Inema favorece multinacional com histórico de crimes ambientais

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Da *REDAÇÃO DO PAGINA REVISTA: Veja, no final da matéria, posicionamento da empresa abaixo citada.

– Por grave prejuízo social, aos recursos naturais e absoluta ilegalidade, movimentos sociais do Território de Irecê pedem na justiça, suspensão de licença concedida pelo Inema, que desrespeitou dispositivos administrativos, para favorecer interesses da multinacional norueguesa Statkraft com histórico de crimes ambientais na Noruega, Chile e Brasil, pontuam as entidades –

DA REDAÇÃO I Culura&Realidade

“O Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia – Inema, cometeu diversos ilícitos, com riscos de agravamentos sociais e ambientais, ao conceder Licença Ambiental, em rito de urgência, com inobservância a dispositivos legais, a uma multinacional norueguesa, afetando comunidades em Ibipeba e Uibaí” pontua o presidente da Umbu – União Municipal Beneficente de Uibaí e líder do Movimento Grito Pela Caatinga, Edimário Oliveira.

Esta é a compreensão, também, de diferentes movimentos sociais do Território de Irecê, que moveram Pedido de Liminar, por meio de um Mandado de Segurança (MS) na Comarca da Fazenda Pública de Irecê, contra o ato administrativo do órgão ambiental estadual.

“Enquanto um trabalhador ou uma trabalhadora rural, mesmo um pequeno empreendedor rural espera anos por uma outorga d’água ou por uma licença ambiental, o INEMA licenciou o complexo Santa Eugênia Solar em apenas 04 meses e 12 dias”, descreve o instrumento peticional do MS, instruído pelos advogados Dra. Sandra Rocha e Dr. Vinícius Oliveira, subsidiados pelo presidente da Umbu e pelo Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Dr. Júlio Rocha, especialista em Direito Ambiental.

O ato do Inema, considerado criminoso pelas entidades, desconsiderou a existência de comunidades tradicionais, APPs – Áreas de Proteção Permanente, não realizou Consulta Pública, e, dentre outras anomalias ao rito de processos de licenciamento desta natureza, autorizou o desmatamento de mais de 500 hectares de “caatinga virgem” no alto da serra, onde já consta, próximo ao empreendimento, vasta área desmatada, afetando as bacias hidrográficas dos Rios Verde e Jacaré, que retroalimentam o lençol freático e o Rio são Francisco e sequer, realizou consulta pública para ouvir a população na mitigação dos impactos do empreendimento.

“Trata-se de ato ilegal que autoriza a supressão de parte da vegetação, na qual contém espécies ameaçadas de extinção, bem como, afetará significativamente as comunidades quilombolas que vivem no local, ademais não houve consulta pública,  nos termos da convenção 169 da OIT e Resolução CONAMA 237 de acordo com o que determina o § 1° e artigo 10 incisos V e VI, bem como não há certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo.”, aponta a petição do Mandato de Segurança que foi impetrado pela UMBU – União Municipal Beneficente de Uibaí, SINPRI – Sindicato dos Produtores Rurais da Região de Irecê e o Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Verde e Jacaré, afluentes do Rio São Franciso.

A ação foi movida depois que as entidades chamaram a atenção do Ministério Público Estadual, com sede no Território de Irecê e ao questionar o Inema, extra judicialmente, pedindo a suspensão do processo de licenciamento, por meio de diversas iniciativas das mesmas entidades autoras do Mandado de Segurança, além do Codeter – Coordenação de Desenvolvimento Territorial/Irecê-BA, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia – Fetag/BA e o Polo Sindical, que representa 20 Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Território de Irecê.

“Não obstante as reiteradas ponderações e pedidos das principais instituições representativas da sociedade civil, dos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura, do setor produtivo da agropecuária, inclusive do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável, fórum que, por força da Lei Estadual 13.214, é responsável pelo monitoramento das políticas públicas e da governança territorial, o Instituto Estadual do Meio Ambiente – INEMA não se dignou a escutar qualquer dessas respeitáveis instituições, não tendo sequer o trabalho de responder as correspondências que lhes foram endereçadas”, diz o MS.

O presidente do Sinpri, João Gonçalves é taxativo: “A meu ver, o próprio parecer técnico usado para fundamentar a Licença de Instalação concedida pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente – INEMA, é uma confissão dos crimes elencados pelas entidades que contestam o ato do órgão ambiental que deveria proteger o patrimônio natural, cultural e social das comunidades em situação de vulnerabilidade. Isto é uma demonstração de que o órgão conta com a absoluta inércia da sociedade. Os métodos adotados para a concessão desta famigerada licença, dá a entender que o Inema, ou parte dos seus quadros, virou balcão de negócios”, sugere.

STATKRAFT: RASTRO DE CRIMES AMBIENTAIS, COM IMPACTOS SOCIAIS

A Empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, de nacionalidade norueguesa, iniciou, a partir do ano 2.000, a implantação do complexo eólico Ventos de Santa Eugênia, na zona rural dos Municípios de Uibaí e de Ibipeba, com 91 torres aerogeradoras, empreendimento que foi levado adiante sem a devida publicidade apregoada no Art. 225, da Constituição Federal, gerando consideráveis impactos socioambientais, principalmente no Município de Uibaí, território em que se estabeleceu o grosso das operações, inclusive as vias de acesso, que cortam as comunidades de Veredinha, Boca D’Água e Olho D’Água.

De acordo com dossiê disponibilizado por Edimário Oliveira, presidente da UMBU e líder do movimento “Grito pela Caatinga”, há um elenco de crimes praticados pela empresa norueguesa.

Segundo consta de uma Carta de Preocupação encaminhada pelo Comitê Noruego de Solidariedad com América Latina (NAG), encaminhada à Embaixada da Noruega no Brasil e aos Ministérios do Comércio, Indústria e Pesca e das Relações Exteriores da Noruega, ao citar especificamente os empreendimentos de Uibaí e Ibipeba,

“Esta não é a primeira vez que a Statkraft é acusada pela população local de não levar em conta as pessoas e o meio ambiente. Em 2022, o LAG publicou o relatório ‘Fora da Vista, Fora da Mente’, que trata das instalações da Statkraft no Brasil, incluindo as áreas cobertas por esta carta. O relatório descreve vários casos em que a Statkraft não levou suficientemente em conta os direitos da população local. No Chile, há vários anos existe um conflito com o povo indígena Mapuche, que quer que a Statkraft se retire de suas áreas. Como podemos ver, esses não são casos individuais, mas um padrão na empresa”.

No ano de 2021, bem recente, portanto, a empresa Statkraft Energias Renováveis S/S sofreu grande revés na Justiça da Noruega, com uma decisão unânime, tomada pelos 11 juízes da Suprema Corte daquele país, que declarou invalidadas as licenças concedidas a dois complexos eólicos construídos na região de Fosen, na Noruega, em uma área habitada pelos indígenas do povo Sami, o único grupo indígena reconhecido na União Europeia – EU, comunidade com mais de 70.000 pessoas que vivem do pastoreio de renas, um animal cuja existência está ameaçada pelos dois parques eólicos. A cassação das licenças foi noticiada pela Agência de Notícias Reuters, em matéria de 27/02/2023 e pela CNN Brasil, em matéria em 01/03/2023.

Leia, a seguir, sem edição, um recorte da ação movida pelos movimentos sociais contra a Licença do Inema. Trata-se de um breve recorte da justificativa do Mandado de Segurança, com pedido de Liminar, em caráter de urgência:

BREVE SÍNTESE e OBJETO DA DEMANDA

Trata-se de mandado de seguranaça coletivo com pedido de LIMINAR, em virtude de sua URGÊNCIA, que busca a nulidade de ato administrativo eivado de ilegalidade tendo em vista que foi concedida pelo INEMA, licença para instalação de placas fotovoltaicas através do processo nº 2024.001.000009/INEMA, a empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, em área de preservação permanente, o qual autoriza supressão da vegetação nativa, conforme será demonstrado. Trata-se de ato ilegal da autoridade coatora, consubstanciada em conceder licença para a supressão de parte da vegetação, na qual contém espécies ameaçadas de extinção, bem como, afetará significamente as comunidades quilombolas que vivem no local, ademais não houve consulta pública,  nos termos da convenção 169 da OIT e Resolução CONAMA 237 de acordo com o que determina o § 1° e artigo 10 incisos V e VI, bem como não há certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo.

4 – DOS FATOS

Necessário se faz trazer ao debate um breve histório da empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, a qual obteve a concessão de instalação concedida pelo o INEMA e sua atuação nas cidades afetadas.

A Empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, de nacionalidade norueguesa, iniciou, a partir do ano 2.000, a implantação do complexo eólico Ventos de Santa Eugênia, na zona rural dos Municípios de Uibaí e de Ibipeba, com 91 torres aerogeradoras, empreendimento que foi levado adiante sem a devida publicidade apregoada no Art. 225, da Constituição Federal, gerando consideráveis impactos socioambientais, principalmente no Município de Uibaí, território em que se estabeleceu o grosso das operações, inclusive as vias de acesso, que cortam as comunidades de Veredinha, Boca D’Água e Olho D’Água.

Segundo consta de uma Carta de Preocupação encaminhada pelo Comitê Noruego de Solidariedad com América Latina (NAG), encaminhada à Embaixada da Noruega no Brasil e aos Ministérios do Comércio, Indústria e Pesca e das Relações Exteriores da Noruega (doc. anexos  A e B), ao citar especificamente os empreendimentos de Uibaí e Ibipeba,

“Esta não é a primeira vez que a Statkraft é acusada pela população local de não levar em conta as pessoas e o meio ambiente. Em 2022, o LAG publicou o relatório ‘Fora da Vista, Fora da Mente’, que trata das instalações da Statkraft no Brasil, incluindo as áreas cobertas por esta carta. O relatório descreve vários casos em que a Statkraft não levou suficientemente em conta os direitos da população local. No Chile, há vários anos existe um conflito com o povo indígena Mapuche, que quer que a Statkraft se retire de suas áreas. Como podemos ver, esses não são casos individuais, mas um padrão na empresa”.

No ano de 2021, bem recente, portanto, a empresa Statkraft Energias Renováveis S/S sofreu grande revés na Justiça da Noruega, com uma decisão unânime, tomada pelos 11 juízes da Suprema Corte daquele país, que declarou invalidadas as licenças concedidas a dois complexos eólicos construídos na região de Fosen, na Noruega, em uma área habitada pelos indígenas do povo Sami, o único grupo indígena reconhecido na União Europeia – EU, comunidade com mais de 70.000 pessoas que vivem do pastoreio de renas, um animal cuja existência está ameaçada pelos dois parques eólicos. A cassação das licenças foi noticiada pela Agência de Notícias Reuters, em matéria de 27/02/2023 (doc. anexo C) e pela CNN Brasil, em matéria em 01/03/2023 (doc. anexo D).

Com o avanço da produção de energia, através de placas fotovoltaicas, a Statkraft Energias Renováveis S/A decidiu implantar, em área anexa a que está o parque eólico, um complexo para produção de energia solar, complexo este com 1.384.240 painéis fotovoltaicos.

Não se tem informações exatas de quando efetivamente começaram os estudos para implantação do parque solar, visto que as ações acontecem sem publicidade e sem participação da sociedade e até mesmo dos poderes públicos locais, que não foram sequer demandados para fornecer a Certidão de Uso do Solo, conforme determina a Resolução CONAMA 237, em seu art. 10º, parágrafo primeiro (doc. anexo P). Todavia, o INEMA, através do Ofício nº 00091018588/2024 (doc. anexo E), encaminhado ao Sr. Coordenador do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável – Codeter, em 14/06/2024, informa, tardiamente, que concedeu uma licença prévia em 27/09/2023, através da Portaria INEMA nº 29.553, para localização do complexo Santa Eugênia Solar, considerando as especificações elencadas no próprio Ofício nº 00091018588/2024. Ainda no citado Ofício, o INEMA informa que concedeu, também, à empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, uma licença para supressão da vegetação nativa e outros fins, através da Portaria nº 29.969, igualmente de 27/09/2023.

Ao ser informada da movimentações de máquinas e homens no topo das serras de Uibaí e Ibipeba, a União Municipal em Benefício de Uibaí – UMBU tomou conhecimento, em meado de outubro de 2023, da concessão das licenças objeto das duas portarias acima referidas e, com a urgência necessária, encaminhou representação à Promotoria de Justiça Especializada em Meio Ambiente, na pessoa do nobre Promotor de Justiça Dr. Romeu Gonçalves Coelho Filho, através de petição datada de 19/10/2023, documento cadastrado no sistema IDEA sob o nº 698.9.426750/2023 (doc. Anexo F), solicitando a instauração de procedimento investigatório para apurar os fortes indícios de violação da legislação ambiental.

O Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável – Codeter, em data de 19/11/2023, encaminhou à Ilmª. Srª. Maria Amélia Matos Lins, Diretora Geral do INEMA, o Ofício nº 15/2023, solicitando àquela autoridade ambiental a imediata suspensão das licenças concedidas e a abertura de diálogo com a sociedade civil e as comunidades afetadas, pleito que recebeu o nº de protocolo SEI 046.0525.2023.0035618-77 (doc. anexo G).

O assunto foi levado também ao conhecimento da Ilmª. Srª. Luciana Koury, Promotora de Justiça Coordenadora do NURF- Núcleo de Defesa do Rio São Francisco, conforme Ofício nº 16/2023, expedido pelo Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável – Codeter em 29/11/2023 (doc. Anexo H).

Tão logo tomaram conhecimento dos fatos, Excelência, várias instituições ofereceram seguidas representações, com idênticas postulações ao Ministério Público e/ou ao INEMA, como as que noticiamos a seguir: representação feita ao INEMA pela Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado da Bahia – FETAG, através de Ofício de 29/12/2023 (doc. Anexo I ); representação feita ao INEMA pelo Polo Sindical dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Território de Irecê, através de Ofício de 22/12/2024 (doc. anexo J); representação feita ao Ministério Público pelo Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Verde e Jacaré – CBHVJ, através de petição datada de 15/12/2023 (doc. anexo L) e representação feita ao INEMA pelo Sindicato do Produtores Rurais de Irecê – SINPRI, através de Ofício (doc. anexo M).

Não obstante as reiteradas ponderações e pedidos das principais instituições representativas da sociedade civil, dos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura, do setor produtivo da agropecuária, inclusive do Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável, fórum que, por força da Lei Estadual 13.214, é responsável pelo monitoramento das políticas públicas e da governança territorial, o Instituto Estadual do Meio Ambiente – INEMA não se dignou a escutar qualquer dessas respeitáveis instituições, não tendo sequer o trabalho de responder as correspondências que lhes foram endereçadas.

Enquanto um trabalhador ou uma trabalhadora rural, mesmo um pequeno empreendedor rural espera anos por uma outorga d’água ou por uma licença ambiental, o INEMA licenciou o complexo Santa Eugênia Solar em apenas 04 meses e 12 dias, visto que o próprio INEMA, através do já citado Ofício 00091018588/2024, informa que no dia 02/01/2024 foi formado o Processo nº 2024.001.000009/INEMA/LIC-00009 (Licença de Instalação + ASV + AMF), em nome de Statkraft Energias Renováveis S/A, processo esse que, a despeito do tamanho dos impactos socioambientais, teve uma tramitação relâmpago, culminando com a expedição da Licença de Instalação, através da Portaria INEMA nº 31.054, de 14/05/2024 (doc. Anexo).

A licença de Instalação concedida pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente – INEMA autoriza a supressão de florestas de caatinga arbórea nos topos e platôs das serras de nosso Território (serras de Uibai e Ibipeba), com base em parecer técnico que destaca, entre muitos, os principais pontos:

1.A área diretamente afetada – ADA é de 1.524,47 ha, para instalação de 1.384.240 painéis fotovoltaicos;

2.A vegetação é composta por 97,92% de caatinga, sendo: 83,20% floresta/caatinga arbórea (árvores com altura entre 7 e 8 metros), 14,72% caatinga arbórea arbustiva, 1,23% solo exposto e 0,25% superfície agropecuária;

3.A área diretamente impactada ADI é de 12.219,32 ha, sendo que 441,41 são áreas de preservação permanente – APPs;

4.A Bacia dos rios Verde e Jacaré é impactada no Riacho da Toca, Riacho do Velame e Riacho de Uibai). As sub Bacias impactadas são o Baixão de Gabriel e o Riacho da Bandeira,  drenagens cujos afluentes ocorrem em todas as áreas de influência do empreendimento.

5.Foram identificadas 45 espécies de répteis, 130 espécies de aves e 44 espécies de mamíferos, destacando que entre a população identificada há espécies em extinção;

6.As 44 espécies de mamíferos identificadas na área do empreendimento correspondem a 10% das espécies de mamíferos registradas na caatinga;

7.Na área do empreendimento há duas comunidades quilombolas impactadas, as Comunidades de Serra Grande e Olhos D’Água do Badú, no município de Ibipeba;

8.Como ponto de restrição ambiental o parecer destaca a existência de três cavernas ou cavidades no entorno do empreendimento;

9.Há o registro de riachos intermitentes, sem o destaque de que se trata de micro bacias do Rio São Francisco;

10.Ente as 220 espécies de plantas catalogadas, 15 são espécies ameaçadas de extinção;

11.O licenciamento do projeto no IPHAN, cujo protocolo recebeu o nº 01502.000968/2023-42, destaca ser necessário o relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico para continuidade do processo.

Destaca-se que o parecer técnico no qual se baseou o INEMA para conceder a licença de instalação do complexo Santa Eugênia Solar é muito parecido com o relatório de impacto ambiental produzido por encomenda da empresa beneficiária da licença. Comete, inclusive, idênticas omissões, como destacamos a seguir:

1.Não registra a existência da Comunidade de Fundo e Fecho de Pasto de camponeses dos povoados de Laranjeira, Alto da Cruz, Chapadinha, Poço, Boca D’Água e Olho D’Água, no município de Uibaí, dos povoados de Velame e Olhos D’Água, em Ibipeba, que, embora não cadastrada na Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais – SEPROMI, tem sua existência secular ao longo de várias gerações atestada por declaração do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Uibaí (doc. anexo N);

2.Entre os itens de restrição ambiental o perecer identifica a existência de apenas três cavidades. Há outras cavernas na área do projeto, como a Aguada Oculta, por exemplo, muito próxima à área afetada e de extraordinária importância ecológica. A caverna conhecida como Aguada Oculta possui minadouros em seu interior que forma uma micro bacia do Rio São Francisco, alimentando o Rio Verde, ocorrendo o seu processo de recarga em platôs de floresta de caatinga arbórea cujo desmatamento foi autorizado pela licença concedida pelo INEMA;

3.Há sítios arqueológicos de pinturas rupestres na área do empreendimento que não foram identificados, como os sítios da Grota de Mané José e do Brejo de Alcino Bodeiro. A presença desses e outros sítios arqueológicos de extraordinário valor histórico justificam o licenciamento prévio do empreendimento pelo IPHAN, processo que foi atropelado pelo licenciamento feito pelo INEMA;

4.O parecer identifica na fauna aves répteis e mamíferos, omitindo a forte presença de abelhas, principalmente as nativas, como a Mandaçaia (Melipona Quadrifasciata) e a Jatai (Tetragonisca Angustula), além de grande profusão das abelhas Apis, de ferrão, insetos polinizadores e de extraordinária importância ecológica;

5.O estudo em que se baseou o licenciamento ora questionado padece de um defeito de extrema gravidade, ao omitir que as áreas de floresta/caatinga arbórea que serão suprimidas têm pelo menos três funções ecológicas cruciais, quais sejam:

a)Essas áreas de floresta são importantes estruturas naturais de regulação do clima, uma vez que parte significativa do calor é absorvida pela densa vegetação. Sua substituição por milhares de painéis fotovoltaicos fará com que os raios solares sejam refletidos, elevando a temperatura;

b)Essas áreas de floresta/caatinga arbórea são berçários de reprodução da fauna. Não há mais no Território de Identidade de Irecê outras áreas de vegetação que possam cumprir esse papel. Os animais não encontrarão locais para se refugiar e terão a cadeia alimentar desconstruída. O mais provável é que ocorra a extinção das 130 espécies de pássaros, 45 espécies de répteis e 44 espécies de mamíferos e de uma infinidade de colmeias de abelhas nativas e abelhas de ferrão;

c)Essas áreas de vegetação que serão suprimidas são estruturas naturais de recarga dos aquíferos. Ao suprir os aquíferos mais superficiais, elas carreiam a água das chuvas para os minadouros nos boqueirões e nos leitos dos riachos. Já a água que desce para as partes mais profundas, vai recarregar o lençol freático. O próprio Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco alerta que na área do empreendimento há vários pontos de recarga de micro bacias do Rio São Francisco que serão afetados (doc. anexo O).

Está bastante claro Excelência, que tanto o relatório de impacto ambiental, produzido pelo dono do empreendimento, quanto o perecer técnico que o valida, são documentos superficiais, feitos de afogadilho, sob o calor de uma pressa injustificável, em se tratando de empreendimento com impactos devastadores e irreversíveis.

O que podemos identificar como pontos positivos de uma iniciativa empresarial como esta, com tamanho impacto socioambiental, são coisas diminutas, praticamente insignificantes.

A geração de empregos, para exemplificar, seria um aspecto virtuoso, assim como o aquecimento da economia nos dois municípios afetados. Contudo, é necessário avaliar a experiência muito recente com a construção do complexo eólico Santa Eugênia, um investimento da ordem de R$ 2.400.000.000,00, cuja construção foi feita em cerca de três anos. Nesse empreendimento toda a mão de obra de melhor qualificação veio de fora do Território e até de fora do Estado da Bahia. Já a mão de obra de baixa qualificação, face à quantidade elevada, não pode ser suprida pelos municípios afetados, que não têm contingentes de trabalhadores braçais para atender demandas repentinas e de curto prazo. Essa mão de obra de baixa qualificação não foi arregimentada mediante um planejamento adequado, mesmo porque não é trivial arrebanhar um exército de trabalhadores braçais, pejorativamente chamados de peões de obra, para um serviço apenas temporário. O grande exemplo que se tem na história do Brasil é a construção de Brasília, sendo que o Governo Federal precisou construir Vilas, como o Núcleo Bandeirante, a Vila do IAPI, para os maiores contingentes de trabalhadores (pedreiros, ajudantes, carpinteiros, marceneiros, pintores) e a Vila Planalto, para o “oficialato” do empreendimento (engenheiros, mestres de obra, etc). E a construção de nossa Capital só foi possível porque a mão de obra que para lá se deslocou foi com o animus de continuar vivendo em Brasília e, após a construção, passaram a ser chamados carinhosamente de candangos.

O complexo Santa Eugênia Solar não será diferente do complexo eólico Ventos Santa Eugênia, com o agravante de que a duração da obra será de apenas 16 meses e a mão de obra será de, em média, apenas 445 pessoas.

Se o parque eólico, ao entrar em operação, será tocado por apenas 30 empregados (alguns vigilantes, pessoal de limpeza e poucos técnicos e gerentes), conforme declara a própria empresa Statkraft, que esperar do parque solar, um empreendimento imensamente menor, mas com impactos socioambientais gigantescos?

O aquecimento do comércio foi uma narrativa falaciosa durante a implantação do parque eólico, pela mesma empresa que ora pretende implantar o parque solar. O grosso do material, como cimento, ferro, brita foi trazido de fora.

As reciprocidades constantes das condicionantes socioambientais voltadas para as populações afetadas são risíveis no licenciamento que ora se questiona, Excelência. Resumem-se em ações junto aos municípios afetados para minimizar gargalos nos serviços públicos que serão usados pelas pessoas de fora que trabalharão no projeto, ou seja, uma preocupação não com as comunidades do entorno do empreendimento, mas sim com a força de trabalho que será emprega.

Outra condicionante que chega a ser um escárnio é a iniciativa de atuação do empreendimento em projetos de educação ambiental com as comunidades afetadas. É difícil imaginar um empreendedor, que se dispõe a solicitar autorização para suprimir as últimas reservas de floresta de caatinga nativa, diante da crise climática que ameaça destruir o planeta, promovendo educação ambiental.

Mais um ponto de grande do prazo de obsolescência desses equipamentos, prazo este estimado entre 25 e 30 anos. Quer nos parecer temerário conceder uma licença de instalação de empreendimento, sem relevância e preocupação não está entre as condicionantes intrínsecas do empreendimento. Trata-se do descarte dos 1.384.240 painéis geradores de energia, após o decurso que o órgão licenciador perquira sobre a destinação de tamanha quantidade de material inservível a ser destinado.

No Território de Identidade de Irecê, composto por 20 municípios, o desmatamento da caatinga já ultrapassa a marca de 90%, quando se considera a área agricultável do Território. O índice de perda de água por evaporação já ultrapassa 2.500 milímetros/ano, contra uma precipitação anual de chuvas abaixo de 700 milímetros/ano. A ausência da vegetação nativa maximiza os processos de assoreamento e perda do solo, dificulta a recarga dos aquíferos, descontrola o micro clima e desarranja o regime de chuvas, havendo necessidade urgente de replantio da caatinga, a começar pelo plantio da reservas legais, reflorestamento de APPS e revitalização das bacias dos rios Verde e Jacaré.

O projeto Santa Eugênia Solar vem na contramão dessa necessidade urgente de restauração da caatinga no Território de Identidade de Irecê e, pelo contrário, ignora a possibilidade real de produção de energia solar nas vastas áreas já desmatadas de nosso Território, terrenos baratos e de fácil acesso, optando por agravar a crise climática, destruindo as últimas reservas de caatinga virgem do Território de Irecê.

É importante destacar que, na própria área impactada pelo empreendimento, há vastas extensões de terras desmatadas, terrenos que foram roças e estão sub-utilizados pelos agricultores. Estas áreas já desmatadas, bastante desvalorizadas, poderiam ser arrendadas pelo empreendedor a um custo bem acessível. Ao invés de suprimir o pouco que resta da caatinga virgem, a implantação do empreendimento em áreas já desmatadas evitaria os terríveis impactos ambientais e, de outra forma, geraria renda para os agricultores, proprietários ou posseiros dessas áreas já desmatadas. Mas essa possibilidade, que fortaleceria sobremodo as comunidades da área de influência do projeto e, principalmente, evitaria impacto sócios ambientais que o planeta não suporta mais, sequer foi cogitada pelo empreendedor e tão pouco pelo INEMA, que preferiram agir sem ouvir as comunidades impactadas. 

Portanto, resta demonstrado as razões que embasam PEDIDO, e o direito líquido e certo dos impetrantes.

*POSICIONAMENTO DA EMPRESA: 

Logo depois da postagem acima, a Statkraft Brasil manteve contato com a redação do Pagina Revista, dando seu posicionamento sobre o conteúdo divulgado. Veja, na íntegra: 

“A Statkraft Brasil esclarece que o licenciamento ambiental do projeto solar em Ibipeba e Uibaí seguiu de forma legal, ética e transparente e reforça que cumpre rigorosamente a legislação e normas técnicas brasileiras, de forma que nenhum crime ambiental foi cometido. Para o projeto, foi realizado um aprofundado estudo e diagnóstico ambiental considerando todas as questões técnicas, sociais e ambientais, que certificou a viabilidade do empreendimento pelo órgão ambiental competente. Os documentos constantes do processo de licenciamento foram verificados pelo Ministério Público regional, que não identificou nenhuma irregularidade, e seguirá acompanhando a construção do empreendimento. 

A empresa tem um histórico de compromisso com as pessoas, o meio ambiente e as comunidades de Uibaí e Ibipeba desde a instalação dos primeiros empreendimentos na região. Em 2021, foi inaugurado um Centro de Informações aberto diariamente em horário comercial para que a comunidade ou qualquer entidade possa sanar dúvidas ou fazer sugestões. Os projetos socioambientais desenvolvidos na região dão luz aos cuidados necessários com a flora, a fauna e todas as preocupações com o meio ambiente, bem como a valorização e desenvolvimento da cultura local. Além disso, os programas e compensações ambientais previstos nas licenças concedidas são rigorosamente executados e a divulgação das ações é feita junto à comunidade periodicamente. 

A Statkraft segue aberta ao diálogo e trabalhando firme em mais ações sociais, econômicas e ambientais como parte atuante da comunidade onde está inserida.”