O ano termina, mas o partidarismo inepto e a militância cega continuam
Imagem meramente ilustrativa.
INALDO BRITO | A frase “Políticos e fraldas devem ser trocados frequentemente e pela mesma razão” é atribuída a Eça de Queiroz, mas na verdade não há confirmação de que pertença a ele. Sendo o autor desconhecido, o conteúdo da mesma não deixa de ter seu mérito. Quem dera se nós, como eleitores, tivéssemos como princípio a razão sinalizada implicitamente, de forma a sermos mais criteriosos na análise dos discursos e condutas daqueles que elegemos, em vez de meros apaixonados platônicos.
Quando, em meados de 2015, começou a ressurgir movimentos liberais e conservadores enfrentando a hegemonia de partidos de esquerda (moderados e radicais) e o totalitarismo de suas pautas progressistas, parece ter havido um feixe de esperança de que a mentalidade da população pudesse, enfim, ser despertada do sono político que lhe acometia. Falava-se em trazer as pessoas da escuridão da servidão voluntária para a luz do altruísmo responsável, e, de fato, isso aconteceu em alguns, mas em outros, o que houve foi apenas a troca de um guru por outro.
Um presidente foi eleito surfando nessa “onda conservadora e liberal”, prometendo combate à corrupção, adoção de medidas liberais na economia e viabilização de mais privatizações de empresas públicas ineficientes e parasitas dos cofres públicos. Infelizmente, o que apresentou nesses dois últimos anos, independentemente do “ano-perdido” da Covid-19, foram escândalos de tráfico de influência para proteger filhos investigados em diversos processos, adoção de migalhas de liberdade econômica e não privatização de nenhuma das vacas sagradas estatais, pelo contrário, houve a criação de uma nova ama-de-leite do Estado, além de assegurar a empregados de outra que jamais permitirá que toquem em sua empresa com a finalidade de privatizá-la.
Aqueles que ainda continuam militando cegamente pelo atual governo insistem no grito de guerra da campanha presidencial de “libertar o Brasil da esquerda cancerosa”, e, por isso, não percebem que o governo do seu próprio totem se transformou (isso se já não era antes) naquilo que jurou um dia combater: populista, protecionista e assistencialista. Os adeptos dessa seita política, como é comum a todos os outros espectros políticos, continuam com fé cega num ideal de governo que, fatidicamente, os levará à própria sepultura intelectual à medida que forem descartados um a um, da mesma forma que os simpatizantes da ideologia comunista eram descartados quando realizavam sua tarefa para o regime. Idiotas úteis existem em todo lugar, principalmente no coletivismo político, seja ele de esquerda, direita ou de centro.
Ser cético em certos assuntos faz bem. Quando o assunto é política então, não acreditar em tudo que se ouve é a melhor das cautelas, ainda mais se vier daquele político que você supõe estar do lado certo da história. O problema com o ceticismo exagerado é que ele alimenta a desinformação e a subversão da realidade. E é isso o que se vê nas inúmeras teorias conspiratórias sobre a vacina, por exemplo. Já foi ventilado de tudo: que a vacina não é vacina, mas sim outro vírus; que tudo não passa de um plano de dominação global; e, para os “escatologistas do Youtuber”, a vacinação em massa é a implantação do “chip da Besta”.
Curiosamente, o comunismo se utilizava de uma estratégia que tem se tornado bastante comum entre os asseclas e militantes do atual governo: a desinformação. Não sabemos se é fruto de ignorância, desonestidade ou mera hipocrisia o fato de uma ideologia ser tão vilipendiada e demonizada (o que há razão em assim se fazer) pelos seguidores do atual presidente, enquanto esses se utilizam dos mesmos estratagemas comunistas para difamar aqueles que pensam contrário a eles e mentir com o intuito de confundir a população leiga. De toda forma, isso só reflete a desordem intelectual e social em que estamos afundados há décadas, jogados de um lado para o outro das ideologias messiânicas, enquanto nosso senso crítico é cada vez mais anulado pela confiança depositada ingenuamente em qualquer um que surja com promessas de renovação política e novo jeito de governar.
Eis um desejo para o próximo ano: que os idiotas úteis transformem-se em inteligentes úteis. Isso passa por desconstruir em suas mentes o que é inútil – paixão política, militância cega e juvenil, teorias conspiratórias e afins – e desenvolver capacidade cognitiva da realidade – duvidar sem se tornar um completo cético, questionar quaisquer visões políticas (mesmo a que nos afeiçoamos), analisar o presente com base no passado e não o inverso (e tampouco apagar o pretérito por mera conveniência sociopolítica).
O autor da frase no início do texto foi feliz ao dizer que políticos e fraldas precisam ser trocados frequentemente e pela mesma razão, mas é certo que nossa mentalidade política também precisa passar por esse mesmo processo, já que de tempos em tempos, muitos de nós não apenas caem no engodo dos profissionais de palanque, mas tornam-se seus lambe-botas e papagaios. Se não acordarmos da utopia em que estamos hipnotizados, realmente, nem mesmo uma vacina poderá nos curar de tão grande mal político-ideológico.
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