Para que servem os registros públicos?
Imagem ilustrativa.
Ela era delegada de polícia, espírita, e nem na sua profissão tinha visto algo parecido. Até hoje meus antigos colegas lembram dessa história...
*GUILHERME LAPA | A princípio pode até parecer que esse texto tenha algo relacionado à lei de registros públicos. Não, não é isso. Vou relatar um fato que ocorreu com João da Lapa, meu avô, e também comigo.
Por muitos anos o meu avô João da Lapa foi o escrivão do cartório cível do Município de Xique-Xique, sendo o responsável pelo registro de nascimento de milhares de pessoas, muitos dos quais com histórias interessantes sobre o seu trabalho na definição dos seus nomes.
Depois de um longo tempo de trabalho, surgiu uma outra pessoa interessada pela função de Escrivão, e a pleiteou para si, junto ao juiz de direito da época. Este, diante daquela manifestação, e da sua insistência, comunicou ao meu avô que haveria uma prova entre ele e a pretendente para se definir quem ficaria, e marcou a prova para sessenta dias após.
Uma parte da população torcia para meu avô por já conhecer o seu trabalho, mas uma outra desejava mudança, apoiando a pretendente, sendo consenso a capacidade de ambos para o cargo.
Na véspera da prova, à noite, o meu avô estava estudando, deitado em uma rede à luz de candeeiro, quando, de repente, surgiu uma entidade, um compadre dele, padrinho de sua filha mais velha, que de pronto o alertou: “João, prepare-se! Vão te perguntar amanhã para que servem os registros públicos! Estude!
Como uma fumaça se dissipando, o compadre desapareceu. O meu avô então anotou aquela mensagem na manga do paletó, pegou o livro, estudou, e anotou a resposta: os registros públicos servem para dar autenticidade e veracidade aos fatos jurídicos. Decorou e foi dormir.
No dia seguinte, por volta de 7 horas da manhã, em frente ao prédio da Escola Cezar Zama muitas pessoas já aguardavam os dois candidatos para a realização da prova. Uns torcendo para meu avô, outros pela pretendente. Logo após os dois chegaram. Nem se cumprimentaram. O juiz de direito chegou logo em seguida. Todos eles se dirigiram para uma sala, onde da janela alguns se acotovelavam para assistir aquela disputa.
O juiz, de início, pediu que os dois candidatos pegassem papel e caneta, e sentados distantes um do outro, ele disse: “eu vou fazer apenas uma pergunta, anotem e respondam: para que servem os registros públicos?”
Ao ouvir a pergunta, a mesma que o seu compadre havia informado na noite anterior, meu avô foi ao chão, chapéu de um lado e bengala do outro, desmaiou, bateu a cabeça na quina de uma parede e ficou desacordado. Foi uma correria, um desespero, todos correndo para acudir. Da janela, uma pessoa gritou: “Mataram Seu João da Lapa, valei-me meu Bom Jesus!” Era um compadre dele, de carne e osso, que assistia a tudo.
Deram a meu avô um copo de água bem açucarada e ele restabeleceu a consciência. Passados alguns minutos, voltou pra sala, ajeitou a cadeira, pegou papel e caneta e passou a responder a pergunta, entregando ao juiz a sua resposta. O mesmo fez àquela pretendente. O juiz se recolheu por um instante em uma mesa para a correção da prova. Em seguida, dirigiu-se ao meu avô parabenizando-o pela nota máxima obtida, sendo declarado aprovado e mantido no cargo de Escrivão por mais algumas décadas, até o seu falecimento em 1979.
Passados cinquenta anos desse episódio, na faculdade de direito em Lauro de Freitas, quando ainda estava no terceiro semestre, em uma aula de direito constitucional, enquanto a professora Elenice Ribeiro falava sobre uma novidade surgida sobre a possibilidade de edição de medida provisória por governadores e prefeitos, do nada, resolveu se virar para mim, numa sala de quarenta alunos, e me dirigiu uma pergunta.
Disse ela: “Guilherme, estamos em uma aula de direito constitucional e que não tem muito a ver com o que vou te perguntar, mas mesmo assim vou te perguntar: “para que servem os registros públicos”?
Eu fiquei branco na hora, entontei, meu sangue fugiu do corpo, fiquei pálido, e quase desmaio. Meus colegas passaram a zombar de mim, fazendo arruaça, achando que eu estava encenando para não responder a pergunta. Eles não sabiam o significado daquela pergunta para mim.
Eu me restabeleci. Levantei. Parei alguns segundos. Refleti. Viajei no tempo. Então, respondi: “Professora, essa pergunta acompanha a minha família há cinquenta anos! Desde criança que ouço a minha mãe e minhas tias repetindo essa pergunta, e a resposta eu sei desde aquela época: Os registros públicos servem para dar autenticidade e veracidade aos fatos jurídicos!”
A professora e os colegas ficaram curiosos. Passei então a explicar a história que revestia aquela pergunta. Falei da prova que meu avô tinha se submetido e que essa foi a mesma pergunta feita a ele. A professora passou mal, entontou, sentou, e disse que não tinha mais condição de continuar a dar aula depois de tudo aquilo que tinha ouvido.
Ela era delegada de polícia, espírita, e nem na sua profissão tinha visto algo parecido. Até hoje meus antigos colegas lembram dessa história.
*Por Guilherme Lapa - advogado e colaborador do Pagina Revista.
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