O pulo-do-gato da velha política
A terra arrasada possui os seus planejadores e executores, assim como as suas vítimas.
*INALDO BRITO | Um artifício bastante utilizado por algumas nações quando sabiam que iriam perder uma batalha ou guerra era minar todas as fontes, recursos e riquezas do território em que estavam, a fim de prejudicar a nação vencedora quando assim ela passasse a ocupar a região. Tal feito ganhou o nome de “terra arrasada”. Apesar de fazer parte das histórias bélicas, vê-se algo parecido na transição de governos.
A tônica tem se tornado comum no Brasil. Após as eleições – sejam elas municipais, estaduais ou nacionais –, quando ocorre a transição de governos oriundos de partidos e coligações diferentes, há um tipo de dano ao erário a fim de prejudicar a próxima gestão. Fazer barganhas de última hora para garantir a permanência de privilégios tem se tornado mais importante do que a responsabilidade fiscal. As táticas envolvem desde votações de projetos de liberação de verbas até concessões de aumentos salariais a servidores. Vale tudo para dificultar o próximo mandato, mesmo que seja causar prejuízos ainda maiores à saúde fiscal e econômica do distrito administrado.
Não vemos muitos burburinhos sobre a situação fiscal de uma localidade quando quem ganha a eleição é o candidato ou o apadrinhado do partido da situação. Em contrapartida, quando há alternância de partidos, vem à tona os descasos e as maracutaias daquele que ocupava anteriormente o cargo. Na passagem de bastão governamental, muitas coisas são escondidas debaixo do tapete. São raras as vezes em que há um clima amistoso na mudança de gestão e uma colaboração no esclarecimento da conjuntura econômica e fiscal em que o novo governante irá receber o cargo. As trocas de farpas que haviam antes das eleições continuam durante e após o período de transição. É um jogo sujo, mesquinho e egoísta.
É nesse período que as relações Judiciário–Legislativo se intensificam. Magistrados fazem lobby para que sejam aprovados reajustes em seus salários astronômicos. Políticos também fazem uma média com aqueles que podem absolvê-los de processos em julgamento. E assim, mantém-se as benesses e os privilégios no melhor estilo orwelliano de A Revolução dos Bichos: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros”. A terra arrasada possui os seus planejadores e executores, assim como as suas vítimas – nós, os pagadores de impostos.
O fato de tais acontecimentos ocorrerem justamente no período que antecipa o maior dos feriados – o Natal – não constrange os agentes da terra arrasada. Para eles, congratular-se com amigos e familiares, fatiar o tender ou o chester e encher suas taças de champanhe, fazendo votos de “feliz natal, muita saúde e paz no próximo ano”, não lhes causa nenhuma vergonha por saber que boa parte daquilo que faz parte de suas mesas veio de alguma locupletação ou falcatrua política. A comemoração dessa gentalha é por ter dado uma rasteira na sociedade, enquanto planejam onde fazer sangrar no próximo ano.
Parece que estamos diante de poderes que, em vez de se oporem a quem faz o que é danoso ao erário e à sociedade, acabam se opondo a quem pode prejudicar a continuação de seus favorecimentos e privilégios.
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