Quando todos querem ter o que não precisam, não podem, não devem ou não merecem ter
Imagem ilustrativa.
A cultura do diploma tem pautado a vida de milhares de pessoas. O método de escolha profissional passou da capacidade inata para o status do título de formação. A quantidade de pessoas que se formam num curso superior sem a mínima competência para exercer a função oriunda de sua graduação é o que tem contribuído para o atraso do desenvolvimento econômico e social do país. O ingresso na universidade tem se tornado sinônimo de cláusula pétrea, quando a Constituição se reserva somente a mencionar que todos possuem direito à educação - o que não quer dizer que seja um dever entrar em um curso superior.
Universidades públicas e políticas de ações afirmativas (cotas) possuem um grande papel na disseminação desse comportamento da cultura do diploma, em que propagam aos quatro ventos que a universidade é para todos, conquanto não forneçam o ensino necessário para preparar aqueles que adentram a universidade para o mercado de trabalho. O mantra de que só nos tornamos reconhecidos quando terminamos o curso superior é uma das maiores falácias da educação moderna.
O que temos são jovens criados nessa cultura desde a infância, em que pais, parentes ou o público em geral tentam despertar o futuro profissional da criança com base apenas naquilo que observam como sendo mais rentável (medicina e direito são os mais comuns). À medida que o tempo passa, o adolescente se transforma em jovem sem nunca ter desempenhado nenhum tipo de trabalho doméstico ou intelectual, mas os pais crêem piamente que os dons dele para a medicina ou engenharia serão despertados durante a graduação. O jovem que entra sem nenhuma certeza do que quer acaba saindo ainda mais perdido, e agora com o diferencial de que possui um diploma, tendo as pessoas ao seu lado dizendo que se ele não quer atuar na área de formação, então que faça um concurso público para ao menos garantir o seu sustento.
O que vemos são jovens que nunca trocaram uma lâmpada ou uma resistência, sem o mínimo de interesse por tais trabalhos, sendo orientados a se graduarem em mecatrônica ou automação por que isso vai lhes dar um reconhecimento. Ou jovens que nunca costuraram uma roupa de boneca interessados(as) em cursarem moda, pois com o diploma poderão se tornar estilistas de renome. Na cultura do diploma, o que importa é ter o certificado, e não o conhecimento adquirido ou a empatia com a área de formação.
A universidade pública no Brasil possui uma grande lacuna no que diz respeito à finalidade da formação pretendida. Dezenas ou centenas de vagas são ofertadas nos mais variados cursos. Sem nenhuma surpresa, não é à toa que apesar de alunos ocuparem-nas de início, menos da metade de fato concluirá o curso, e menos ainda atuará no mercado na área de formação. O resultado é um desperdício de dinheiro por parte do Estado na disponibilização daquelas vagas que se tornam ociosas ou improdutivas, reverberando naquele aluno formado que não agregará ao país o suposto conhecimento adquirido na faculdade. O título se torna apenas uma forma de status social.
Pense no jovem que entra no curso de Direito só por que os pais assim desejam, embora ele não tenha a mínima inclinação para aquele curso. Os pais pagam boas escolas particulares para que o filho depois entre numa universidade pública - de preferência a mesma que a família se formara. O filho passa cinco anos de sua vida cursando algo que, após formado, não exercerá. Somente entregará o diploma aos pais e seguirá a carreira de escritor que sempre desejou. O desperdício de investimentos em carreiras, na universidade, que não serão exercidas após a graduação é mais comum do que se pensa.
O ensino superior tem sido superestimado por muitos. A pessoa pode consertar bem eletrônicos, ganhar um bom dinheiro, até fazer um curso técnico para aprofundar mais o conhecimento, ter uma clientela considerável, mas nada disso será importante e suficiente se ela não fizer o curso de cinco anos na Engenharia idolatrada. Muitos setores do mercado de trabalho também se renderam a essa cultura do diploma, em que julgam o possível conhecimento do jovem pela universidade em que se graduou. Confiam no que diz o certificado e não na prática desempenhada.
Conta a história que Mario Henrique Simonsen, criador da Escola de Pós-graduação em Economia da FGV, era perseguido por não ter um diploma na área (ele era formado em Engenharia Civil) e teve que fazer uma graduação em Economia só para poder ser reconhecido. Isso depois de ele mesmo já ter escrito inúmeros livros na área, além de sua própria tese de doutorado virar referência para o curso. O próprio Simonsen teve que passar pela graduação de Economia no curso que utilizava os livros dele próprio. Eis a inépcia da cultura do diploma.
Dizer que a universidade não é para todos é constatar o que a manada finge não ver. As pessoas entram na universidade sem o mínimo conhecimento acerca de matemática e português, não sabem interpretar a ideia por trás de textos simples e acham que o ensino superior dará aquilo que o ensino básico não lhes deu. Contudo, o que acontece de fato é que elas obtêm o diploma de Letras ou Jornalismo, o que lhes dá a oportunidade de se candidatarem à vaga no jornal da cidade, aplicando e influenciando outros a tornarem-se analfabetos funcionais como elas são e a endeusarem o título obtido. Ter um diploma parece ter virado sinônimo de cidadania – uma cidadania medíocre.
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