Resistir a privatizações não é uma atitude inteligente
Imagem ilustrativa.
INALDO BRITO | Uma mentalidade pueril que se instalou no funcionalismo público ou naqueles que pleiteiam uma vaga pública é a questão da estabilidade. Muitas pessoas correm para o serviço público pensando justamente em se fixarem em um cargo permanente, cuja finalidade da prestação do serviço à sociedade acaba se diluindo para dar lugar ao que comumente pode ser chamado de “cabide de emprego”.
A despeito do número de empresas estatais que o país possui – muitas que sequer produzem aquilo que foram incumbidas no ato de sua criação governamental –, é fato que quantidade não quer dizer qualidade, e tampouco produtividade. Assim, continua-se a defender a manutenção de tais empresas públicas com argumentos puramente baseados em emotividade e sentimentalismo tóxico, e não com a racionalidade e a razoabilidade que o tema requer.
Um dos argumentos utilizados por pessoas contrárias à privatização de empresas estatais é que isso fará com que muitos trabalhadores da empresa podem ficar desempregados, atingindo assim suas famílias. Ou seja, pressupõe-se que a privatização vai fazer com que todos os empregados públicos sejam demitidos (potencialmente) sem quê nem pra quê, e, por causa disso, deveria se manter a empresa sendo pública, a fim de garantir a manutenção dos empregos desses trabalhadores.
Esse argumento é cheio de falhas. Vamos, então, por partes:
1)Um princípio básico do mercado de trabalho é que uma pessoa só é contratada, e mantida, num cargo se ela demonstra de fato os conhecimentos técnicos e profissionais exigidos para aquela função, possibilitando, assim, que a empresa obtenha cada vez mais retorno financeiro pelos serviços ou produtos que oferece. Esse princípio pode ser aplicado para qualquer relação patronal, proporcionalmente adaptado a cada situação. Por exemplo, você precisa de alguém para arrumar sua casa, e, então consegue contratar uma faxineira. O que você requer da faxineira é que ela mantenha a sua casa limpa e arrumada, isto é, que ela cumpra com o acordado. Você paga a ela à medida que demonstra que o serviço foi bem executado. A partir do momento que essa faxineira, em vez de limpar a casa, começa a fazer corpo-mole e, mesmo depois de você chamar a atenção dela, ainda assim passa a agir desse jeito recorrentemente, dificilmente você a manterá no cargo.
O raciocínio para alguns empregados públicos dá-se semelhantemente. Muitos desses empregados até começaram bem quando entraram na empresa, mas, depois de ver a cultura do corpo funcional, de uma forma quase contagiosa, acabam entrando no esquema da simulação laboral (eles saem de casa bem arrumados, mas, quando chegam no local de trabalho, mais fingem trabalhar do que trabalham de fato). A pergunta que fica é: Se essa empresa pública deixasse de ser estatal para ser privatizada, será que esse tipo de comportamento seria tolerável? Dificilmente.
2)No serviço público, o funcionário se esconde por trás de uma fatídica estabilidade que lhe dá todas as salvaguardas para desempenhar como bem entender o seu trabalho, e, muitas das vezes, de uma forma mal-educada, relapsa e desleixada. O desemprego é um daqueles fatores que, por mais que não se queira ou se espere, faz parte de qualquer ambiente social. A questão que deveria ser levada em consideração é o que causou esse desemprego e o que pode ser feito para mitigá-lo. A primeira coisa é que normalmente o empregador demite um funcionário baseado nos resultados que ele demonstra na função. Você pode ter o melhor currículo como vendedor de carros, já ter passado por inúmeras concessionárias, realizado treinamento até mesmo em montadoras do exterior, mas se você não consegue atingir a meta de vendas no final do ciclo estabelecido por seu chefe, há uma chance muito grande de você ter que buscar novos ares. Essa é a tônica de qualquer mercado, e que o funcionalismo público insiste em desconsiderar. Salvo uma ou outra exceção, boa parte das empresas públicas não dão lucros e resultados como deveriam, fazendo com que o rombo das contas públicas aumente cada vez mais, enquanto os pagadores de impostos continuam custeando trabalhadores relapsos de empresas públicas ineficientes.
3)A maioria das pessoas possui família e quer dar exemplo para os que dependem financeiramente deles. Uma das formas de ser bom exemplo é trabalhar com afinco, independentemente da chefia que se é subordinado. A partir do momento que você não cumpre com suas metas no trabalho, não respeita seu chefe, faz corpo-mole no emprego, e não se empenha em galgar novas posições ou colocações no mercado de trabalho, você está dando um péssimo exemplo para aqueles que dependem de você. Achar que uma empresa pública ineficiente não deve ser privatizada só por que pode se estar deixando um pai de família desempregado é agir com desonestidade ou ignorância. Não é por que o cidadão é pai de família que o torna automaticamente detentor de um emprego vitalício. Voltando ao exemplo da faxineira, se você soubesse que ela possui cinco filhos, ainda assim você a manteria no emprego, mesmo sabendo que além dela não cumprir com o acordado, ainda utiliza o tempo para assistir TV, dormir no seu sofá e comer sua comida toda? É uma pergunta simples para uma resposta mais simples ainda. Querer manter um tipo de filantropia empregatícia, desconsiderando o que de fato move uma economia – que são os ganhos e resultados oriundos da produtividade –, é não compreender e obedecer às demandas do mercado.
Regressando à epígrafe, o tema privatização sempre causou confusão porque muitas pessoas utilizam esse tipo de argumento emotivo, o que não acrescenta nada de útil ao debate. Do outro lado, grupos políticos, que utilizam a estatal como curral eleitoral e cabide de empregos para os seus confrades, também se aproveitam da situação para gerar ainda mais caos na população, com o objetivo de que por meio da desinformação consigam trazer mais defensores para o seu lado. E a economia brasileira fica nesse redemoinho de atraso pelo simples fato de que alguns empregados públicos não querem perder a mamata fácil da sua vaca sagrada pública.
Qualquer país para se desenvolver precisa dar lugar e investir na iniciativa privada, pois é justamente este setor que consegue trazer investimentos, produzir riqueza para a sociedade e alavancar o crescimento econômico tão esperado. A partir do momento que o Estado, na pessoa das suas empresas públicas, decide atuar também nesse setor da economia, e pior, estabelecendo monopólios (e ineficientes), a tendência é de queda na produção do país e mais facilidade na instauração de um ambiente corrupto (é só lembrar o que aconteceu com os Correios, a Petrobrás e outras menos conhecidas).
Enquanto a empresa privada preza por uma governança corporativa eficaz, com tratamento e gestão de riscos eficientes, compliance, foco em resultados e boa liderança, isso faz com que o seu desempenho melhore cada vez mais. É justamente o fato de não haver estabilidade de empregos na iniciativa privada que propicia um ambiente mais concorrente e competidor, em que o maior beneficiário será o consumidor (claro, desde que o país possua uma abertura para a economia de mercado e a liberdade econômica). Quando o país procura simplesmente abrir uma empresa pública em cada esquina, com a desculpa de que tal empresa será útil para diminuir a desigualdade na sociedade, ou para fornecer serviços onde a iniciativa privada não se interessa em atender, ele acaba deixando de exercer o seu papel de fiscalização, que deveria ser a sua única finalidade.
Trens, serviços de entregas de mercadorias, exploração de petróleo, loteria, energia, saneamento básico, serviços bancários, processamento de dados etc., todos são objetos que qualquer empresa privada do ramo se interessaria em fornecer ao público, mas o estado brasileiro foi se entranhando tão sutilmente em tais mercados que tornou-se difícil para o cidadão compreender que tais nichos não deveriam ser foco de interesse para o estado. Essa compreensão se agrava quando olhamos para o lado, eleição após eleição, e vemos que boa parte dos políticos possui essa mentalidade estatizante, onde o simples fato de ouvir falar de privatização é um motivo a mais para tachar, quem trouxe o assunto à tona, de “entreguista”, ou qualquer outro adjetivo estúpido, quase como um mantra.
É esperado que privatizar estatais traga demissões, e os primeiros, sem dúvida, serão aqueles relaxados, acomodados, e que sempre se vangloriaram por fingirem trabalhar e ainda estarem sendo remunerados por isso. Com o tempo, caso a empresa privada detentora da ex-estatal queira fazer um novo remodelamento do seu quadro funcional, assim ela fará, e não adianta bater o pé dizendo que se está ali por conta de meritocracia ou o que quer que seja. Meritocracia não deve ser um fim em si mesmo, mas simplesmente um meio para se conseguir galgar novas posições. Acomodar-se com o mérito é não possuir mérito para se estar em cargo algum. E é essa percepção que falta a muitos empregados públicos.
Demitir e reformular são coisas necessárias num primeiro momento para que o novo detentor da empresa comece a focar no crescimento econômico e na geração de empregos. Alguns podem achar uma incongruência o fato de a empresa ter que demitir para gerar empregos, mas não é incongruência se voltarmos novamente para aquele exemplo da faxineira. Quando você a demite, você vai buscar uma nova para a função, que de fato cumpra com o acordado, e, para isso, você vai ter que procurar novamente no mercado. Pode ser que, em vez de apenas uma, você perceba que necessita de duas, e, assim, você estará gerando emprego.
Alguns empregados comentam, por brincadeira, que se eles fossem o dono do negócio, tornariam o trabalho para seus colegas menos exigente, além de dar um aumento a todos. Se realmente esse trabalhador tivesse todo o poder que o chefe tem não demoraria muito para ele perceber que filantropia sem produtividade não sustenta nenhuma empresa. E, logo em seguida, ele teria que voltar aos mesmos hábitos de foco em resultados do chefe que ele tanto reclamava, porque é assim que qualquer empresa funciona, e é desse jeito que torna possível os seus produtos ou serviços serem ofertados ao consumidor.
Privatizar uma empresa pública é sempre um processo árduo, em que burocratas e políticos interesseiros preferem mantê-la como um totem sagrado do estado ou da região que eles representam, conquanto não esteja sendo eficiente economicamente, do que apoiar a sua venda. Como devemos tratar política racionalmente, é conveniente saber que convencê-los não será fácil, talvez será necessária uma troca de favores entre partidos e coligações. Contudo, não se deve perder de vista que manter “elefantes brancos” estatais é o que mais tem tornado a população refém de serviços públicos imprestáveis, custeando empregados públicos preguiçosos e improdutivos, e contaminando o mercado com aquilo que não é necessário. O desejo é que se privatize tudo, mas dá pra ficar contente se pelo menos a metade for concretizada.
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