aos altos cargos da magistratura fazem pedidos aos postulantes – pedidos esses, quando não personalíssimos, corporativistas mesmos –, os postulantes fazem-lhes promessas e, assim, um novo logrolling (troca de favores) é instituído e continuado – o logrolling jurídico-legislativo.
O que vemos no cenário político, quando os próprios agentes são julgados de modo privilegiado por altos magistrados, é pura encenação, um teatro cuja função primordial, apesar de tentar passar para a sociedade a ideia de que “ninguém está acima da lei”, é ocultar que, se todos são iguais, “há alguns que são mais iguais do que outros”, e por isso merecem ser punidos de forma especial e privilegiada.
Prevaricação, tráfico de influência, corrupção passiva e ativa, todos são crimes que constam no currículo da maioria dos políticos, e a impressão que se tem é que, se isso faz parte da vida política desses indivíduos, parece que não apenas eles creem que isso pode ser visto como normal, mas até mesmo nós, cidadãos, aparentemente não damos tanta importância como deveríamos, não pesa nossas consciências se agimos parecido no nosso dia a dia, não nos gera incômodo votar e defender até o fim aquele que praticou rachadinhas, mensalão, mensalinho, petrolão entre outros.
Nosso sistema político cassa mandatos por falas pejorativas contra mulheres ou classes minoritárias, obtidas por gravações em conversas telefônicas ou vídeos, no entanto, o mesmo peso e a medida não são utilizados quando o assunto é dinheiro na cueca ou em malas, frutos de desvio a setores específicos da sociedade ou fraude financeira em banco público, ainda mais com provas tão claras como vídeo e fotos. A balança da justiça na política só está com um dos olhos vendados.
Nosso sistema político possui o poder de entorpecer suas vítimas, a ponto de elas banalizarem o crime e exaltarem os criminosos. Políticos que possuem pedalinhos com seu nome e quadros com sua própria foto em determinados sítios, utilizam “laranjas” para o recebimento de propina, através de empresas beneficiadas por fundos de desenvolvimento ou até mesmo por palestras milionárias supostamente ministradas pelo país e pelo mundo, com a finalidade de reformar apartamentos ou o próprio sítio. Os argumentos e os artifícios jurídicos, utilizados por advogados e magistrados, tentam nos convencer de que aquilo que anda como pato, cheira a pato e fala como pato não é um pato. Na verdade, a manobra é para nos convencer de que nós é que somos patos.
As raposas felpudas da política brasileira insistem em nos dissuadir de que o cenário político está dividido entre direita e esquerda, ou entre aqueles que defendem os mais pobres e os que defendem os mais ricos, quando, pelo contrário, a divisão propiciada pelo sistema político brasileiro é entre espoliadores estatais e espoliados, parasitas políticos e vítimas ignorantes, canibais partidários e pagadores de impostos, privilegiados do colarinho branco e populacho desvalido.
Saber disso deveria nos impedir de brigar estupidamente por políticos, tratá-los como humanos falíveis, em vez de figuras messiânicas, e categorizá-los pelo mínimo mal que executam (ou executaram) em seus mandatos, e não por supostas benesses e migalhas que deixou à sociedade, pois até estas que eles propiciam é pura cortina de fumaça para seus interesses egocêntricos e/ou crimes praticados.
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