O medo da crítica e a perpetuação dos fanáticos políticos
Imagem ilustrativa.
INALDO BRITO | “[...]as orientações políticas dos homens e dos governos não são meras racionalizações de algo que foi realizado por forças inexplicáveis. Elas são, antes, deduções feitas a partir das nossas ideias mais básicas a respeito do destino da humanidade e têm grande capacidade – embora não desimpedida – para determinar nossa trajetória.” Richard M. Weaver
Analisar a política é uma daquelas tarefas que se parece com o sujeito de mãos e pés amarrados, que está sozinho de frente para o mar, vendo as pessoas tomando banho, e, ao ver os perigos indo em direção a elas ou percebendo como a corrente as está levando para mais longe da praia, grita o mais alto que pode, mas, por conta do efeito ressonante e alvoroço ao redor, não é ouvido, ou se é, poucas (ou nenhuma delas) dão a devida atenção aos berros e brados, preferindo, assim, seguirem o seu lazer sem nenhuma consideração sobre aquilo que as ameaça direta ou indiretamente.
Na verdade, o trabalho de um analista político é hercúleo e, ao mesmo tempo, não lhe traz resultados positivos no que diz respeito a fomentar na população um papel mais de crítico do que de torcedor. Isso porque nós somos indivíduos que tendemos a tratar as coisas de forma muito apaixonada, pensando e agindo com os nossos ventres (a sede dos nossos desejos e vontades), e anulando qualquer racionalidade que explique se essas paixões são honestas, justas e congruentes com algum resquício de Moralidade inerente.
Com isso não estou falando que não deveríamos ter preferências políticas ou certa simpatia a alguma visão ideológica, pelo contrário, cada uma das preferências políticas ou simpatia ideológica que tivermos deveria ser alvo recorrente de nossas críticas (construtivas e legítimas). Mas confesso que é sempre difícil criticarmos sinceramente aquilo que nos aquece o coração. Por isso é salutar ouvir as opiniões e julgamentos daqueles que se opõem à nossa paixão, ainda que possam ser enviesadas também.
Submeter nossas paixões políticas ao exame dos analistas, opinadores e opositores é um exercício que nos amadurece como cidadãos. O tribalismo político fez com que se perdesse o debate cívico e as pessoas se tornaram intolerantes ao pensamento divergente, principalmente quando o assunto é o seu candidato, seu partido ou seu viés ideológico de estimação.
Ambos os espectros do jogo político brasileiro vivem as sequelas da própria guerra de narrativas que estabeleceram no cenário atual. Seus seguidores e militantes perpetuam todo tipo de discurso, sendo ele verdadeiro ou não (principalmente os duvidosos), de modo a alavancar a reputação do seu lado do muro à medida que achincalha o outro lado.
Pensemos na noção de liberdade, por exemplo. Para os setores da esquerda, a liberdade é um oximoro, onde a forma mais eficaz de se ser livre é tendo sua vida pautada e definida pelos dirigentes que estão no Poder. A mínima sombra de um indivíduo livre para exercer sua vida nos negócios e na empresa, sem uma regulação robusta sobre ele, assim como sem a carga burocrática colocada em seus ombros para dificultar o gerenciamento comercial, é uma insanidade para a maioria dos progressistas. Aqueles que seguem políticos com essas ideias progressistas ou vertentes ideológicas parecidas precisam ser confrontados acerca da insensatez de um governo onipotente. Entretanto, ao fazer isso, o crítico corre o risco de ser enquadrado automaticamente como um direitista, reacionário ou qualquer termo que traga a ideia de uma dualidade política.
De forma análoga, para os setores da direita, a liberdade pressupõe uma carta branca onde ela só pode existir de forma absoluta, sem nenhuma forma de contenção ou inibição. Sendo assim, o cidadão deve ser livre até mesmo para agredir o outro por meio de calúnias, difamações ou injúrias simplesmente. A propagação de notícias falsas ou conspirações quaisquer é arrolada no mesmo grau de se ter liberdade para caricaturar pessoas, grupos e associações. Aqueles que seguem políticos com essas ideias também precisam receber o julgamento crítico do porquê de suas convicções serem tão irresponsáveis, imprudentes e contraproducentes para uma convivência pacífica. No entanto, tal como acontece com quem critica o ideal de esquerda, o arguidor da direita também corre o risco de ser tachado como inimigo da liberdade, progressista ou qualquer outro termo que também remeta à ideia de um embate dualista de espectros políticos.
Estamos diante de um cenário político onde grupos de ambos os espectros possuem em comum pelo menos uma coisa: a mentalidade coletivista. Essa mentalidade gera nas pessoas, que integram esses grupos, uma sensação de autoproteção e combatividade a tudo aquilo que possa ameaçar sua unidade de pensamento. De certo modo, eles agem como fascistas intelectuais – acusam o outro daquilo que eles mesmos são e praticam. Por isso que para muitos analistas políticos, tecer comentários e críticas sobre as posturas ou falas de figuras de ambos os lados políticos torna-se uma empreitada desgastante.
Cada um segue seu rumo de forma ensimesmada, absorto em seu próprio quadradinho político, crendo piamente que esse seu mundinho é o perfeito, ou, senão perfeito, ao menos o menos imperfeito, e que, por isso, as pessoas deveriam aderir a ele também. Só que viver numa bolha ideológica acaba gerando indivíduos reativos, combativos, beligerantes, militantes, massas perturbadas de ideais utópicos (ou distópicos, principalmente), cuja razão de existir é simplesmente para ser um mero bloco da engrenagem ponerológica.
Como mudar essa situação de sentimentalismo tóxico tribal no que diz respeito a críticas? Educação! Educação cívica, em se saber como tratar o outro através de empatia, conquanto não se concorde com ele. Educação retórica, em se saber como ponderar argumentos contrários e respondê-los com mansidão e humanidade, em vez de arrogância ou destempero.
Quando olhamos para o cenário político brasileiro atual, é possível visualizar que a maioria das velhas raposas, assim como os candidatos presidenciais, é carente desse tipo de educação supracitada, da mesma forma que boa parte de seu eleitorado militante. Se eles não toleram críticas às suas convicções, ideias e paixões políticas, é porque ou não confiam o bastante na integridade do objeto dessas paixões ou de fato essas convicções são falsas, mas úteis para o projeto de poder daquele por quem militam, e talvez seja por isso que insistam em sua propagação, em vez de demovê-lo.
O medo da crítica possibilita a perpetuação de fanáticos políticos e ideológicos, além de contribuir para o (res)surgimento de lideranças populistas ou o retorno de ideias econômicas indefensáveis que já foram tentadas em outras épocas, mas que nunca deram certo. É uma pena a maioria da população insistir em pagar pra ver isso continuar a acontecer.
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