“Corruptocracia”: o regime perfeito para quem relativiza crimes do colarinho branco e possui políticos de estimação

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“Não há a ameaça mais perigosa para a civilização do que um governo de incompetentes, corruptos ou homens vis.” Ludwig von Mises

INALDO BRITO | Poucas coisas desestimulam tanto ser honesto e íntegro do que ver a injustiça prosperando e, o pior, endossada por leis e por aqueles que deveriam zelar pela probidade. Com o advento do relativismo, esperou-se que nem todas as áreas do conhecimento fossem cooptadas, principalmente as ciências jurídicas. Entretanto, o relativismo consegue ser fluido e maleável, adaptando-se às engrenagens de um sistema ou ambiente a ponto de silenciosamente transmutá-lo, não sendo necessário derrubar para construir sobre, e sim bastando apenas se agarrar, como um carrapato, aos fundamentos de uma ideia ou escola de pensamento, e modificar aos poucos tudo o que possui condição de absoluto e universal. Foi isso que aconteceu com aquilo que denominamos justiça.

A ideia de justiça antigamente possuía um caráter praticamente metafísico: as pessoas sabiam que não deveriam roubar, pois algo dentro delas informava-lhes que era errado. Quando cometiam o furto, era possível dizer com todas as letras que aquela pessoa era desvirtuada (eufemicamente) – isso quando não alegavam francamente que ela era ladra, bandida ou criminosa. Hoje, a ideia de justiça se baseia naquilo que é interpretado pela lei ou constituição que rege uma sociedade. Na concepção original de justiça, quem cometia crime tinha que pagar pelo crime cometido; na concepção atual, por outro lado, dependendo do status do criminoso, não há nem investigação, e se houver, tudo acaba em pizza.

A relativização do crime tomou uma proporção cínica por parte de alguns detentores do saber jurídico. Leis penais podem até ter sido criadas com o intuito de praticar adequadamente sentenças condenatórias, resguardar a ampla defesa de acusados e balizar o que é ou não permitido. No entanto, algo foi modernizado para beneficiar e defender não o cidadão honesto ou a vítima de crimes, mas sim o criminoso: a interpretação das leis. Na política brasileira, isso tem se tornado mais comum do que se imagina.

A cada nova prisão de um político corrupto ou apadrinhado qualquer que praticou crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, o grito de justiça dá lugar à sensação de impunidade quando um habeas corpus é aceito por determinado juiz que deverá ser indicado a desembargador pelo próprio beneficiário do remédio judicial. Se tem uma coisa que operações investigativas, como a Lava Jato, nos fizeram saber é que, primeiro, a rede de corrupção é sistêmica, abarcando os mais variados escalões da política e do Judiciário; segundo, foro privilegiado é a salvaguarda dos corruptos da política e do Judiciário e, por isso, dificilmente aprovarão a abnegação desse status; e, por último, a busca por brechas jurídicas ou o malabarismo falacioso jurídico é mais importante do que respeitar o que a lei orienta sobre o tratamento a crimes do colarinho-branco.

Políticos acusados de lavagem de dinheiro, corrupção passiva (seja na forma de Mensalinho, Petrolão, “rachadinhas” ou no recebimento de imóveis, dentre eles sítios ou apartamentos triplex) ou até mesmo corrupção ativa (como o caso do Mensalão, por exemplo) geralmente possuem mais de sete vidas, ainda mais quando a engrenagem político-judiciária está firmada para blindagem e benefício mútuo tanto do julgador como do que é julgado/investigado.

A “corruptocracia” dá certo não por que possui tantos corruptos, e sim porque não há condenações para seus atos indecorosos. Na “corruptocracia” o crime compensa, mas só se você tiver as cartas na manga corretas, que geralmente envolve “conhecer” um membro do Judiciário que facilite as coisas, alguém que fará malabarismos hermenêuticos para defender o ato de roubar ou desviar o assunto para a legalidade ou não da investigação e da prisão, que geralmente são críticas infundadas e pura cortina de fumaça, mas que acabam na maioria das vezes surtindo efeito (talvez por isso ainda se insista tanto nessa tese falaciosa).

Relativizar crimes é cláusula pétrea no sistema “corruptocrático”. Na “corruptocracia”, desviar dinheiro público, que seria para construção ou modernização de hospitais, escolas ou obras de saneamento, é algo meramente banal; superfaturar licitações para aquisição de insumos hospitalares em plena pandemia é virtude; nomear amigos ou parentes para cargos públicos, à medida que se apropria de metade dos salários deles, é natural; aumentar fundo eleitoral de campanha e o retorno de propaganda eleitoral obrigatória nos veículos de comunicação, à medida que reembolsa essas emissoras com o dinheiro do fundão arrecadado do pagador de impostos, é normal.

Na “corruptocracia”, ministros modificam de última hora processo legal de impeachment para garantir direitos políticos a líderes corruptos e mantê-los elegíveis; a mão do Executivo lava a mão do Judiciário que lava a mão do Legislativo e, juntos, ninguém solta a mão de ninguém quando o assunto é firmar-se no poder; precatórios não são pagos, mas utilizados para financiamento assistencial e, consequentemente, geração de crescimento de popularidade política (leia-se: populismo).

Como diria Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” Os homens vis relativizaram o crime. Muitos de nós ainda idolatramos e veneramos homens assim, portanto, não é de surpreender que sejamos governados por eles ou que já tenhamos nos tornado como eles.