MEC anuncia que Enem se tornará uma prova digital a partir de 2020
Imagem ilustrativa.
Nesta quarta-feira (3/7) o ministro da educação Adam Weintraub anunciou em uma coletiva de imprensa que, a partir do ano que vem, uma grande mudança acontecerá na prova do Enem, que passará a ser aplicada de forma digital.
De acordo com o ministro, a prova digital será implementada de em modelo-piloto em 15 capitais (Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Goiânia, João Pessoa, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) a partir de 2020, e será implementada em cada vez mais cidades ano a ano, até a aplicação se tornar totalmente digital em 2026.
A primeira prova digital, que ocorrerá somente no ano que vem, deverá ocorrer para 50 mil estudantes, e aqueles que residem em regiões onde o modelo digital será implantado primeiro poderão escolher se preferem fazer a prova tradicional (em papel) ou a nova prova digital. Além disso, serão disponibilizados três dias para a aplicação da prova — um para a aplicação digital, outro para a tradicional e um terceiro para a reaplicação, reservado para o caso de alguns alunos passarem por problemas logísticos: se não conseguirem fazer a prova digital, poderão ter a oportunidade de fazê-la na forma tradicional em papel. Os resultados serão divulgados todos na mesma data, independente de a prova ter sido feita de forma digital ou em papel.
De acordo com o ministro, a ideia de quando a prova for totalmente digital é realizá-la não apenas numa única data, mas ao longo de todo o ano, com várias datas de aplicação. A prova digital também tem uma série de vantagens sobre o modo tradicional, pois não só permite uma maior economia na aplicação do Enem (em 2019 serão gastos cerca de R$ 500 milhões para aplicar a prova aos mais de 5 milhões de candidatos confirmados), como também poderá modernizar as perguntas da prova, permitindo o uso de gráficos animados, vídeos e até mesmo questões de lógicas gamificadas (aplicadas em forma de jogo).
Ainda que a ideia em si seja muito boa — afinal, a aplicação digital permitirá uma clara modernização no modelo e deve facilitar muito toda a logística de distribuição da prova pelo país —, ainda há conceitos que não ficaram muito claros e que precisam ser explicados ao longo dos anos para que possamos ter certeza de que essa mudança será realmente benéfica para todos, e não apenas a uma elite privilegiada.
Um desses possíveis problemas é o da segurança: o Enem atual possui um dos sistemas mais seguros de qualquer aplicação de prova do país, e a logística dele foi pensada para, mesmo que ocorra roubo de prova (como já aconteceu), o roubo possa ser identificado a tempo de a prova ser modificada antes da data da aplicação. Assim, é preciso que nos próximos meses o MEC deixe bem claro quais serão os critérios de segurança adotados para proteger o servidor da prova de qualquer tentativa de invasão ou falha de sistema que possa comprometer a aplicação correta e justa.
Outro possível problema é o da infra-estrutura: hoje, o servidor do MEC não é dos mais robustos, e não consegue aguentar a quantidade de acessos que recebe no sistema Sisu quando são divulgadas as notas do Enem, fazendo com que muitos candidatos gastem horas atualizando a página do Ministério para conseguir ver suas notas. Assim, é importante que o MEC faça um investimento pesado na infraestrutura de servidores do Ministério, pois só assim será possível garantir que os usuários não sofram com problemas de servidor ou de falhas ao acessar uma pergunta no meio da prova — se esses problemas forem comuns mesmo depois de três ou quatro anos da primeira aplicação, isso poderá tornar a total digitalização da prova algo inviável.
É preciso também que se explique melhor como a aplicação dessas provas digitais irá ocorrer. Se o aluno puder fazer a prova de qualquer computador, há dois problemas que devem ser levados em conta: o perigo da falsificação ideológica e de colas (pois seria necessário implementar algum sistema que garantiria que é realmente o aluno inscrito no Enem que está fazendo a prova, sem nenhuma ajuda externa, como ocorre hoje na aplicação em papel) e o de infraestrutura do próprio país, pois segundo dados da Anatel, cerca de 40% da população ainda não possui acesso à internet, o que poderia impedir que muitos alunos (especialmente em regiões mais remotas do Brasil) tivessem acesso à prova digital.
E, se a prova for aplicada ainda dentro das escolas (como o ministro parece ter insinuado durante a coletiva), há o problema de infraestrutura: em 2018, cerca de 4 milhões de pessoas participaram do Enem, lotando salas com pelo menos 30 alunos cada em praticamente todas as escolas do país. E, ainda que muitas dessas escolas contem com laboratórios de informática, eles raramente são equipados para que mais de dez ou quinze pessoas os utilizem ao mesmo tempo, Assim, seria necessário ampliar muito a oferta de computadores nessas escolas para que todos possam ter a oportunidade de fazer a prova digitalmente.
Outro ponto importante que precisa ser melhor explicado é a ideia levantada de tornar o Enem uma prova que possa ser feita ao longo do ano. Isso porque, hoje, o Enem é o único caminho possível que os estudantes possuem para entrar em uma faculdade pública, e o prolongamento da prova ao longo do ano criaria dois cenários distintos para aqueles que farão as provas em datas mais próximas ao começo do ano: ou esses alunos precisarão estudar muito mais do que o necessário, adiantando todo o conteúdo de seu último ano no colégio, para poder fazer a prova no começo do ano e assim ter chance de entrar em uma faculdade assim que se formarem; ou então eles precisarão escolher fazer a prova apenas no ano seguinte, o que significaria “perder” um ano entre a formatura do colegial e a entrada na faculdade.
Em sua essência, a ideia de se digitalizar a prova do Enem é boa. Mas, como podemos ver, ainda há muitas perguntas que precisam ser explicadas para que a prova continue sendo um exemplo de democratização do ensino para todos os alunos do país, e não se torne uma forma de retirar dos estudantes mais humildes a oportunidade de cursar uma faculdade. Ainda há muito tempo para que todas essas perguntas sejam respondidas; cabe ao MEC o esforço de garantir que a mudança do Enem seja mesmo a modernização que está pregando, e não se torne uma forma de segregação.
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