O Sertão de meu pai: As cores e força do agreste nas foto de João Machado
João Machado.
Luz, câmera, sertão (...)
Uma viagem pelo agreste por meio do olhar do baiano João Machado em sua redescoberta da terra natal
A expectativa de ver como as sobrinhas e o cachorro haviam saído nas fotos foi substituída pela imensa decepção. O filme da câmera — aquele era o começo dos anos 1990 — tinha "velado". João Machado, que de fotografia não entendia nada - trabalhava como servente de pedreiro - fez cara de interrogação ao atendente do laboratório de revelação. "Ficou tudo preto", esclareceu o funcionário.
Talvez tenha sido obra do destino. Ao levar a máquina para consertar, saiu da oficina com o equipamento tinindo e uma amizade que lhe rendeu o emprego de assistente de fotografia em casamentos e batizados. Trocou as pás e baldes de cimentos por flashes e rebatedores. Virou vocação. Mas a verdadeira descoberta só veio numas férias em Xique-Xique, no sertão da Bahia.
Neste retorno à sua terra natal, descobriu que a fotografia havia invadido sua vida não por acaso, mas porque ele tinha uma missão: registrar suas origens. Mais do que isso, jogar luzes sobre uma região tão sofrida e esquecida, a despeito de sua beleza ímpar: o sertão.
“Não escolhi a fotografia. Foi a fotografia que me escolheu”
Vida nordestina
João Machado ainda não tinha concluído o curso secundário quando ouviu do pai: "Você vai pra São Paulo". Por ele, teria ficado ali, no sertão, mas o pai achou que o filho teria mais futuro na cidade grande. Na obra em que foi contratado como servente de pedreiro, encontrou um antigo conhecido, também de Xique-Xique, que colocou uma máquina fotográfica à venda. Era uma Beirette VSN — a tal do filme velado. Até hoje, Machado não sabe explicar os motivos que o levaram a comprá-la: afinal, não sabia fotografar e o dinheiro para ele era contado. Tampouco podia supor que o equipamento quebrado iria, por fim, resultar em um emprego de assistente de fotografia. Para os que acreditam em destino, eis uma história exemplar.
“Comecei a ver o meu sertão. O rio, o vaqueiro, estava tudo lá”
O velho e o novo
Na primeira vez em que voltou para Xique-Xique depois da mudança para São Paulo, foi impactado pelas imagens que sempre fizeram parte da sua existência. O olhar, outrora acostumado à imensidão do sertão, ficara aprisionado na urbe paulistana. Mas isso foi bom, porque quando deparou de novo com sua terra, viu-a de um jeito diferente. E decidiu fotografar a novidade. As fotos de João Machado retratam as paisagens da vida do povo da sua comunidade — as casas de taipa, o vaqueiro paramentado, o rio.
“Depois que comecei a fotografar as romarias, abandonei o preto e branco. Agora, só trabalho com cores”
As experiências do pai
João Machado passou a vida ouvindo as histórias contadas pelo pai, José Francisco Pinheiro, que durante 37 anos fez peregrinações até o santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Em 2002, Machado decidiu conhecer — e fotografar — os cenários das experiências de religiosidade popular vividas por seu pai. Ficou tão satisfeito com o resultado que voltou nos anos seguintes. A experiência também fez com que mudasse sua linguagem — encantado com as cores fortes da natureza do sertão, deixou de fotografar em preto e branco. Agora, uma das marcas mais fortes do seu trabalho é o colorido das imagens.
“De servente de pedreiro a fotógrafo de destaque. Tudo na minha vida foi construído com dignidade”
Na roça e na feira
João Machado nasceu em 1969, em uma família de sete irmãos. O pai, José, trabalhou como lavrador e feirante. A mãe, Joana, ajudava no açougue do cunhado do marido. Enquanto viveu na Bahia, Machado sempre trabalhou com o pai, tanto na roça quanto na feira. José morreu em 2004, aos 80 anos. Joana viveu até os 85, falecendo em 2014. Os dois viveram o bastante, portanto, para ver o sucesso do filho. As fotografias de João Machado já foram expostas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Atualmente, são comercializadas em seus perfis no Instagram — @joaomachadoart e @joaomachadogaleria.
Fonte: www.uol.com.br/nossa
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