O sofrimento pode até ser aliviado, mas não deveria ser desperdiçado
No primeiro capítulo do seu livro Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento, Timothy Keller nos diz que
"Sociólogos e antropólogos têm analisado e comparado as várias maneiras ensinadas pelas culturas a seus membros para lidarem com o sofrimento, a dor e a perda. Quando se faz essa comparação, geralmente se observa que a cultura ocidental secular contemporânea em que vivemos é uma das mais fracas e deficientes da história nesse aspecto."
Tal informação tem muito a nos ensinar, ainda mais no atual momento que o mundo passa. Ao longo do capítulo, Keller faz um paralelo entre a forma como as pessoas dos tempos passados (anteriores ao século 20) e as do atual (a partir do século 20 com as suas descobertas científicas e Revolução Industrial) vêem e lidam com os sofrimentos que lhes acometem. O que se conclui é que nossos antepassados conseguiam lidar melhor com as dores e adversidades pois eles compreendiam que por trás daquilo que os atingiam havia um propósito, fosse ele disciplinador, punitivo ou até mesmo para os fazer repensar sobre suas próprias vidas.
Keller também explicita como as sociedades não ocidentais procuram lidar com os sofrimentos e o mal no mundo. Basicamente são 4 os tipos mais comuns:
Visão moralista - "Algumas culturas ensinam que a dor e o sofrimento resultam do fracasso das pessoas em viver corretamente."
Visão autotranscendente - "O budismo ensina que o sofrimento não é consequência de obras passadas, mas de desejos não realizados, que por sua vez resultam da ilusão de que somos seres individuais."
Fatalismo e/ou destino - "As circunstâncias da vida são determinadas pelas estrelas ou por forças sobrenaturais, ou pelo julgamento dos deuses, ou, como no islamismo, simplesmente pela vontade inescrutável de Alá. De acordo com esse ponto de vista, as pessoas de caráter e sabedoria reconciliam suas almas com essa realidade."
Visão "dualista" do mundo - "O mundo não está sob o controle total do destino ou de Deus; ao contrário, é um campo de batalha entre as forças das trevas e as forças da luz."
Em meio aos benefícios que a tecnologia e outras descobertas científicas nos trouxeram (especificamente na área da medicina), infelizmente também nos transformou em seres imediatistas, cujas vidas passaram a ser pautadas preponderantemente pela resolução rápida dos problemas que nos sobrevieram. Com isso, acabamos por nos tornar pessoas impacientes e apressadas, ao ponto de hoje em dia, por exemplo, sequer conseguimos tolerar alguém que não nos responde no mesmo minuto pelo Whatsapp aquilo que lhe perguntamos.
O que acomete nosso planeta hoje, por meio de um ser tão microscópico, não é novo. Situações semelhantes alguns de nossos antepassados também passaram. Peste negra, gripe espanhola, guerras, catástrofes ambientais (terremotos, vulcões, maremotos etc) fizeram (e alguns ainda fazem) parte do fluxo histórico do local que habitamos. Em vez de apenas perguntarmo-nos Por quê? passamos por isso ou aquilo, deveríamos também nos perguntar Para quê?. Uma simples palavra faz toda a diferença na forma como lidamos com tragédias que nos causam sofrimentos, além de poder evitar a desesperança e o medo coletivo.
Apesar de a sociedade ocidental ter sido influenciada predominantemente pela cultura judaico-cristã, o fato é que, no decorrer do desenvolvimento desse novo corpo social, a assimilação de uma visão "naturalista" do universo fez com que essa mesma sociedade começasse a interpretar o sofrimento como nada mais que um mero acidente, ou obra do acaso. Com isso, não foi de surpreender que o pré-requisito da fé, que a cultura judaico-cristã tanto ressaltou como forma de enfrentar as vicissitudes da vida, tenha se transformado em um mero fideísmo. A fé deixou de ser um meio para se reconhecer a soberania da Divindade Triúna e passou a ser o objeto finalístico da própria crença para se enfrentar os problemas. A fé em Alguém passou a ser fé na fé, exemplificada nos pensamentos "Tenho fé de que tudo isso vai passar", "Tenho fé que vai dar certo" ou "Tenho fé que isso não é nada demais".
Por não sabermos mais como lidar com o sofrimento, sempre surge alguém com síndrome messiânica para trazer cura e alívio para as pessoas. Para a cultura judaico-cristã, a ciência possui sua utilidade e importância na sociedade pois também faz parte da criação que a Divindade Triúna realizou. No entanto, o cientificismo manifestou-se dotando a ciência de um poder sem igual para dar as respostas e interpretações para tudo que acontece conosco. No afã de querer excluir a metafísica e a religião do ambiente acadêmico, com o intuito de tornar a ciência soberana nos mais diversos assuntos, o cientificista não percebeu que aquilo em que ele tanto acreditava transformara-se também num tipo de religião.
É sempre importante salientar que não é errado procurarmos amenizar as aflições do mundo por meio do desenvolvimento científico, seja através de estudos ou pesquisas, no entanto, é perigoso quando depositamos todas as nossas esperanças unicamente no que cientistas e pesquisadores estão investigando. Quando definimos que a última palavra se encontra na ciência, tornamo-nos meros cientificistas, quer saibamos disso ou não. É justamente por causa desse tipo de pensamento cientificista que a sociedade tem descambado para uma situação cada vez mais distante da compreensão do seu propósito enquanto humanidade criada.
As doenças que nos acometem podem até nos causar temor no começo, mas logo esse medo se dissipa quando sabemos que algum medicamento está sendo desenvolvido para conter ou curar aquela doença. Novamente, não é errado criar formas de amenizar o sofrimento, porém acabamos por não refletir com a devida atenção sobre aquele mal que nos perturbou. O ciclo recomeça e lá estamos nós fazendo as mesmas coisas que fazíamos antes da doença nos atingir.
É por o sofrimento não ser devidamente lidado que muitos de nós acabam depositando suas esperanças em subterfúgios. Quando um povo não compreende os propósitos por trás de suas mazelas, não será surpresa ele passar a culpar qualquer coisa pelo que o acomete, seja instituições, pessoas, religião ou até mesmo Um Ser que até então ele dizia não existir.
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